Carta de Lúcio Lara a Viriato da Cruz

Cota
0007.000.011
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Viriato da Cruz
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta a Viriato da Cruz [dactilografada] Ffm. [Frankfurt/Main], 10.10.59 Meu caro Apresso-me a escrever-te, agora que acabo de receber a tua carta expresso e que portanto sei pª onde o devo fazer. Antes de mais falemos da tua situação, que é o que neste momento mais me preocupa. Não me parece despropositado que trates de auscultar as possibilidades de uma possível deslocação à Polónia ou a qualquer outro país, pois no caso de a resposta não vir a tempo do Gh. [Ghana], terias uma garantia contra qualquer interferência dos sócios dos Portugas nos affaires coloniais. Em todo o caso convém não partires pª nenhum desses países enquanto te for possível aguardar uma solução africana. Passo a expor-te o que há sobre isso. Conforme o que te disse na carta de 26.9, escrevi ao Barden a carta cuja cópia só agora te envio, por só agora ter a certeza de que te encontro. Como verás, nessa carta eu insisto na n/ situação melindrosa e sugiro que em última análise nos concedam pª já um VISA de turistas, estudando-se depois in loco os problemas levantados pela n/ questão. Isto para abreviar uma solução que te permita entrar lá com o passaporte ainda válido. Mal acabava de escrever essa carta, li no Monde a notícia da MORTE DO PADMORE em Londres, e prevendo as complicações que daí adviriam para o nosso caso, escrevi imediatamente uma 2ª carta, datada de 28, cuja cópia também aqui junto, em que mais ou menos lhes dava a entender que apesar das complicações que tal acontecimento acarretaria seria conveniente não esquecerem a n/ situação delicada e darem portanto uma solução mesmo que provisória, à nossa questão. Com essa carta seguiu uma carta pª o Hon. Chairman em que em nome do MAC exprimia o n/ pesar ao C.P.P. [Convention Peoples Party] e ao povo do Gh. No dia 7/X recebo finalmente notícias tuas e, vendo que daí também não seria de esperar uma solução, resolvi telegrafar ao Barden nestes termos CAN WE RECEIVE VISA BEFORE THIRTEENTH OCTOBER?, pretendendo com isto mostrar-lhe que continuávamos à espera de uma resposta pª decidirmos do nosso futuro. Até hoje, 10, nenhuma resposta veio a tal telegrama, sendo possível que alguma coisa esteja a caminho. Sinceramente não percebo bem esta demora. Enfim, temos muito que aprender; as burocracias estendem-se também a África. Não são só pecha europeia. Logo que alguma coisa receba do Gh. telegrafo-te se disso houver necessidade, pª a morada que me dás em Berlim. Por um relatório que enviei para a Sede de acordo com o que aí combináramos, mandava pedir massa. Mas não pedi 5 contos como tu dizias; pedi 10, pois as nossas finanças estão em baixo e não é justo eu continuar só a sacrificar o pai da R. [Ruth Lara]. Esses 10 contos já estão em n/ poder. Simplesmente a passagem de avião custa cerca de 8.500$00, por isso tudo o que te for possível arranjares aí no caso de nos ser concedido o visto, é tentares. Não sei é como te seria possível arranjar dinheiro ocidental; a não ser que embarcasses num avião da Companhia desse lado, se é que eles não exigem visto pª vender o bilhete, como aqui acontece. Nessa ocasião telegrafarias ao Barden a dizer-lhe quando chegavas pª ele telefonar lá pª o Aeroporto a dar ordem às autoridades pª te deixarem entrar. Vê já as hipóteses que aí se põem sobre o assunto, não esquecendo que há vacinas a fazer e vai comunicando comigo sobre tudo o que fores resolvendo pª eu saber o que fazer. Há realmente viabilidade nesse contrato com a editorial? O Rocha, sem dinheiro nenhum também está numa situação de expectativa. Lava pratos no café da Opéra, para ao menos ter alguma massa. Está instalado à borla em casa do Lissner, aquele tipo do Rundschau com quem falámos uma vez... Foi coisa