Carta de Viriato da Cruz a Lúcio Lara

Cota
0007.000.029
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Viriato da Cruz
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Viriato da Cruz
[manuscrita]

B. [Berlim] 24.10.59
Meu caro,

Escrevi ao Mário no mesmo dia em que te enviei a m/ última carta. Pedia-lhe que procurasse saber, em Paris, as possibilidades do v/ embarque (teu e da tua família) para Tunísia ou Marrocos. Pedia-lhe que buscasse o interesse [sic] do Bragança no sentido de se encontrar uma solução ao menos para Rabat. É evidente que essa minha démarche junto do Mário é anterior à tua confirmação ou negação sobre a sugestão de embarcardes para o Norte de África. Permiti-me escrever ao Mário imediatamente para poupar tempo. A última palavra é tua, evidentemente.
Recebi ontem uns números do boletim «Notícias de Portugal». Num dos números vinham transcrições da intervenção do delegado luso na ONU. Ghana e Guiné intervieram pelas colónias africanas de Port. O delegado luso, além de repetir as conhecidas teses de que Port. não tem colónias, ironiza com Ghana e Guiné. Falou de intervenção estrangeira em assuntos internos de Portugal. Krishna Menon, delegado da Índia, tornou a falar do caso das colónias portuguesas. Um dos membros da embaixada lusa, um tal Dr. Sócrates da Costa, respondeu a Menon repetindo as teses também muito conhecidas: não há colónias; fraternidade racial; os territórios de além-mar são independentes com a independência de Portugal, etc.
Pela colónia de Angola, esteve agregado à embaixada lusa à ONU o Américo Aleixo, da Associação Comercial de Benguela.
95 oficiais [sublinhado por L. Lara] do exército port. foram enviados para as colónias.
O chanceler do país onde estás aceitou convite para ir em visita a Portugal. O Ministro dos Negócios Estrangeiros deste país, um tal Marcello Matias (que fora embaixador em Paris) esteve no país onde estás, há questão de meses. A Alemanha parece que vai investir nas colónias portuguesas.
O colonato da Cela está a ser alargado de maneira fantástica. Agora estão quase prontas propriedades de mais de 100 hectares, destinadas aos agricultores lusos residentes em Angola. Os trabalhadores serão apenas europeus.
Enfim, os lusos mexem-se, realizam coisas, consolidam as suas posições – e nós?
Não há vitória sem luta e acção, mesmo quando as causas são justas.
A minha questão com a editorial está quase no ponto zero. Eles fazem agora novas exigências. Querem mais 50 páginas escritas para poderem assinar contrato neste momento... Como poderei eu escrever aqui sobre o m/ país, quase sem documentação? Impossível.
Vou mexer-me agora para trabalhar nas minas. Ganha-se bem nas minas; e assim poderei arranjar massa para embarque.
Não vos preocupeis comigo! Tratai de resolver, com energia e urgentemente, os vossos próprios problemas! Isto é mais fundamental e importante.
A única coisa que vos peço é que me informeis sobre a marcha das nossas questões gerais. O que se diz em Lisboa? E em Paris? O que se passa nas colónias? O que pensam vocês aí? O que se passa em África? [este sublinhado é de L. Lara].
Como sabes, estou quase impossibilitado de tomar conhecimento das questões implícitas nas interrogações que faço acima. Creio que sou o mais distante da possibilidade de acompanhar os nossos problemas. Informai-me sobre eles, por favor.
Não percais tempo a esperar uma solução de Ghana. Furai por outros caminhos. Põe-me ao corrente das vossas démarches.
Espero que também deis alguma atenção ao conteúdo da m/ antepenúltima carta (que tinha cerca de 10 páginas). Escrevi-a em resposta a questões levantadas por vocês. Espero, portanto, que o trabalho, que tive em escrevê-la, não seja de todo inútil.
Seja como for, gostaria de saber como resolvestes as questões que vocês próprios levantaram. Ou como as hão de resolver.
Não te deixes abater pelas dificuldades. Mexe-te e faz mexer os outros. Eu não te animo «porque estou bem». Não estou bem; já estive. Estou reduzido a uns vinténs no bolso; e há 4 dias que me alimento de chá, pão e flocos de aveia.
Mas é assim a vida. E a impaciência, o desânimo e a inacção não resolvem nada. Nada mesmo.
Não divulgues, pelos amigos aí, a m/ actual situação aqui. Isso não tem nenhum interesse positivo para eles.
Saúde e Acção!
Cumprimentos a todos. Ruth e Paulinho.
O m/ melhor abraço para ti
V.

P.S. – Seria interessante que os amigos de Lxª não se convencessem que os 10 contos chegam para resolver todos os problemas aqui do exterior. Eles que continuem arranjando mais dinheiro.

Carta de Viriato da Cruz (Berlim) a Lúcio Lara

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