Relatório de actividades militares do MPLA

Cota
0034.000.030
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
11
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

 RELATÓRIO DE ACTIVIDADES MILITARES DO MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA1 1) A acção directa do Povo de Angola 2) As primeiras Prisões 3) Organização de Maquis 4) A Repressão Portuguesa a) O Exército b) A Administração c) O Civil Europeu A LUTA ARMADA Ninguém inteligente e com espírito objectivo deixará de concordar em que o combate actual do povo angolano contra o colonialismo português é determinado pelo facto deste regime se ter oposto sempre à liberdade, à dignidade, ao bem-estar e ao trabalho pacífico e justamente remunerado a que aspira todo o ser humano e que o homem angolano reivindica em vão, desde há muito tempo: Por conseguinte, apesar da luta do povo angolano comportar um aspecto destrutivo (a necessidade de destruir as estruturas coloniais de Angola) não há dúvidas de que a razão inicial e o objectivo dessa luta exigem desta, principalmente, um enorme trabalho construtivo que satisfaça plena e honestamente as legítimas aspirações do povo. É já de conhecimento público que em 4 de Fevereiro de 1961, militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola, enquadrando um determinado número de nacionalistas, dirigiram os ataques às prisões civis de Luanda, com o objectivo de libertar os dirigentes nacionalistas detidos pela polícia de Salazar. A maior parte dos quadros que puderam escapar aos massacres das forças ­repressivas portuguesas, conseguiram infiltrar-se em outras regiões de Angola (Distritos de Luanda, Cuanza-Norte, Malange) e, aí organizar os trabalhadores das plantações de café e de algodão para actividades de carácter revolucionário. Em 15 de Março de 1961, os nacionalistas do Norte de Angola, nomeadamente do Distrito do Congo, sentindo realizadas as condições óptimas para o começo da luta armada resolveram passar à acção directa. Os militantes do MPLA que se ­encontravam nos Distritos de Luanda, Cuanza-Norte e Malange no trabalho quotidiano de propaganda e agitação, imediatamente lançaram palavras de ordem onde incitavam as massas populares a apoiar, recorrendo às armas, a atitude dos angolanos do Distrito do Congo. Em poucos dias a insurreição angolana alastrou-se pelos Distritos do Congo, Luanda, Cuanza-Norte e Malange. Bastaram dois meses de combate para que a ­resistência ­portuguesa fosse totalmente aniquilada e as populações libertadas da ­soberania portuguesa. Estes acontecimentos percutiram como uma bomba nos meios políticos, ­financeiros e militares de Portugal. O Ministro da Defesa Portuguesa tenta um golpe de Estado que culmina com a sua demissão. Salazar remodela o elenco ministerial com o afastamento dos homens brandos do regime, e que lhe permite endurecer a política colonial interna. Os ­financeiros ­portu­gueses transferem grande parte dos seus capitais para a Europa. Os responsáveis do Exército anunciam uma ofensiva militar para fim das estações das chuvas, ­ameaçando de exterminação a toda a população angolana revoltada. Os ­governadores Gerais de Moçambique e de Angola são substituídos. Entretanto, aproximava-se o fim da estação das chuvas. A ofensiva militar ­portuguesa parecia eminente com o envio, num ritmo crescente, de contingentes [falta texto] para contingentes militares portugueses ultrapassavam já trinta mil homens! Os esforços da oposição portuguesa para impedir o envio de tropas para Angola eram facilmente anulados pela intervenção da polícia de Salazar. Tornava-se cada vez mais sombria a sorte das populações africanas nas zonas de combate. O exército português tinha dado sobejas provas de selvajaria e de menosprezo pelas convenções ­internacionais ao liquidar mais de cinquenta mil civis, incendiar e destruir para cima de sessenta ­povoações e regar a bombas de napalm regiões inteiras, aniquilando sem piedade populações indefesas, mulheres e crianças em menos de quatro meses de luta. A gravidade da situação impunha que se tomassem medidas urgentes. Assim o Departamento de Defesa do Movimento Popular de Libertação de Angola estabelece realizar imediatamente: Estruturação dos problemas dos comandos. Estruturação das forças de combate. Solução do problema dos