Carta de Viriato da Cruz a Lúcio Lara

Cota
0007.000.047
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Viriato da Cruz
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Viriato da Cruz
[dactilografada]

12.11.59
Caro Lara,

Recebi a tua última carta, que passo a responder.
Os acontecimentos nas colónias portuguesas, nomeadamente em Angola, já tomaram proporções tais, que não podemos permitir, por mais um segundo, que o MAC prossiga a sua actividade dentro dos métodos tradicionais. O MAC precisa, urgentemente, de sair da jaula, de se alçar à altura da luta que se vem travando no interior dos nossos países. O MAC precisa, urgentemente, a todo o custo, de passar a uma luta aberta e em grande estilo, no terreno internacional, contra o colonialismo português que já saiu há muito tempo de uma atitude de pura e simples vigilância repressiva. O colonialismo português já passou à ofensiva aberta e sanguinária contra todos os nossos povos. O que falta ao colonialismo português é só passar à luta armada. Assim sendo, temos o dever patriótico de passarmos a uma luta aberta, furiosa, contra o referido colonialismo.
Proponho que enviemos – o MAC – telegramas ao secretário-geral da ONU e ao Secretariado permanente do Conselho de Solidariedade afro-asiática, denunciando os crimes dos colonialistas portugueses. Junto cópia desses telegramas. Estes poderão ser enviados daí ou de Paris, como vocês resolverem. Ofereço o meu nome para testa-de-ferro de toda a nossa actividade aberta em terreno internacional.
A prisão do António Jacinto e do Mário António e de mais outros, bem assim como a repressão contra os nossos organismos clandestinos de instrução popular são, na verdade, duros. Mas nada disso nos deverá desanimar. Há muito, quando ainda eu estava na terra, vínhamos trabalhando para passar os sectores mais importantes da nossa luta e das nossas organizações para as mãos de indígenas anónimos e para as regiões onde só vivam indígenas. Estou convencido que essas nossas decisões foram passadas imediatamente à prática, com a energia e a disciplina exemplares dos nossos companheiros de luta, das quais fui por longo tempo testemunha. Enfim, é uma pena que os africanos residentes na Europa só agora comecem a ter uma ideia e a fazer confiança na seriedade da luta que, com espírito adulto e consequente, preparámos na nossa terra. Duzentas escolas clandestinas... O que representa isso de sacrifício? Quem nos pode dar, aqui na Europa, um exemplo de semelhante luta?
Em suma, é tempo de nós, africanos em exílio, nos colocarmos à altura do combate que se vem realizando nas nossas terras.
Voltarei, amanhã ou depois, a responder aos outros pontos da tua carta.
Cumprimentos a todos. Beijos ao Paulinho.
ass.) V.

[Acrescentado à mão: P.S. – Toma cuidado contigo aí. Sabes porquê.]

[Acrescentado na margem, à mão: P.S. Pensando melhor, acho que, em vez de enviarmos telegrama ao Cairo, devemos escrever, denunciando o prosseguimento das actividades repressivas em Angola, remetendo-lhes cópia do n/ telegrama ao Secretário-geral da ONU e pedindo-lhes apoio às nossas démarches e à luta dos povos das colónias portuguesas.
Amanhã vou tentar uma renovação do meu séjour.
V.]

Carta de Viriato da Cruz (Berlim?) a Lúcio Lara

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