Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
[Sem data – provavelmente finais de Abril de 1961]
RELATÓRIO DO COMANDO MILITAR DO MPLA
No dia 3 de Abril de 1961, parto de Matadi com destino a Ambrizete acompanhado por 24 homens decididos. No Soio, ainda em território Congolês, próximo da fronteira com Angola, divido os 24 homens em dois grupos iguais. Um depois de receber ordens e instruções seguiu para o Lufico, ficando combinado encontrar-se com o segundo grupo no Bodo. Quanto ao segundo grupo, directamente por mim chefiado, dirigiu-
-se em marcha forçada para o Bodo, com passagem por Ngombe, Vumputo, Singila, Maninga, Quissonge, Lue Grande e Facunde. Neste último povoado encontrámo-nos com centenas de refugiados que nos aconselharam a não irmos para o Bodo, visto os sobas abrirem fogo cerrado contra todo e qualquer grupo de “terroristas” e guerrilheiros. Reunimo-nos todos em conselho e resolvemos mudar de rumo. Desta forma tomámos o caminho de para [sic] o Tomboco mandando um homem ao encontro do outro grupo para avisá-los da nova posição.
No Tomboco fiz eu próprio um reconhecimento do terreno e das forças ali acantonadas. Na madrugada do dia 7 atacámos o inimigo de surpresa simplesmente com coktails que com a pólvora negra e catanas constituíam o nosso material de guerra. Nesta povoação só encontrámos um branco sua mulher e seis filhos a quem poupámos a vida.
Na Missão Católica só um padre africano ali se encontrava visto os outros já se terem dispersado com a restante população havia dias. Quanto aos 15 militares que formavam a força de Tomboco, fugiram deixando armas e munições de que nos apropriámos.
Depois de deitarmos fogo à Serração fomos obrigados a embrenharmo-nos na mata pelo povo que a mando dos sobas descarregou sobre nós várias cargas de chumbo. Depois de nos reunirmos pusemo-nos em marcha, verificando mais tarde que estávamos caminhando em sentido oposto ao núcleo de resistência mais próximo. Prosseguindo o caminho, fomos parar à estrada de Bessa Monteiro onde encontrámos um grupo de 140 homens que ia a caminho do Úcua e que se nos juntou. Perto do Úcua aliaram-se a nós mais seiscentos homens (600) que combatiam em grupos isolados e completamente independentes uns dos outros. Nesta povoação juntaram-se a nós mais quarenta (40) homens decididos como os demais a morrer pela causa angolana.
Depois de um estudo da região e na noite de 11 para 12, atacámos sem que da nossa parte tivéssemos qualquer baixa, aniquilando na totalidade a população portuguesa que ali se encontrava. Também deitámos fogo a duas roças de café.
No dia 16 chegaram a esta povoação 80 militares portugueses que nos atacaram fazendo-nos 6 baixas (mortos) e 15 feridos, tendo contudo todos eles ficado no campo da batalha.
No dia 18 atacámos uma coluna militar composta de perto de 150 portugueses. Desbaratámos de novo o inimigo que nos causou mais 4 baixas e 90 feridos. Apropriámo-nos de todo o material e equipamento de guerra do inimigo.
Após mais três dias nesta região deixei ficar aqui 180 homens devidamente armados; mandei duzentos homens para o Tomboco e os restantes partiram comigo para a base de resistência (Mananga). Pelo caminho rebentámos com a ponte do Lucunga. Nesta região deparei com o quadro desolador (matas incendiadas pelas bombas napalm lançadas pela força aérea portuguesa, e povoados completamente abandonados).
De Mananga enviei 80 homens para o Quinzau a fim de actuarem nesta região. Depois disto resolvi ir a Matadi com um grupo de 40 homens para reabastecer (alimentação) a nossa base de resistência. Pelo caminho adoeceram 4 indivíduos.
Ao atravessarmos o rio Lue (pequeno) fui picado por uma cobra. A minha temperatura começou a oscilar entre os 37 e os 41 graus. Em Matadi faço démarches no sentido de arranjar víveres. Depois de consegui-los partiram para Mananga 31 homens que os levaram. Fui obrigado a ficar em Matadi e depois vir para Léo por não poder sequer pôr-me de pé. A população da linha Maquela do Zombo-Uíge tem dado todo o seu apoio aos nacionalistas, apoio este que consiste na criação de inúmeros obstáculos (corte de estradas, derrubamento de árvores) e todo o seu apoio material. O combate começou totalmente desorganizado, mas hoje com o contacto permanente com o inimigo, muito embora ainda continue a luta em grupos isolados, verifica-se uma melhoria de tácticas.
A UPA mandou para S. Salvador um grupo de 15 homens, devidamente armados sem qualquer dirigente habilitado.
Uma coluna militar portuguesa que ia em socorro da população da Damba levou 18 dias para fazer um percurso de 45 km aproximadamente, dado os inúmeros obstáculos da estrada. Note-se que foram de carro.
O grande número de refugiados no Congo é justificado pelo metralhamento constante das povoações pelas forças portuguesas.
No exército português estão enquadrados oficiais portugueses que estiveram na Algéria [sic] ao serviço da França.
Os nacionalistas dado aos factores de terreno, as chuvas e o clima quando armados têm tido vitórias ao inimigo.
O exército português tem uma fragata em Ambriz e outra no Ambrizete.
Quanto à aviação, já não está sendo utilizada, em virtude das baixas consideráveis que tiveram dos paraquedistas. Foram abatidos 2 aviões em Nambuangongo e um no norte.
As tropas portuguesas só andam pela estrada, o que dá a impressão de que evitam combater na mata, pelo que se torna necessário lançar-lhes a isca.
Tive conhecimento em Matadi aquando da minha ida acompanhado pelo jornalista Sven Ost de que por efeitos de falta de alimentação e dada a minha demorada estadia m Léo, os homens que comigo combateram se tinham separado em vários grupos um dos quais se encontra em Matadi.
Ass. Tomás Francisco Ferreira
Cópia do Relatório do Comando Militar do MPLA, por Tomás Francisco Ferreira (Abril 1961)