comandos. Divisão do teatro da luta em zonas operacionais solidárias. Preparação interna dos quadros militares. Solução dos problemas relacionados com o restabelecimento. Politização do povo e sua utilização em larga escala como elementos auxiliares dos quadros militares. Cooperação entre as forças de combate. Unidade de todas as forças combatentes através da formação da Frente de todas as forças e dos Movimentos Políticos Nacionalistas Angolanos. O plano de trabalho preconizado pelo Departamento de Defesa foi em grande parte solucionado: dividiu-se o teatro da luta em zonas militares. Passaram a actuar em cada zona várias colunas constituídas por cerca de cem homens englobando pelotões de 10 a 11 homens. Organizaram-se cinco colunas no Distrito de Luanda, e respectivamente duas e quatro nos Distritos de Congo e de Malange. A cooperação entre as colunas nas regiões dirigidas pelo nosso Movimento foi também de forma geral solucionada. Várias vezes o comandante Ferraz Bomboco correu em auxílio de Benedito e vice-versa. Maneco Paca sustera com a sua coluna as patrulhas portuguesas que tentavam [falta texto] Alberto João e Fernando Maiaco liquidam as tropas portuguesas que pelo sul marchavam sobre a mesma localidade. Quando em Setembro a ofensiva tenta envolver as nossas forças os comandantes das colunas conseguem, em boa ordem retirar das posições em que se encontravam, levando consigo as populações civis e estabelecer bases de resistência em lugares pratica­mente inacessíveis ao inimigo. Pode-se dizer que a luta armada em Angola vai entrar numa nova fase. O êxito depende da solução de alguns problemas, entre eles os do restabelecimento e cooperação entre as forças que actuam no Distrito do Congo e as que actuam nos outros Distritos. Um ano passou sobre este acontecimento decisivo da nossa História. O espírito nacionalista e a solidariedade fraternal que o animou reforçou-se e tocou todos os ­Angolanos de maneira irreversível. Entre os protagonistas desta memorável jornada muitos tombaram mas [o] exemplo da sua coragem não se perdeu. Continua intacto, multiplicou-se: Os mártires inesquecíveis de 4 de Fevereiro, foram imediatamente rendidos por milhares de outros bravos, dispostos eles também ao sacrifício de suas vidas para encurtar a distância que separa da vitória final que não deixaremos de alcançar todos nós – mortos e vivos! A revolta de Fevereiro surgiu, ninguém hoje ignora como uma consequência da atitude intransigente do fascismo português, e essa jornada representa na luta de ­emancipação do povo Angolano o instante preciso da passagem à acção directa. Antes, a atitude dos nacionalistas angolanos caracterizara-se por uma actividade orientada estritamente no sentido da solução pacífica do problema de Angola. Vinha-se vivendo submetido a um regime totalitário que não permitia críticas nem tão pouco admitia qualquer transformação política da situação. Não obstante, e agindo embora na clandestinidade os líderes angolanos não desperdi­çaram nenhuma oportunidade de manifestar às autoridades as suas críticas e o seu ­desacordo conta o domínio colonial. II AS PRIMEIRAS PRISÕES A partir dessa manifestação de vitalidade do povo angolano as autoridades ­portuguesas passaram a adoptar uma atitude sintomática, proferindo ameaças veladas nos discursos oficiais. Em 1959, encontrando-se à frente dos destinos de Angola um ­tenente-coronel empertigado, ele faria por ocasião da inauguração de uma carreira de tiro no clube dos Caçadores a apologia do uso de arma de fogo, exortando por meias palavras os colonos a usá-las contra os africanos. Data daí a prisão do primeiro grupo dos nacionalistas angolanos, logo seguido de outros, pelo crime de reclamarem as liberdades fundamentais a que todo o ser humano tem direito. ESFORÇOS PACÍFICOS DO MPLA Malgrado isso, ou por isso mesmo os movimentos nacionalistas multiplicaram-se rapidamente. Já então estabelecido no exterior, o Movimento Popular de Libertação de Angola, à volta do qual ia aderindo a maior parte daqueles movimentos clandestinos, dirigiu-se ao Presidente da República de Portugal e ao seu Presidente do Conselho, uma declaração convidando o Governo Português a reconhecer o direito do povo angolano à ­autodeterminação; a conceder a amnistia total e incondicional bem como a libertação