arranjada pelos B. [Bouvier]. Nós tínhamos pedido que arranjassem um quarto barato e eles disseram que conheciam um, e afinal era à borla. NOTÍCIAS – Também tinha recebido esse memorandum para o PFA1 do Senegal, não de Conakry, e tinha já uma cópia pª te mandar bem como uma carta do Abel [Amílcar Cabral]. Esta segue, aqui junto. O n/ amigo não teve possibilidade de ir a G. Não podemos deixar de frisar que o trabalho dele foi um EXCELENTE contributo pª a nossa luta. Ele já escreveu de Lx [Lisboa] e foi ele que ajudou a completar o que faltava pª os dez contos pedidos. Diz que «encontrou todos preocupados com viagens». Não sei se se refere às nossas ou à vontade que parece haver por lá de EMIGRAÇÃO. Ontem li no Monde que o Hon. Chairman fez um discurso no Bureau da Conferência dos povos africanos em que incitava os Congoleses a lutarem contra o colonialismo como estava acontecendo na Niassalândia e em Angola. Talvez isto seja um resultado dos nossos contactos, contando o que se passou em Angola, mas a que eles ainda não responderam. Já saiu o artigo da Gauche. Ocupa uma página inteira, com o título TERRREUR POLICIÈRE EN ANGOLA. Eu escrevi um pequeno artigo de jornal em que a propósito das colónias portuguesas na ONU falo nos acontecimentos de Angola e Guiné. A Ruth está a traduzi-lo e deve sair no Rundschau. Vamos a ver o que é possível fazer com o Artigo que me enviaste. Eu estou com outro artigo nas mãos, sobre o mesmo problema da ONU, mas bastante desenvolvido, para uma revista daqui. MAC – O n/ Movimento está já a ter problemas que impõem uma séria concretização de princípios e talvez mesmo uma nova estruturação. Pelo extracto da carta do H.M. [Hugo de Menezes] enviada a Paris verás que ele tomou uma resolução algo precipitada que exigia ao menos a consulta de todos, sobre a inclusão de malta da colónia da G. no Mac, em desfavor de uma organização que se forjava com características Guineenses. A malta de Paris já se pronunciou e diz que nós nos pronunciaremos. Eu estou de acordo com a malta de Paris, i.é, com o memorandum que eles enviaram e cuja cópia aqui junto, embora esteja de acordo que o Mac deve compreender tipos de todos os Movimentos. Convém pois definirmos uma situação de compromisso que nos permita uma certa liberdade de movimentos enquanto a malta de Lisboa se não pronunciar sobre o assunto. Repara que o Abel no mem. para o PFA, assina «por delegação do Mac, groupant les organisations de lutte Anti col. dans les Pays Africains dominés par le Portugal»2, enquanto que o Mac agrupava «pessoas». Há pois necessidade de definir convenientemente os princípios do Movimento pª evitar um procedimento anárquico da malta que está trabalhando com a melhor das intenções. Por outro lado recebi uma carta dum senhor Adriano Lima Araújo, de Conakry, que diz ter sabido da existência do n/ Movim/ (não cita o nome do movim. e a carta vem endereçada ao Sr. Camillo Sitteweg 71) pelas «estâncias oficiais da G.» A carta é muito interessante, pois faz um resumo dos últimos acontecimentos na Col. da Guiné, e pede que o n/ movimento tenha em consideração «o pequeno núcleo da Guiné» que ali luta pelo mesmo alvo e pede «ajuda moral com instruções, directivas em vista de uma melhor orquestração da nossa campanha anti-portuguesa, dirigida especialmente pª a Guiné sob ocupação portuguesa através da Radio Cona.