Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
Conakry, 7 de Maio de 1962 Caro Amigo Escrevo-lhe a pedido do camarada Viriato Cruz, em nome do nosso Comité Director, acerca de um problema consigo tratado ultimamente e que diz respeito ao nosso companheiro Agostinho Neto que de Cabo Verde seguiu sob prisão para Lisboa e que finalmente foi libertado. As informações que recebemos de Lisboa falam de uma possibilidade de auxílio do Partido Comunista Português no sentido de abandonar Portugal. Pedimos que faça [chegar] ao nosso companheiro o desejo imenso que temos de o ver entre nós o mais brevemente possível assim como a sua família. Para tal avançamos duas hipóteses de cuja possibilidade só localmente se poderá avaliar: 1 – FUGA COM O AUXÍLIO DO PCP Ignoramos quais as possibilidades que o PCP tem para proporcionar a um africano (mais facilmente localizável em meios europeus) uma fuga com um mínimo de segurança. Fazemos inteira confiança no PC que melhor que ninguém poderá pesar os prós e os contras de uma tal aventura que nem por isso deixa de ser um dos poucos meios que resta para podermos ter entre nós o nosso camarada Agostinho Neto, facto que por si só viria a contribuir para um avanço importante de muitos dos problemas que enxovalham a luta heróica do nosso povo. Talvez desnecessariamente não queremos deixar de lembrar que se necessário poderemos arranjar documentos falsos. 2 – ASILO POLÍTICO EM EMBAIXADA Esta solução, como a anterior, está também no espírito dos nossos companheiros que estão em contacto directo com o Dr. Agostinho Neto; em última análise tal sugestão não nos parece totalmente de pôr de parte. Entrámos em contacto com o Governo da RAU que está a estudar a viabilidade da operação. Contactaremos também o Governo marroquino. A única desvantagem de uma tal operação está na teimosia salazarista em não conceder salvo-conduto aos refugiados políticos. Há porém certas vantagens a nosso ver: a) A Segurança (nada permite excluir que o nosso companheiro não volte a ser preso dentro de pouco tempo, e por uma grande temporada). b) Durante o período indeterminado de asilo na embaixada poderíamos lançar uma larga campanha internacional com todas as possibilidades de êxito no sentido de se fazerem pressões sobre Portugal (governo português) para permitir a sua saída para o estrangeiro. c) Ao mesmo tempo poderíamos estar em comunicação com ele por via diplomática e tratar permanentemente de todos os problemas urgentes da nossa luta para os quais a sua opinião é muito importante. Pedimos-lhe, Caro Amigo, que através do Comité Central do PCP: faça chegar com a urgência que o caso requer estas nossas opiniões ao conhecimento do Dr. Agostinho Neto, e que lhe facilitem a mesma via para a sua resposta. Mais lhe agradecemos que na medida do possível nos ponha ao corrente do que houver. As notícias sobre esta questão deverão ser endereçadas a Andrade, a Viriato Cruz ou a Lúcio Lara. Temos acompanhado o desenvolvimento da situação em Portugal que nos deixa bastante optimistas quanto ao futuro da vida política portuguesa e consequentemente quanto ao futuro do Povo Português. Sabeis bem quanto estamos ao lado dos mais lídimos representantes do Povo Português, os dirigentes e os militantes do PCP. Fazemos votos para que a luta pela Democracia em Portugal saia vitoriosa desta arrancada. Os nossos melhores votos e saudações. Camarada amigo Lúcio LARA [com assinatura] (Membro do Comité Director)
Carta Lúcio Lara a Álvaro Cunhal sobre a fuga de Agostinho Neto