Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA
MPLA
51, Avenue Tombeur de Tabora
LÉOPOLDVILLE
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DO SR. MÁRIO DE ANDRADE,
Presidente do MPLA
Desde o desencadear da luta armada em Angola, é a primeira vez que, a partir de Léopoldville, me dirijo à opinião pública internacional. Estou pois muito feliz, senhores representantes da imprensa, por saudar a vossa presença aqui.
Como sabem, o Comité Director do MPLA acaba de se instalar oficialmente nesta cidade, graças à solidariedade actuante manifestada para connosco pelas autoridades do governo central congolês. Fazemos questão em renovar-lhes a expressão dos nossos sinceros agradecimentos pela ajuda concreta que nos é assim concedida e formular o voto ardente de que a República do Congo possa desempenhar plenamente o seu papel no concerto das nações soberanas de África.
O aspecto essencial da nossa política interna continua a ser a procura constante da unidade de acção entre as diversas organizações nacionalistas da Angola combatente. É hoje um facto assente que o MPLA nunca poupou esforços para a criação de uma Frente comum das formações políticas.
Em cada etapa importante do desenvolvimento da nossa luta de libertação nacional lançámos apelos com vista à realização da unidade dos nossos movimentos.
Animados sempre pelas mesmas preocupações, fomos um dos promotores da Conferência de Casablanca que reuniu em Abril último as organizações nacionalistas das colónias portuguesas de Angola, Cabo Verde, Goa, Guiné, Moçambique, S. Tomé e Príncipe.
No campo da política exterior, guiámo-nos pelos princípios do neutralismo positivo e empenhamo-nos activamente para suscitar a simpatia e a solidariedade de todas as forças mundiais para com o nosso povo em luta pela sua independência.
É evidente que no primeiro plano dos nossos aliados naturais figuram todos os países africanos, porque o sucesso ou o fracasso dos nossos esforços se confundem com o sucesso ou o fracasso de toda a África.
Isso leva-nos a abordar o problema da luta armada.
O povo angolano é o motor principal da insurreição.
Mas, em certos meios da imprensa internacional, alimenta-se a curiosa ideia de que a condução e a responsabilidade pelas operações militares em Angola dependem de um único movimento político.
Vejamos!
Antes do mais, a 4 de Fevereiro de 1961, os ataques às prisões militares e civis de Luanda foram dirigidos por militantes do MPLA que tinham por missão precisa libertar dirigentes nacionalistas presos desde o mês de Março de 1959. Em seguida, alguns dos nossos quadros, tendo escapado aos massacres desses trágicos dias de Fevereiro, organizaram os trabalhadores empregados nas plantações de algodão da Baixa do Cassange, no distrito de Malange.
Esta foi a faísca que incendiou a mata.
E por fim, as populações do norte do país, encorajadas por esses exemplos, também se engajaram na luta armada, com o apoio concreto das formações políticas angolanas.
Eis um breve resumo da nossa acção nesse campo.
As regiões mais importantes das nossas guerrilhas situam-se nos distritos de:
CUANZA-NORTE – Uíge, Quitexe, Lucala, Quibaxe, Nova Caipemba.
LUANDA – Luanda, Nambuangongo, Caxito, Catete, Funda, Úcua, Pango-Aluquém, Cambamba.
CONGO – Ambrizete, 31 de Janeiro, Tomboco.
MALANGE – Baixa de Cassange.
As tácticas utilizadas tiveram uma fase ofensiva e uma fase defensiva.
No início das operações militares, as nossas milícias utilizaram uma táctica que visava paralisar a economia colonial, liquidar o aparelho administrativo e de resistência militar do inimigo. O objectivo foi atingido em quase todas as regiões onde as nossas milícias operaram; em certas localidades houve uma ocupação total e efectiva do território. Citemos, entre outras:
NAMBUANGONGO – Ocupação total por um período de cinco meses (Março a Julho)
UÍGE – Paralisação da economia dos colonos que foram forçados a abandonar os locais e a refugiar-se em Luanda. É de notar que o Uíge foi a única cidade de Angola atacada pelas nossas milícias desde o início das operações militares.
QUITEXE, ÚCUA, TOMBOCO – Ocupação total durante cinco meses.
A resposta do inimigo organizou-se com o envio de vários contingentes militares, cerca de 40.000 homens equipados com um armamento clássico, dos mais modernos.
Diante do aparelho de destruição das forças portuguesas, as nossas milícias tomaram a decisão de evacuar as regiões ocupadas e de levar as populações civis para as matas, protegidas por elementos das nossas milícias.
Estabeleceram-se bases de resistência em locais pouco acessíveis ao inimigo.
As forças de repressão portuguesas, menosprezando as mais elementares leis da guerra, utilizam todos os meios, na sua tentativa de exterminar as populações da Angola combatente: cães polícias, bombardeamentos com napalm, envenenamento das águas dos rios e do gado, torturas físicas.
Apesar de tudo isso, as nossas colunas continuam a realizar raids de curta duração às posições inimigas, enquanto esperam por melhores condições para ataques de grande envergadura.