[kry] que amavelmente nos concede 15 a 20 minutos todos os domingos para emissão em nosso crioulo». Por carta do Má. [Mário de Andrade] soube que o H.M. está agora a dirigir esses programas de rádio que parece serem agora bi-semanais. Ele sugere que se escreva em papel timbrado ao K.F. [Keita Fodéba], lembrando-lhe o memorandum. Eu sou de opinião que se deve escrever, estranhando não termos recebido resposta ao memor. que eles receberam com certeza por terem dado a indicação ao Araújo. Eu a este ainda não respondi, pois penso que devo fazê-lo através do Men. [Hugo de Menezes], uma vez que ele põe reservas a certos elementos do G.P. em Conakry. Temos aliás que ter certo cuidado com a actuação do Men. uma vez que ele não está habituado a trabalhar organizado e sendo portanto de duvidar legitimamente de que ele possa avaliar desde já quais são os elementos que inspiram ou não confiança. Todos estes problemas impõem portanto um ESTABELECIMENTO DE PRINCÍPIOS que não cortando embora o espírito de iniciativa dos membros do Mac, lhes imponha limites de actuação. Isto é urgente e tem de ser feito por grupos sugerindo eu que nós façamos em conjunto, que Paris critique, envie pª Lx., pª de lá vir a feição definitiva. Dou a este trabalho a maior importância pelas repercussões que pode vir a ter, trabalhando com entidades da maior responsabilidade. O Senghor, que está em Paris, prometeu intervir no caso do ES [Guilherme Espírito Santo]. Não sei ainda o que se passa. A malta de Paris pede pª informar se o Abel actuou quanto ao memorandum de acordo com as nossas resoluções de Maio. Respondi que nas decisões aqui tomadas pareceu-nos ser de dar a maior liberdade de actuação, desde que ela estivesse de acordo com os n/ princípios e com as tarefas imediatas do nosso programa. E que o memorandum ao Gh. estava de acordo. Não me disseram porque queriam saber isso. Eu enviei pª lá as cópias dos memorandos, não as das cartas do Abel. Quanto a este, na próxima comunicação que tentar com Lx., vou insistir pª que ele saia. Estou convencido de que ele deve estar a tratar disso. Disse-te que estava de acordo com o memorando de Paris, mas acho que se deve frisar que todas as resoluções que envolvam problemas de princípio só devem ser resolvidas por um grupo de elementos e não por um elemento. Se passares por cá, como é possível que aconteça, se tudo se resolver satisfatoriamente, poderemos tomar umas decisões finais, antes de dissolvermos ou por outra transferirmos a secção da A. [Alemanha]. Amigos de cá – Continuo a visitar os B. [Bouvier] todas as semanas, como antigamente. Naturalmente eles estranham o teu silêncio. Há tempos disse-lhes que também estava atrapalhado sem notícias tuas (estava mesmo) e que te ia telegrafar pª a Bélgica. Eles e os de B. [de Bary] sabem que o t/ passap. caduca agora. Informei-os que me tinhas dito em telegrama que me escreverias logo que pudesses. Claro que eles continuam duvidando da Bélgica. Mas isso é um assunto de que falaremos depois. Ambas as casas, destes amigos, me contaram de diligências da Embaixada de Port. em Bona, para saber o teu paradeiro. A IB [Irmgard Bouvier] foi questionada na Bib. [Biblioteca] e a de B. em sua própria casa por uma blondine que se diria tua «amiga». As histórias são interessantes. Não sei até que ponto deva acreditar na sinceridade destes amigos ou na bisbilhotice portuguesa... As tuas cartas não me esclareceram sobre se recebeste todos os documentos e cartas enviadas em 19 e 26 a primeira via Bélg. a 2ª directamente. Espero que não voltes a estar tão silencioso, pois sinceramente o teu silêncio numa altura em que precisamos de estar em contacto quase permanente, deixou-me algo atrapalhado. O secretariado do Cairo mandou já os textos das mensagens. A n/ não vem incluída... Talvez tenha chegado tarde. Estive também pª escrever pª a G. com o motivo do I aniversário da República, mas pensei que o nosso representante lá se manifestaria e não valia a pena haver sobreposições. A família e Rocha recomendam-se. Um grande abraço. ass.) Lara INCLUSO: 1 cópia de extractos da carta do HM pª Paris e do mem. por ele entregue ao P.D.G. 1 cópia da carta que Paris enviou ao H.M. 1 « do memorando de Dakar 1 « da 2ª carta do Abel 2 cópias das cartas pª o Barden

Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Viriato da Cruz

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