imediata a todos os prisioneiros políticos; a estabelecer as liberdades públicas especialmente a formação legal de partidos políticos e as garantias concretas para o exercício efectivo dessas liberdades; a retirar imediatamente as forças armadas portuguesas e proceder à liquidação imediata das bases militares existentes no território angolano; e finalmente, a convocar, no fim do ano de 1960 uma mesa redonda formada de uma parte por representantes de todos os partidos políticos angolanos e da outra dos representantes do Governo Português em vista à solução pacífica e democrática do problema colonial em Angola, e no interesse das partes em presença. Aqueles membros do Governo Português mantiveram-se surdos às sugestões dos líderes angolanos. Apenas o Diário da Manhã, órgão da União Nacional, partido de Salazar, se referiu ao assunto, considerando depreciativamente a realização de Mesas Redondas. O MPLA (que já então vinha sofrendo pressões dos seus militantes no que ­reclamavam, digo, militantes no exterior de Angola, que reclamavam a passagem à via armada) tentou o último recurso, procurando utilizar-se da influência de alguns países estrangeiros. Assim em 6 de Dezembro de 1960, pôde, juntamente com outras organiza­ções nacionalistas das colónias portuguesas, realizar uma conferência na Câmara dos Comuns em Londres. Perante os membros dos partidos britânicos, o sr. Mário de Andrade, Presidente do MPLA advertiu a opinião pública de que a atitude intransigente de Portugal e os ­preparativos bélicos a que lançara mão não deixavam ao povo angolano outra ­alternativa ao seu alcance senão a da acção directa. MANIFESTAÇÃO DE FORÇA Como respondeu Portugal a todos estes esforços de boa vontade desenvolvidos pelo MPLA? – Intensificando o envio de tropas e material de guerra para Angola; – aumentando febrilmente os quadros da Pide e da polícia de segurança; – estabelecendo na colónia várias divisões da sua triste e célebre polícia móvel; – endurecendo, em todos os sectores, o tom da sua política interna tornando a atmosfera social de Angola verdadeiramente irrespirável. Nas cadeias de S. Paulo, um simples e justo protesto contra a péssima alimentação foi o suficiente para a execução sumária de 28 detentos [sic]. A esse tempo, um discurso de Salazar, o mais ameaçador de quantos se lhe conhecem, pôs ponto final a todas as ilusões alimentadas pelos nacionalistas angolanos quanto à solução pacífica e democrática do problema. ATAQUE ÀS CADEIAS DE LUANDA Chegou-se assim à revolta de 4 de Fevereiro. Sabendo que as autoridades tencionavam transferir, às ocultas, os prisioneiros ­políticos angolanos, para destino desconhecido, um grupo de nacionalistas, constituído na sua maior parte por militantes do MPLA e por eles dirigido puseram em prática, atacando as cadeias o plano da sua libertação que há muito vinha sendo ponderado. Este feito constituiu um rude golpe nos preconceitos da política portuguesa. De súbito, desvendou-se ao mundo o rol de mentiras pacientemente tecidas em redor das províncias portuguesas do ultramar e o clima de fraternidade que nela se respira. Como possesso o governo português, ou antes Salazar, ordenou as mais severas represálias: Daí em diante, a população de Luanda passou a viver submetida a uma repressão odiosa. Foi instituída a hora de recolher. Tornaram-se vulgares os ­fuzilamentos sumários. As milícias, com carta branca, lançaram o terror entre a população – só numa tarde, 3.000 angolanos foram liquidados por forças repressivas e pelos ultracolonialistas portugueses. As cadeias apressadamente multiplicadas, encheram-se e, nelas, morria-se em massa. As operações de limpeza impuseram o desmantelamento de alguns bairros. As árvores foram derrubadas. As escavadoras não tiveram descanso na abertura de valas para esconder os mortos pela calada da noite. Luanda transformara-se numa cidade sitiada. A lei marcial mais desumana implantara­-se nela com todo o seu cortejo de horrores. Entretanto, no interior de Angola, ocorriam espantosos crimes de genocídio, COM A CUMPLICIDADE DE MUITOS COMERCIANTES E AGRICULTORES. Os rios de Angola tragavam os corpos de milhares de angolanos inocentes. Na Baixa de Cassange, uma força de exército promoveu, por essa mesma altura, o inqualificável massacre de 7.000 trabalhadores de