Carta de Castro Soromenho a Lúcio Lara

Cota
0013.000.037
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Castro Soromenho
Destinatário
Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Castro Soromenho
[manuscrita]
Paris – Junho – 9 [1960]

Meu caro Lara: Foi uma surpresa muito agradável receber a sua carta. De si e dos nossos companheiros, ia tendo notícias pelo Mário [Mário de Andrade] e, mais recentemente, pelo Luís [L. de Almeida], com quem estou diariamente neste Paris onde luto por um buraco onde me possa acoitar com a família. É tarefa muito difícil para quem não possa dispor de dinheiros largos... Dentro de dias, saberei se poderei ou não contar com um pequeno apartamento nos arredores da cidade. É a última esperança... Depois se verá o rumo a dar à vida, cada vez mais afastado de Portugal – mais afastado e mais desinteressado. Homem de África, ali nascido e medrado até aos 27 anos, fui sempre um estrangeiro em Portugal. Para os portugueses, até a minha literatura sempre lhes pareceu estrangeira! Em verdade, eles têm as suas razões, porque nunca sentiram a humanidade africana. Mais, só agora começam a acreditar que ela existe...
Pelos recortes dos jornais que o Luís vai me mandando, vs. sabem o que tem sido o movimento de tropas e polícia de Portugal para a fronteira de Angola com o Congo Belga. Uma manifestação de força como prova de segurança, de fidelidade dos angolenses a Portugal... Ou a loucura da preparação de uma guerra colonial! Como é que o ditador classificaria essa guerra? Guerra ultramarina? Certamente revolta de maus português[es] inspirados por comunistas contra a maioria dos bons portugueses de todas as cores das províncias ultramarinas portuguesas... Isto, está claro, com mais tempero e muitas tabuletas patriotiqueiras.
Pouco ou nada sei do que vocês fazem aí. Além do folheto impresso e de um apelo não li mais nada, depois do Amílcar e Mário terem abalado. É pouco.
Por uma carta do Jorge Sena, residente no Brasil, ao José Augusto França, que vive em Paris, constatei que os anti-situacionistas estão sem saber nada do que os africanos das ditas colónias portuguesas pensam sobre o próximo futuro. Estes anti-situacionistas são do grupo oposto a Delgado-Galvão, que é colonialista.
No meu modo de ver, o ponto fundamental a focar pela oposição (imprensa dos portugueses no Brasil e Venezuela) é demonstrar que Portugal tem condições de vida próprias sem viver da economia colonial. A região mais importante é o Alentejo. Ora, o Amílcar tem um trabalho sobre essa região, do qual me falou; pedi-lhe cópia, e por V. insisto no pedido. Importaria de, à base desse estudo, escrever uns artigos para o Brasil. O português da oposição tem medo da perda das colónias, porque o país mergulharia na miséria total... Esta tecla é fortemente tocada pelos situacionistas. Além desse relatório, o Amílcar pode indicar-me trabalhos que me habilitem a uma série de esclarecimentos. Ele conhece muito bem o problema da terra. Daqui, eu partiria para a demonstração dos «verdadeiros interesses» dos «verdadeiros interessados» na exploração colonial; e deste último ponto para a afirmação que esses «interesses» foram e são contrários aos dos colonos, e que o destino destes só é ruinoso na medida em que eles são os filhos bastardos da mãe pátria. E os filhos destes «filhos bastardos», nascidos e medrados em Angola, numas poucas gerações, por alguma razão bem «colonialista» foram considerados «portugueses de segunda categoria».
*
O Waldemar lembra-se muito bem de si. Agradeço-lhe, e a Mercedes também, os parabéns que lhe mandou, na carta que me escreveu e no recado dado pelo Vasco.
A Mercedes, que se recomenda à Ruth e a V., está em Paris a estudar comigo as condições de aqui podermos viver. Regressará a Lisboa para a semana, e até fins de Agosto a nossa vida terá novo rumo. Qual? O ramo do Brasil será o último a trilhar, por razões que V. pode avaliar.
Quando tiver tempo e vagares, dê-me noticias. Abraços ao Amílcar, Viriato e Mário. Um beijo para o seu miúdo, recomendações para a Ruth e um grande abraço para si do seu amigo
Castro Soromenho

Carta de Castro Soromenho a Lúcio Lara

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