Resumo dos debates da 4ª Comissão das Nações Unidas

Cota
0027.000.001
Tipologia
Relatório
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Autor
Gentil Viana (?)
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

 RESUMO DOS DEBATES NA QUARTA COMISSÃO, A PROPÓSITO DA “NÃO OBSERVAÇÃO PELO GOVERNO PORTUGUÊS DO CAP. XI DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E DA RESOLUÇÃO 1542 (XV) DA ASSEMBLEIA GERAL.” Dia 1/Nov/1961 – QUARTA COMISSÃO O primeiro ponto a discutir-se foi o da possibilidade de exposição, por parte da Guiné, de fotografias sobre a repressão em Angola. As intervenções foram no sentido de que a falta de informações por parte de Portugal a respeito dos territórios sob sua dominação justificavam o recurso a outras fontes de informação, tais como fotografias tiradas nos territórios em referência. Portugal argumentou com o facto de o assunto específico de Angola fazer parte da agenda de trabalhos para a Assembleia-Geral reunida em pleno. Por outro lado ­argumentava com o facto das fotografias já terem sido mostradas aos membros do Conselho [de] Segurança os quais parece não lhes terem atribuído importância extrema. Portugal propôs-se também fazer exposição de fotografias documentadoras da acção terrorista em Angola. Aos votos, ficou estabelecido que a exposição de fotografias era de admitir: 70 pró; nenhum contra e 4 abstenções entre os quais Portugal. Seguiu-se uma fase de justificação de votos em que a corrente preponderante se traduziu em entender a apresentação de fotografias por parte de Portugal, como um “passo dado no caminho da colaboração com as Nações Unidas”. Todavia, o delegado do Sudão (EL SANOUSI) afirmou que “... a apresentação das fotografias significa que Portugal, sob pressão da opinião pública mundial, é obrigado a prestar informações sobre os territórios não autónomos que administra, o que desfaz o mito segundo o qual esses territórios são províncias ultramarinas de Portugal.”1 O delegado do Dahomey (Pessou) aproveitou o momento de justificação de votos para anunciar que o seu país pusera termo ao colonialismo português representado pelo forte de S. João Baptista d’Ajudá, pelo que pedia que o mesmo forte fosse apagado da lista das possessões coloniais portuguesas apresentada à Comissão. Passada a fase da justificação de votos, iniciou-se a fase de apreciação da recusa de informações por parte de Portugal. A argumentação portuguesa consistiu sistematicamente num repisar da velha tese jurídica segundo a qual os territórios em questão são parte integrante da Nação ­portuguesa como estabelece a constituição política portuguesa de 1933, pelo que as resoluções da ONU têm sido contra os preceitos da Carta (art 2º nº 7) e assim insusceptíveis de cumprimento por parte do Governo português. Por outro lado, os acontecimentos ocorridos em Angola eram além de assuntos internos, ­acontecimentos ­ocasionais, montados de fora e que, no momento actual a ordem estava sendo normalmente estabelecida. Portugal acusou os Estados membros de impedirem através da ONU, a formação das comunidades multirraciais resultado do sentido tradicional da colonização portuguesa. Portugal afirmou também ser dos países membros que mais colaboração oferecia à ONU, quer através de informações prestadas sob os mais diversos títulos, quer através da participação em comités e órgãos especializados das Nações Unidas. Portugal afirmou também que as informações como as fotografias, que desejava expor não representavam cumprimento do artigo 73 e). Sobre o problema específico dos refugiados no Congo, Portugal afirmou que tinham sido criados já centros de recepção de refugiados nas zonas fronteiriças de Angola e que os refugiados só tinham saído daquele território como meio de fuga contra a acção terrorista em Angola. Vide sobretudo compte rendu datado de: 3/Nov/1961 pag. 10-16 sobre a sessão de 1/Nov/1961. Dum modo geral, a argumentação contra Portugal deduzia-se segundo o seguinte esquema: a) Ataque à ideia de que as colónias são províncias ultramarinas – o ataque dirigia-se primeiro ao facto de que a constituição política portuguesa era um acto ­jurídico ­unilateral e imposto pela força aos povos africanos sob dominação portuguesa. Segundo, o ataque dirigia-se a demonstrar como o tratamento jurídico (leis ordinárias e decretos) e prático dos indivíduos pertencentes às ditas províncias era completamente diverso do tratamento reservado aos cidadãos portugueses. Terceiro que a posição das ditas províncias ultramarinas, face às províncias portuguesas e ao conjunto português era de verdadeira discriminação e exploração política, económica e jurídica, como se provava pelos documentos e estatísticas portuguesas e pela opinião pública e imprensa dos Estados aliados de Portugal (foram referidos documentos, estatísticas, escritos de missionários americanos, associações religiosas francesas e america[na]s, organizações americanas e ainda jornais franceses, ingleses e norte americanos). b) Ataque à argumentação jurídica portuguesa sobre a incompetência das Nações Unidas para apreciar as relações entre Portugal e as colónias – o ataque dirigia-se a mostrar como as colónias portuguesas estão compreendidas no conceito jurídico de ­“territórios