algodão que reclamavam aumento de salário e melhor tratamento. III ORGANIZAÇÃO DE MAQUIS Iludindo o cerco de Luanda, alguns militantes do MPLA, que tinham podido ­escapar aos massacres, infiltraram-se no interior fixando-se nos Dembos, Cuanza-­Norte e Malange, com a missão de estabelecer ligação com trabalhadores das plantações de café e do algodão e organizá-los para as actividades revolucionárias. Era inevitável que a revolta de Luanda influenciaria, se não todos pelo menos os principais movimentos políticos angolanos. O MPLA, promotor desse ­acontecimento decisivo na história de Angola, estava decidido [a] prosseguir na acção directa e ­procurava organizar os seus militantes e o povo, com vista à elevação do nível de luta. A UPA sentiu-se deste modo encorajada a apressar para o dia 15 de Março a sua ­participação na luta armada. Os militantes do MPLA adaptaram-se imediatamente a esta nova fase de luta, conseguindo a adesão de importantes núcleos do povo de Angola. Assim fizeram, por exemplo os comandantes Benedito, Pedro Mussadi, Ferraz Bomboco e António Fernandes. A reacção das forças do exército português não se fez esperar. Aviões das Forças aéreas portuguesas [sic] utilizando napalm passaram a bombardear sistematicamente as populações indefesas, que depressa se viram obrigadas a procurar abrigo na mata. Em dois meses de operações, 50.000 angolanos foram vítimas de tais bombardeamentos e milhares de povoações foram arrasadas. Nas principais cidades de Angola e especial em Luanda, brigadas policiais e exército, incluindo as milícias, entregaram-se a actos de terrorismo, prendendo e executando inocentes, assaltando e saqueando propriedades privadas, chacinando mulheres e crianças. Tal tem sido o sacrifício exigido ao povo angolano pela luta de libertação. A luta encontra-se numa fase estagnária [sic], mas as forças Portuguesas vêem nisso o momento oportuno de continuar [a] executar friamente os seus planos de extermínio. Esgotado o período de surpresa, durante o qual o exército português conheceu uma humilhante derrota, o dispositivo militar colonial – que só no Norte de Angola conta mais de 40.000 soldados dotados de material de guerra do mais moderno – pôde, sem que haja qualquer proeza, reocupar alguns pontos importantes, e neles concentrar-se em força. Mas a luta está longe de estar terminada. Poderíamos talvez dizer que encerrou apenas [uma] fase. A luta só terminará com a conquista da nossa independência nacional. A nova fase das hostilidades militares vai obrigar todos os angolanos a maiores esforços e sacrifícios, exigindo da parte dos líderes dos movimentos políticos angolanos, a aceitação de medidas que são vitais para o progresso da nossa luta. EIS UM APANHADO DA ACÇÃO DO MPLA, NO DOMÍNIO MILITAR As regiões mais importantes dos nossos maquis situam-se nos distritos de: Cuanza-Norte – Uíge, Quitexe, Lucala, Quibaxe e Nova Caipemba. Luanda – Luanda, Nambuangongo, Caxito, Catete, Funda, Úcua, Pango-Aluquém, Cambamba. Congo – Ambrizete, 31 de Janeiro, Tomboco. Malange – Baixa de Cassange. As tácticas utilizadas foram as de ofensiva e defensivas. No decurso das operações militares, as nossas milícias utilizaram uma táctica que visava a paralisação da economia colonial, a liquidar o aparelho administrativo e a ­resistência militar do inimigo. – O objectivo foi atingido quase em todas as regiões onde as nossas milícias operaram; em certas localidades a ocupação foi durante muito tempo total. Citamos entre outras: Nambuangongo – Ocupação total durante cinco meses (Março a Julho de 1961) Uíge – Paralisação da economia dos colonos que foram obrigados a abandonarem os seus bens e refugiarem-se em Luanda. É de salientar que o Uíge é a única região de Angola que só foi atacada pelas nossas milícias, depois dos actuais acontecimentos. Quitexe, Úcua, Tomboco: Ocupação total durante cinco meses. A réplica do inimigo constituiu no envio de cerca de 40.000 homens armados com armamento mais clássico e moderno. Em face do aparelho de destruição das forças portuguesas, as nossas milícias ­resolveram evacuar as regiões ocupadas e de transportar as populações civis para as florestas e montanhas protegidas por elementos das nossas milícias e nas bases de ­resistência pouco acessíveis aos inimigos. As forças portuguesas, desconsiderando