A estrutura da nossa organização militar é a seguinte:
COMITÉ REVOLUCIONÁRIO – Responsável pela condução de toda a luta armada, sob todos os seus aspectos.
ESTADO-MAIOR.
COMANDANTE EM CHEFE.
O teatro da luta está dividido em zonas militares e em cada uma delas operam colunas constituídas por aproximadamente 100 homens. As colunas enquadram pelotões de 33 homens e estes, unidades militares móveis compostas por 10 a 11 homens.
– MILÍCIAS EM COMBATE –
Nos distritos de CUANZA NORTE – 5 colunas
LUANDA – 3 colunas
CONGO – 2 colunas
MALANGE – 4 colunas
O COMITÉ REVOLUCIONÁRIO está em vias de se instalar em Angola.
O povo colabora com as milícias do MPLA. A acção do povo traduz-se por sabotagens (pontes, estradas, etc.), liquidação dos agentes do inimigo, transporte de víveres e munições para as unidades em combate, actividades de reconhecimento das posições do inimigo, destruição das plantações dos colonos, assistência sanitária.
Entre os comandantes das milícias do MPLA assinalemos a actividade de Ferraz Bomboco e de Benedito que dirigiram as colunas aquando da ocupação de Nambuangongo e dos Dembos, os feitos de Maneca Paca e de José Andrade, mortos na batalha do Dange. Queremos render homenagem a todos os comandantes, filiados ou não em partidos políticos, que depois de terem oposto, em condições por vezes dramáticas, a mais viva resistência aos ataques das forças portuguesas, tombaram na frente.
No campo da assistência aos refugiados, num total de 160.000 vítimas da repressão portuguesa, o MPLA criou uma organização filantrópica – o CVAAR – que já engloba 8 médicos, 30 enfermeiros e professores primários.
O campo de acção do CVAAR é muito vasto: instituição de medidas de profilaxia e higiene, distribuição gratuita de medicamentos, víveres e roupa, combate ao analfabetismo.
Assim vai a luta do povo angolano.
Uma luta heróica, é certo, mas que ainda comporta insuficiências. Tínhamos previsto, nos nossos apelos de Maio e Novembro de 1960, que o sucesso do combate pela nossa libertação nacional deveria assentar necessariamente na unidade de acção das nossas organizações políticas.
O povo angolano é a primeira vítima desta falta de coordenação dos nossos esforços e o governo fascista de Salazar é o primeiro a regozijar-se com isso.
Proclamamos hoje que a independência de Angola, se for obtida nas condições da continuação de uma luta armada e coordenada na base de uma ampla frente nacional, terá as melhores probabilidades de libertação de qualquer dominação estrangeira, de reforço da união nacional, da integridade territorial e da reconstrução democrática e pacífica do nosso país.
Repetidas vezes reclamámos uma acção concertada por parte dos países africanos independentes a favor de uma ajuda concreta em todos os domínios, para assegurar o triunfo das aspirações do nosso povo à independência.
É tempo de reconhecer que nos cabe a nós, dirigentes dos movimentos nacionalistas, a tarefa primordial de concertarmos primeiro a nossa acção, para facilitar a contribuição dos nossos irmãos mais velhos.
Eis a razão pela qual o Comité Director do MPLA deseja afirmar que fará todas as concessões necessárias com vista à constituição imediata da Frente de Libertação Angolana.
Seja como for, esta batalha desencadeada pelas nossas populações irá desembocar inevitavelmente na Independência.
De nada servem as últimas manobras com carácter reformista do governo português, que tendem a apagar teoricamente, nos textos, a discriminação ainda existente entre os cidadãos de Portugal e os das colónias. Estas manobras, decididas em reacção aos acontecimentos de Angola, visam reforçar a campanha contra o nosso legítimo combate de libertação nacional, assim como a “tranquilizar” a clientela eleitoral e a “satisfazer” a ONU.
A ideia do soldado-colono a quem o governo português promete as nossas melhores terras, faz parte da loucura fascista. Tudo isto é vão.
Está fora de questão envolvermo-nos em negociações com o governo português enquanto durar o regime fascista de Salazar, inimigo da expressão das liberdades fundamentais e do direito dos povos a disporem de si próprios.
A nossa luta já arrasta o governo de Salazar para o seu lugar natural – o túmulo.
Angola encontra-se numa viragem da sua história.
Da nossa unidade de acção política e militar dependerão agora as condições em que o povo angolano acederá à sua independência.
E eis que os esforços dos partidários da unidade começam a ser coroados de sucesso. A juventude angolana, independentemente da sua filiação política, acaba de aprovar o princípio da criação de um amplo Agrupamento.
Chegou pois a hora de os dirigentes de todos os movimentos nacionalistas angolanos se reunirem para elaborarem uma plataforma política que acelere o processo de reconquista do nosso património nacional e da nossa dignidade de homens livres.
LÉOPOLDVILLE, 30 de Outubro de 1961 [carimbo do CD do MPLA]
Declaração à imprensa de Mário de Andrade (Léopoldville). Tem anotações manuscritas de Mário de Andrade.