não autónomos” uma vez que os resultados a que chegara o Comité ­encar­regado de interpretar correctamente o art. 73 e 74 tinham obtido a sanção da Assembleia-Geral, órgão máximo de interpretação e integração dos preceitos ­consignados na Carta. Segundo, que a resolução interpretativa da Assembleia valia nos mesmos termos em que valiam todas as resoluções, isto é, validade e obrigatoriedade por maioria e não por unanimidade de votos como pretende Portugal. c) Ataque à argumentação portuguesa segundo a qual o problema das colónias portuguesas é uma questão interna que não pode interessar à generalidade das nações – o ataque dirigia-se a mostrar (com base na evolução dos acontecimentos em Angola) como o colonialismo português em África era um problema de vida de mais de 12 milhões de seres humanos. Segundo, que a acção colonial portuguesa causara uma verdadeira guerra em Angola o que constituía um perigo para a paz. A delegada de Cuba afirmou mesmo que “... apoiará qualquer projecto de resolução... evitando a anarquia das decisões unilaterais, fontes de fricções... que ameaçam a paz e a segurança internacionais”2 pg. 3, compte rendu 8/Nov/961. d) Ataque à posição portuguesa segundo a qual os acontecimentos em Angola estão em via de normalização completa – o ataque dirigia-se a mostrar como Portugal erra ao pensar que o desejo de liberdade se extinguiu através da política de terror e intimidação. Segundo, que as pretendidas reformas legislativas não alteram a situação de exploração e que a ninguém consta que na prática, Portugal já tenha começado a agir em termos compatíveis com a marcha deste século. Terceiro, que a ONU não pode deixar-se iludir pelas pretendidas reformas portuguesas. e) Ataque geral à conspiração colonialista e imperialista traduzida no apoio ­diplomático, político e material que os países da NATO dispensam a Portugal – o ataque dirigia-se a mostrar como a repressão em Angola não podia ser suportada somente por Portugal (foram referidas as medidas tomadas pelos Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha Ocidental no que respeita a envio de armas e a tácticas que permitiram a Portugal desviar tropas para Angola). Segundo, que a exploração colonial portuguesa interessava directamente os países ocidentais (referiram-se os documentos provando que o produto da exploração revertia para os grandes monopólios ocidentais). Terceiro, que o interesse do Ocidente capitalista estava mais no apoio aos países de África do que no apoio a um pequeno país como Portugal. Quarto, que era necessária uma acção concreta dos Estados da NATO no sentido de isolarem Portugal. Chegou-se mesmo a exigir uma declaração anticolonialista pelos Estados referidos. Depois de focados todos estes pontos, as intervenções dirigiam-se à responsabiliza­ção da ONU pela aplicação da resolução sobre a descolonização imediata e pela adopção de medidas condenatórias da repressão colonial portuguesa. Dum modo geral todos os Estados, à excepção da França, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, África do Sul, Venezuela, dispuseram-se a apoiar medidas imediatas contra Portugal, fundamentando-se em que a situação dos territórios subjugados por Portugal era excepcional e urgente. Os países do ocidente defenderam, no geral, a tese de que era preciso não tomar medidas de maneira a radicalizar a posição portuguesa. Fizeram todos reserva quanto ao apelo contra o envio de material de guerra a Portugal. À excepção dos países ocidentais, as delegações, dum modo geral admitiram a ­aplicação de sanções económicas e diplomáticas contra Portugal. A hipótese de expulsão de Portugal, posta pelo Mali, não encontrou eco por ter sido esclarecido pela Libéria que isso deixaria as mãos livres ao aumento da repressão colonialista. De todas as intervenções a da R.S.S. [República Socialista Soviética] da UCRÂNIA foi a mais concreta quanto a medidas a adoptar: – Fim à guerra colonial em Angola – Fim à repressão – Evacuação das tropas portuguesas – Respeito dos direitos e liberdades democráticas – Organização de eleições legislativas nas colónias portuguesas. Na última fase dos debates, as delegações acusaram, a meu ver, uma certa considera­ção pela argumentação dos países ocidentais (talvez a razão não seja essa, isto é, talvez fosse uma simples táctica para obter forte maioria de votos...) pelo que elabora­ram um projecto de resolução tendente a criar um comité dos sete países para estudar a situação colonial nos territórios sob administração portuguesa, a fim de preparar a aplicação da resolução de 14 de Dez/960. Esse comité teria prerrogativas para ouvir ­peticionários. Fez-se também, no projecto, um apelo aos países membros para contribuírem na solução do problema colonial português. A argumentação portuguesa deduzida por Fr[anco] Nogueira, Miranda e Fragoso, que nas suas linhas gerais é a que apontei no resumo, consta do compte rendu com data de: 4/Nov pg. 12 e 13; 10/Nov pg. 5 a 13; 13/Nov pg. 5 a 6; 15/Nov pg. 21 a 23.

Resumo dos debates da quarta comissão das NU, a propósito da não observação pelo Governo português do Cap. XI da Carta das Nações Unidas e da Resolução 1542 (XV) da Assembleia-geral

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