A original foi enviada (digitalizada) por Jorge Soromenho – filho de Castro Soromenho.
Conakry, 25 de maio de 1960
Meu caro Soromenho
Há já uma imensidão de tempo que ando para lhe escrever. Soube pelo Mário do que se tem passado consigo e da sua actual situação próxima da nossa. Sem dúvidas que as condições internas de Portugal obrigam todos aqueles que encaram a sério uma luta para os estabelecimentos das liberdades fundamentais (no país ou nas colónias) a ter de procurar fora das suas terras os elementos que ajudem a construir uma linha de acção honesta e eficaz.
Escuso de acentuar a admiração que nós, os filhos de África e seus irmãos, lhe dedicamos e como temos presente as atitudes que sempre assumiu quanto aos nossos problemas, quer nas suas obras quer nos seus actos de simples cidadão.
Estamos certos que o nosso dia chegará em breve e por essa razão não nos preocupamos em demasia com as dificuldades que todos temos vindo a suportar.
Tenho pena de não o ter visto em nenhuma das vezes em que esteve fora de Portugal após a minha saída; o Mário tem-me falado de si, e assim sinto-me próximo dos seus problemas e animo-me com o facto de você estar ao corrente dos nossos.
Quis-lhe escrever no dia 13 de Maio, pois sabendo-o longe ainda da família e sendo a data do aniversário do Waldemar (não o esqueço) queria acompanhá-lo fraternalmente na solidão em que porventura se encontrasse. Os afazeres e até mesmo o clima pesado a que ainda não me habituei completamente ( o Huambo é um paraíso comparado com a Conakry quanto a clima) impediram-me de o fazer. Nem por isso deixo de lhe escrever nesta ocasião em que ponho em dia algum correio atrazado e pedir-lhe que nos vá dando sempre as suas notícias. Escusa de escrever especialmente para mim, basta que escreva ao Mário e diga como vai andando e conte algumas novidades que aí cheguem do “cantinho à beira-mar”.
Ignoro se neste momento já tem os seus juntos de si. DE qualquer maneira peço-lhe que transmita as nossas saudações a sua esposa e carinhos à miudagem. A minha mulher lá se vai habituando a isto sem grande dificuldade. O miúdo é que não estranhou nada e no que respeita a comidas o tipo bate-se com toda a espécie de prato ou fru a africanos.
Ultimamente recebi uma carta do Vasco Martins em que o tipo se mostra algo desanimado com o desânimo que parece lavrar nas hostes oposicionistas. Será que o Toino vai mesmo morrer de morte natural?...
O Mário pergunta se você recebeu a carta que lhe escreveu pela Sarah. Cumprimentos da nossa gente aqui, em particular da Ruth.
Um apertado abraço do amigo certo.
Lara
Carta de Lúcio Lara (Conakry) a Castro Soromenho para dar apoio e notícias.