as leis mais elementares de guerra, ­utilizaram todos os meios, na tentativa de exterminar as populações de Angola combatente, cães polícias, bombardeamentos com napalm, envenenamento das águas dos rios e do gado, torturas físicas etc. Apesar de todas as dificuldades, as nossas colunas continuaram com os seus ataques de raid curta [sic] às posições do inimigo, aguardando as melhores condições para os ataques de grande envergadura. A estrutura da nossa organização é a seguinte: Comité Revolucionário – Responsável da conduta de toda a luta armada, em todos os seus aspectos. Estado-Maior Mandante em Chefe [sic] O teatro da luta dividiu-se em zonas militares e [em] cada uma delas operam colunas constituídas por 100 homens. As colunas enquadraram pelotões de 33 homens e unidades militares móveis compostas de 10 a 11 homens. – MILÍCIA EM COMBATE – Nos distritos de Cuanza-Norte ................................ 5 colunas Luanda .......................................... 3 " Congo ........................................... 2 " Malange ........................................ 4 " O povo colabora com as milícias do MPLA. A acção do povo é sobretudo a das ­sabotagens (pontes, estradas, etc.), liquidação dos agentes do inimigo, transportes de alimentação e de munições para as unidades em combate, actividades de reconhecimento das posições do inimigo, destruição das plantações dos colonos, assistência sanitária. Entre os comandantes das milícias do MPLA, distinguimos as actividades do Ferraz Bomboco e João Benedito que dirigiram as colunas na ocupação de Nambuangongo e Dembos, as façanhas de Maneca Paca e de José Andrade mortos na batalha de Danje. IV CAÇADORES ESPECIAIS Estas foram as tropas que estiveram na primeira linha, durante a primeira fase de operações. Ao lado dos civis, estes homens que se consideravam tropas de elite, e assim eram considerados militarmente, seguiram a orientação geral. Os caçadores especiais, incluindo os próprios oficiais colaboraram activamente nas grandes matanças. Nestas matanças distinguiram-se especialmente a 4ª companhia de caçadores especiais, a companhia do Capitão Morais, Oficial que recebeu mais tarde a ordem dos Serviços Distintos e que era uma das mais famosas. Este homem ­considerado um especialista dava palestras aos oficiais cercam-lhe gados [sic] de todas as patentes sobre a forma de conduzir a guerra. Capitão Morais, actuou primeiro na região da Baixa de Cassanje onde como se sabe se deu um dos primeiros e mais curioso incidentes desta guerra. Em Cassange, os angolanos levantaram-se utilizando essencialmente meios ­pacíficos e reivindicando modificações das suas condições de vida. Eles eram obrigados a plantar exclusivamente algodão e não lhes permitiram outras produções de carácter alimentar, para subsistência e em paga recebiam salários, durante a estação, que muitas vezes pouco ultrapassavam os 30 Fev. [Esc.] não por mês, mas por ano. Finalmente, ­conscientes os angolanos uniram-se em manifestações que vieram pouco depois do assalto às cadeias de Luanda e antes de 15 de Março de 1961. Além de terem sido ­bombardeados com napalm por ordem imediata do “duro” caquético e brutal General Libório, então comandante militar [que] já se celebrizava pela repressão aos nacionalistas em Goa; os nativos foram ainda chacinados pelas metralhadoras do Capitão Morais que segundo declarações matou cerca de 20.000 angolanos. A 4ª companhia de caçadores era uma das companhias que em Julho de 1961 fixaram guarnição, polícia móvel, em Luanda. Estas companhias de patrulhamento quando se tratava de uma rusga, rodearam as sanzalas dos Musseques, mas quem fazia a inspecção e levava os presos era a PIDE, regra geral. Em casos imprevistos ou especiais as próprias companhias poderiam fazer a inspecção. Outra companhia de caçadores especiais ainda se distinguiu mais na repressão. Era comandada pelo Capitão Mendonça e tinha como Oficiais os Alferes Robles e Matos. Essa companhia que se instalou perto das Mabubas, para defender as propriedades do Ministro Paulo Cunha, tinha uma casa especial para torturas. Entre essas torturas figuravam torções e arrancamento de testículos com alicate, arrancamento de olhos, morte por punhaladas dadas lentamente, morte por tractores (com os homens enterrados até