Carta de Veiga Pereira a Lúcio e Ruth Lara

Cota
0013.000.032
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Carlos Veiga Pereira e Miriam Halpern
Destinatário
Ruth e Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Ruth pensava ser de 1959, mas Miriam Halpern corrigiu a data.

Milano, 3 Junho [manuscrito por Ruth Lara: 59?]
Caro Lúcio e Querida Ruth

    Tanto tempo esperei por uma ocasião em que vos pudesse escrever sem as limitações que criam a PIDE e a censura que quando o puder fazer quase fiquem sem saber o que vos dizer. Aconteceria o mesmo se tivéssemos oportunidade de nos encontrar. Ficaríamos provavelmente muito tempo sem saber o que dizer, tantas são as recordações que temos em comum e tão grande é o forçado silêncio que tem permanecido entre nós. Vai junto uma carta da Loth e do Herman. Perdoem-me só hoje a enviar. Todos os dias desde que cheguei à Itália tenho pensado em o fazer. Mas queria escrever-vos o que até agora não consegui por todas as cartas me parecerem vazias, sem expressão, quase inúteis ao início.
    Eu e a Miriam chegámos a Itália no passado dia 9 ou 10. Viemos da (?), o que nos concedeu três dias de repouso antes de iniciarmos uma caminhada fatigante e quase abusiva de norte a sul: Génova, Milão, Verona, Vicanza, Veneza, Radna, Florença, Siena, Roma, Nápolis, Pompeia, Torrento, Capri e agora de novo, Milão. É extraordinário assistir ao desenrolar da história da arte, ao iniciar e desenvolver das diversas correntes artísticas, encontrar os quadros que se conheciam por reprodução, verificar a evolução dos pintores de maior renome e descobrir uma infinidade de outros que só são secundários por serem italianos, uma vez que noutro país seriam de primeiro plano. Não menos ensinamentos os monumentos que ficaram da Antiguidade e, em especial, os mosaicos e pinturas de Pompeia. Ou a formação do Cristianismo, documentada na evolução da própria arquitectura e arte religiosa. E a possibilidade de ver o "(?)" todos os dias: Não sei se vocês ainda se lembram de que em Portugal o noticiário dos jornais e da rádio (e agora particularmente da Televisão) é normalmente tão incompleto e tão reaccionário que quase sempre é necessário ler nas entrelinhas. O que não raro quer dizer apenas que não se ocultam os comentários ou as noticias dos jornais, pois os factos necessários para se fazer um juízo permanecem na obscuridade. Mas não é da Itália que vos quero falar. Tanto mais que o Lúcio bem a visitou na companhia (adiante Ruth!) da Bárbara. Partimos amanhã para Nice, donde seguiremos depois de amanhã para Lisboa. São demonstradas as emoções que nos provoca a aproximação da Pátria: por um lado há a natural satisfação de voltar a casa, de ir encontrar a família e os amigos, projectos de ir fazer qualquer coisa por um futuro mais decente; por outro, há a dolorosa sensação de voltar a um presídio de que tivéssemos tido um breve mês de férias. É afinal o que quase todos os portugueses sentem no aproximar-se a hora do regresso – e não seria necessário mais para condenar o salazarismo.
Poucas e raras notícias temos tido do que vocês vão fazendo. Recebi os jornais de Tunis e renovo o índice do que vão enviando. (?) enviando para o jornal ou para nossa casa - Av. de Berna, 48 - 5º Esq. (de preferência talvez para o jornal). No entanto, o que soubemos das vossas mudanças dá-nos grande alegria e satisfação. Acredito hoje ainda mais que sempre acreditei que os interesses do povo português e dos povos coloniais são absolutamente os mesmos, isto é que não se pode separar a luta contra o fascismo na Metrópole (seja em Portugal) da luta dos povos coloniais pela sua independência. Creio até que, a não ser que surjam dados inesperados, a libertação do povo português está hoje condicionada pela prévia libertação dos povos coloniais. Por isso, e porque permaneço com a o coração em África, desejaria fazer todo o possível para vos ajudar. Não sei bem o que pudesse ser. Espero que o digam (para além claro do envio de publicações, etc. - as que foram pelo enf. foram úteis?) Gostaria de continuar a escrever, mas é impossível. Se puder ainda o faço de Nice. Escrevam, sim?
Muitos beijinhos ao Paulinho.
    Um grande abraço do
        Carlos


    É estúpido escrevermos pela primeira vez, mas a correr só com tempo de vos agradecer a vossa carta - achei a tua gente, Ruth, muito divertida e… verdadeira! Muitas saudades, um grande abraço para vocês e beijinhos ao Paulinho que com certeza já não se lembra de nós e talvez até para o ano se vocês forem ao Festival, pois nós pelo menos pensamos nisso.
    Até breve,
        Miriam

    Eu especialmente é que apreciei a carta da Ruth. Espero que o Lúcio me apoie!
    Abraço!
    Carlos

Carta de Carlos Veiga Pereira e Miriam Halpern Pereira (Milão) a Lúcio e Ruth Lara

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.