Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
[Sem data – provavelmente meados de 1961]
Meu caro Lara:
Obrigado pela sua carta. Gostei de saber de vocês e da boa disposição que o anima. Também lhe agradeço os “papéis”, que recebo sempre em tão pouca quantidade, 1 ou 2 exemplares, que não dão para distribuir. É pena, porque há aqui gente mtº interessada no problema colonial – e só conhecia a existência da UPA. Americanos e espanhóis naturalizados americanos, professores na Universidade, antigos emigrados, gente da guerra de Espanha.
Admirável a intervenção do Mário na Conferência dos Povos Africanos, e óptima a sua nomeação.
O Luiz [de Almeida] mandou-me o Boletim dos Estudantes e uma plaquete com poemas do Neto e a gravura de um belo desenho. A expressão está admirável. Dos versos não se fala, porque ele é Poeta.
Recebi ontem uma carta, muito estranha e muito significativa de um velho amigo de Angola, casado com uma mestiça, de quem tem filhos, alguns nossos amigos. Deixa-
-me bastante triste e preocupado. Como é possível tanta cegueira! A carta termina assim: “Ou são dominados, ou MORREM TODOS”. Aos negros, refere-se.
Junto mais um recorte. Chamo a sua atenção para o artigo. Esse Robert é o Gilmore? Penso que sim.
O meu filho Waldemar lembra-se muito bem de si e várias vezes perguntava-me por [?] V[ocê]. e Mário; mas do Mário era mais por ouvir falar dele, porque não o podia recordar. Do irmão, que viu uma vez em Lisboa, sim, porque ficou muito admirado de “o pai ser amigo de um padre”. Mandei-lhe os seus parabéns. Obgº [Obrigado].
O que se está a passar em Angola, levou-me a rectificar muitos dos meus pontos de vista em relação aos brancos de lá; todavia, gostaria de saber o que pensam os do Sul e como se comportam. Vamos ter ali algo de semelhante à Argélia, no que diz respeito a relações. Salazar não só liquidou Portugal, não resolvendo os seus problemas económicos fundamentais, como liquida Angola, que estou certo não dominará, por muitos anos. Todavia, estou em crer que a sua queda não está longe, embora sejam os “moderados” e o exército que tomem conta do país. Isso será o termo do colonialismo, mas não creio que do fascismo, embora pincelado de liberalismo católico... para estrangeiro ver. Esses moderados serão os homens da mesa redonda, que não concordam, com as naturais restrições iniciais à independência imediata, para acabarem por concordar com tudo. Mas até lá, muita gente morrerá na boa terra de Angola, nesta guerra absurda por inútil e profundamente injusta.
Li o artigo do Miguel Rodrigues sobre vocês e recebi, como recorte, notícias do Brasil. Se outra fosse a pena podia produzir efeito, mas esse tipo está desacreditado entre brasileiros e portugueses. O assunto teria de ser mexido de outra maneira e levar o jornal a tomar posição. Assim, ficou só uma colaboração.
Recomendações da Mercedes para si e Ruth, e m/ também, com beijos ao Paulo.
Um grande abraço do seu
[assinatura de Castro Soromenho]
P.S. Por correio ordinário, mandei-lhe hoje 1 exemplar de A Maravilhosa Viagem. É só para saber e reclamar se não lhe chegar às mãos.
[rubrica de C. Soromenho]
Carta de Castro Soromenho a Lúcio Lara (Wisconsin, Maio? 1961)