ao pescoço) e muitas outras conforme a sua imaginação. Este aspecto de guerra, a morte de mulheres e crianças mostra bem a loucura da repressão dos fascistas portugueses. Perante estas e muitas outras façanhas os oficiais que cercavam dividiam-se imedia­ta­mente: – uns ficavam horrorizados e repudiavam tais actos, outros, sobretudo os jovens do quadro e os milicianos fascistas, procuravam “adaptar-se”, quer dizer, pecante [sic] o que [para] eles era o mais importante, o enquadramento no exército, a obediência cega, dispuseram-se a recalcar o seu natural respeito pela vida e sofrimento alheio. Foi assim que um dos oficiais, o Alferes Graça, um miliciano que se diz católico, no Negage, foi ele próprio matar um homem, um condenado, para se habituar a essas coisas. Os crimes perpetrados em Angola são de conhecimento e têm a aprovação das altas autoridades, o Ministro do Exército brigadeiro Mário Silva, proferindo um discurso aos oficiais do batalhão 88 e 92, além dos de baterias de artilharia, todos embarcaram no navio Niassa, disse: – respondei aos ataques do inimigo ainda com maior ferocidade. Se ele vos cortar a cabeça ou vos cortar em postas fazei-lhe o mesmo, etc. etc. b) CAÇADORES SIMPLES: Os caçadores simples são tropas que foram destinados para guarnecerem e ­policiarem zona mais ou menos dominadas e que são enviados para zonas pré-determinadas. Os caçadores especiais e os pára-quedistas efectuavam os combates mais perigosos. Assim, para a Tomada de Nambuangongo que se encontrava totalmente ocupada pelos nacionalistas do MPLA, desde Março a Julho de 1961, tiveram que recorrer à colaboração dos caçadores especiais, simples e pára-quedistas. Os combates duraram cerca de dois meses, dado a resistência dos nacionalistas, apesar da falta de boas condições de reabastecimento. V ADMINISTRAÇÃO A Administração tem as atribuições de PIDE excepto nas raras Vilas em que existem repartições da PIDE e, logo, repartições dessa polícia. Cabe aqui dizer que a polícia de segurança pública enviou também destacamentos na primeira fase em que havia poucos homens e esses destacamentos intervieram por vezes activamente como em Kimbele. A Administração procedia como a PIDE e seguia as suas instruções. O Homem que entrasse prisioneiro na Administração raramente saía vivo. Os ­interrogatórios eram feitos pelos cipaios com uma brutalidade incrível. Usavam chicotes palmatórias, catanas, cadeiras, etc. Os golpes por vezes eram tão fortes que faziam saltar pedaços de carne e de pele. Depois do Interrogatório os homens interrogados, em estado desesperado ou mesmo mortos, eram arrastados para um canto e mais ou menos empilhados até ao dia seguinte em que seriam executados. Em Negage foram executados nessas condições três ­camionetas de cargas humanas compostas de mulheres homens e crianças. Os cipaios é que comandavam em geral as operações, chefiadas por dois batalhões de caçadores especiais. Na Administração em Salazar empregava-se muitas vezes uma coleira ligada à corrente eléctrica e faziam-se experiências da intensidade necessária para a electropulsão [electrocussão]. Por vezes os Administradores tentavam deter a onda de crimes cegos porque viam provavelmente que eles iam provocar o desaparecimento da mão-de-obra, ou alguns raros por escrúpulos, mas os civis europeus impunham-se-lhes ameaçando-lhes de morte muitas vezes. Aliás, os Administradores e Chefes de Posto como toda a gente sabe, incluindo os oficiais são homens extremamente corruptos sem moral e sem o mínimo de respeito para a dignidade pela vida humana dos angolanos, e, visavam a exterminação da população em cumprimento das instruções oficiais do Governo de Salazar. c) O CIVIL O civil europeu das povoações em má situação foi o elemento mais selvático da repressão. Ele dominou a cena durante dois meses, por vezes impondo-se às Autoridades Administrativas e por vezes às pequenas guarnições que tinham ­alcançado essas povoa­ções, em geral por via aérea. As suas depredações são incalculáveis. Embora pareça exagerado, podemos afirmar que são [?] 