Carta da Frente Comum dos Partidos Políticos de Angola à ONU

Cota
0016.000.013
Tipologia
Correspondência
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Remetente
Frente Comum dos Partidos Políticos de Angola
Destinatário
Presidente da Assembleia-geral da ONU
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Excerto da segunda carta da Frente Comum à ONU
[dactilografada – original em francês]

FRENTE COMUM DOS PARTIDOS
POLÍTICOS DE ANGOLA Léopoldville, 13 de Dezembro de 1960
Caixa Postal 8085 Senhor Presidente da Assembleia Geral
LÉOPOLDVILLE da Organização das Nações Unidas
NOVA IORQUE
Senhor Presidente,

Por ocasião da próxima sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que entre outras questões examinará a questão relativa aos territórios não autónomos, o povo angolano aproveita de novo a oportunidade para vir, através da sua «FRENTE COMUM», submeter-lhe, por meio desta carta, algumas precisões sobre os recentes acontecimentos que tiveram lugar em Angola em consequência das últimas resoluções da ONU que exigem às potencias coloniais, não só o fornecimento de informações sobre a administração das suas colónias, mas também permitir a estas últimas estarem representadas no seio da dita Organização.
Pela nossa carta de 31 de Outubro último havíamos já informado o Sr. Presidente da desorientação que estas resoluções suscitaram tanto em Portugal como nos outros meios portugueses que as interpretaram como ataques dirigidos contra Portugal. É assim que, para se defender, esse mesmo Portugal organizou em todo o seu «império» manifestações populares de protesto contra a ONU e para simular diante do mundo que os seus povos colonizados, pela sua participação nestas manifestações, se reconheciam como partes integrantes da nação portuguesa. […]
Eis como Portugal apresenta ao mundo a sua política de fachada para fazer crer o contrário daquilo que aplica nas suas colónias de exploração e de povoamento onde estabeleceu, como não podia deixar de ser, cinco categorias de homens, que são: 1º – os Europeus nascidos em Portugal; 2º – os Europeus nascidos em África; 3º – os Assimilados mestiços; 4º – os Assimilados negros; e 5º – os Indígenas (que são quem constitui a grande maioria da população). A necessidade da manutenção destas categorias foi confirmada em tempos pelo decreto nº 39.666 de 20/5/1954. Poderia então perguntar-se se o mesmo decreto também é aplicável em Portugal, onde os portugueses são eles próprios «indígenas», com aliás uma percentagem de analfabetos de mais de 40%, número mais eloquente para um povo civilizado de 9 milhões de pessoas que se estende por uma superfície de cerca de 90.000 km2 e que se outorgou no entanto a missão sagrada de civilizar e cristianizar 20 milhões de Africanos e Asiáticos em territórios de cerca de 2.500.000 km2. [...]
Quanto à sua [de Salazar] declaração, segundo a qual «os territórios portugueses do ultramar estão há muito emancipados», o menos que podemos dizer é que as argúcias do Sr. Salazar, longe de servirem a sua causa, constituem antes uma armadilha para Portugal.
Com efeito, sabemos que uma colonização fica justificada desde que um povo primitivo, não encontrando em si próprio as forças necessárias para sustentar a sua vida, precise da ajuda do civilizado. Mas mal esteja capaz de explorar ele próprio as riquezas do seu solo, assim que encontrar em si mesmo, nos seus filhos e nos seus meios económicos e políticos com que prover as suas necessidades, atingiu a idade adulta, ou seja da emancipação e tem pois o direito de escolher a forma de governo que lhe agradar. Sabemos igualmente que estar emancipado quer dizer posto fora da tutela, fora do poder paternal ou de qualquer outra pessoa, enfim, estar liberto.
Ora o Sr. Salazar, ao apresentar hoje os nossos territórios como «emancipados» não pode contudo negar que os indígenas, incluindo os assimilados desses territórios, não gozam de nenhum dos direitos mais elementares consignados na Declaração dos Direitos do Homem, que Portugal subscreveu como membro das Nações Unidas. […]
E por fim, quanto às suas críticas às Nações Unidas que, segundo ele, «se afastaram do espírito dos seus fundadores», os profanos poderiam perguntar-se se no momento em que Portugal teve de aceitar a assinatura da Carta e dos Estatutos das Nações Unidas, já existia ou não o artigo 73. Em caso afirmativo, por que se sente tão perturbado de cada vez que os outros membros «tocam» nesse artigo?
Aqui a resposta pode ser adivinhada: é que Portugal aplica nas suas colónias aquilo que está diametralmente oposto ao que é recomendado neste artigo, que é erroneamente tratado de criminoso por todos os lusitanos.
É assim que nas colónias portuguesas a preocupação de Portugal não é a primazia dos interesses dos habitantes, como o recomenda a Carta. Pelo contrário [...]
Temos contudo a convicção de que Portugal não ignora que o tempo dos impérios já passou e que ele não é aliás o único a estar suficientemente armado para fazer face a qualquer eventualidade. Por isso, para não ser causa de uma guerra mundial, ele tem todo o interesse em conquistar a nossa amizade, reconhecendo o direito dos povos sob sua dominação a disporem deles próprios e emancipando-os verdadeiramente. Tendo-nos declarado já emancipados e portanto com o direito de gozar de todos os nossos direitos e liberdades, ele ganhará mais prestígio se coroar com uma verdadeira independência a obra de civilização e de cristianismo que empreendeu nas nossas terras há cinco séculos.
Não queremos mais que Angola – como as outras colónias aliás – continue a ser a lixeira dos excedentes de Portugal. Exigimos pois a nossa independência imediata e incondicional.
Para provar a sua boa fé, pedimos a Portugal que organize um referendo sob a supervisão da ONU. [...]

Carta da Frente Comum dos Partidos Políticos de Angola ao Presidente da Assembleia-geral da ONU

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