50 divisões Administrativas existentes em Angola exterminaram cerca de 350.000 angolanos. Muitos angolanos considerados assimilados que representavam objectivamente a mais ou menos longo prazo um perigo para a hegemonia económica branca, foram mortos e as suas casas ­saqueadas. Em ­Camabatela, uma Vila pequena, os Irmãos Ferreira à frente dos outros civis chegaram a matar cerca de 100 habitantes e afirmando ter descoberto uma rede de assimilados ligados ao MPLA que se ligavam por código de letras. De entre os mortos figuram os funcionários dos Serviços Sanitários. Esta zona foi durante cerca de dois meses atacada pelas nossas milícias onde impuseram uma superioridade e uma resistência firme ao inimigo. Só as más condições de reabastecimento contribuíram que depois dos ­sucessivos ataques infligidos ao inimigo as nossas milícias se retirassem para as bases de resistência. No terreiro local onde cometeram alguns dos mais horríveis crimes, um mecânico tentou soldar dois homens um ao outro. A dois nacionalistas da nossa armada [sic] presos prometeu-se a vida àquele que matasse o outro. Depois de uma luta tremenda um deles conseguiu quebrar a coluna vertebral do outro. Logo a seguir foi prostrado com uma bala. Um nacionalista que ficou meio louco das torturas a que foi submetido para falar, quando se convenceram de que ele não tinha nada a dizer largaram-lhe com um mamilo e uma orelha queimada. Na Damba é vulgar arrancar as unhas aos suspeitos para falar. No Quitexe havia civis europeus que se gabavam de ser grandes cirurgiões: – esses homens arrancavam os corações dos prisioneiros vivos pelas costas. Se falavam eram mortos por falar, se não falavam eram considerados perigosos e por isso mortos. No Dondo, mais de metade da população foi deitada ao rio, feita em pedaços. É hábito obrigar prisioneiros a comerem as orelhas um dos outros. A degenerescência humana em Angola [atinge] nível elevado sendo vulgar entre os soldados portugueses [o] desejo [de] levar para Portugal orelhas de pretos como recordação. Um oficial da companhia de caçadores 86, Graça, informou os seus companheiros o desejo de arranjar uma em álcool para um amigo que lhe pedira em Portugal. O clima prelevante [prevalecente] entre os civis nos primeiros tempos era de uma intensidade homicida, podendo afirmar-se que os civis europeus preconizavam a exterminação de todos os pretos acima dos oito anos de idade. A fúria de matar entre esses homens é terrível. Por vingança; por medo, por consciência de que o povo está contra eles. Todos esses factos somados, à absoluta ausência de escrúpulos e o racismo, ­decretaram a repressão. Muitas vezes, homens levados por suspeitas quiméricas, invadiam de noite uma sanzala para matar um homem. – Mas quantas vezes matavam a família! Perante ­qualquer reacção eles trucidavam em seguida a população por considerarem a discussão, o protesto, como revolta. Populações inteiras vêem-se perseguidas sem saber porquê. A repressão assumiu sem dúvidas, proporções extraordinárias. Evidentemente, muitas das mortes são provocadas por cobiça. Com armas na mão, certos brancos mataram angolanos economicamente remediados para se apoderarem das suas riquezas. O pânico da repressão portuguesa, estendeu-se por todas as regiões de Angola. – Assim, por exemplo, em Dabombo [Balombo], região dos Bailundos, a PIDE matou mais de 400 pessoas com pretexto de ter descoberto a existência de dois chefes numa aldeia. Em Quibala as matanças prosseguem, ultrapassando a cifra de 10.000 mortos. Na zona de Catete num só dia foram mortos à cacetada e no meio de outras ­torturas, mais de 600 angolanos, com o pretexto da população ter planeado um ataque a um pelotão da armada [sic] portuguesa ali estacionada. Os 600 mortos foram espancados em presença do Secretário Administrativo, do Capitão do Pelotão e do Administrador. Em Porto Alexandre, mais de 6000 angolanos foram mortos, sempre com o ­pretexto de sufocar revoltas planeadas. CONCLUSÕES: A insurreição Geral da luta do Povo de Angola que já provocou mais de Cem Mil mortos e cerca de Cento e Sessenta Mil refugiados nas Repúblicas do Congo ex-Belga e do Congo Brazzaville, longe de atingir o nível desejado dadas as condições difíceis em que lutamos, prossegue numa fase de defensiva com vista a evoluir, logo que o problema de reabastecimento seja resolvido e a presença de quadros técnicos se faça sentir. Léopoldville, 19 de Maio de 1962

Relatório de actividades militares do MPLA (Léopoldville)

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.