Declaração da CONCP ao Comité Especial da ONU

Cota
0036.000.024
Tipologia
Declaração
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
CONCP - Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
Data
Jun 1962
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
11
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»



DECLARAÇÃO
ao Comité Especial da ONU para os Territórios administrados por Portugal
Apresentada pelo Secretário-geral da CONCP
Marcelino dos Santos – sociólogo
Junho de 1962
Senhor Presidente
Senhores membros do Comité especial da ONU para os territórios administrados por Portugal
Em nome do Secretariado Permanente da Conferência das Organizações Naciona­listas das Colónias Portuguesas, temos a honra de expressar ao Comité especial da ONU, encarregue de inquirir sobre a situação actual nos territórios sob administração portuguesa, o reconhecimento dos povos dos nossos países pela tarefa que cumpre.
Através do Comité Especial, é a ONU que saudamos, e estamos convencidos que o trabalho do Comité, na busca do conhecimento exacto do que é a realidade actual dos nossos países, só poderá contribuir para o triunfo das justas aspirações dos nossos povos.
No cumprimento da vossa tarefa, senhores membros do Comité, tivestes a ocasião de encontrar os representantes de cada um dos nossos países.
Por isso e considerando o carácter da nossa organização, expressão da União das forças que lutam pela liquidação geral do colonialismo português, daremos atenção sobretudo à definição das nossas aspirações comuns e dos nossos princípios de acção.
Finalmente hoje, no Marrocos, a vossa última etapa em África, o Secretariado permanente da CONCP também faz questão de vos assegurar o seu desejo sincero em colaborar plenamente para o êxito da vossa tarefa.
A situação que reina em Angola, no arquipélago de Cabo Verde, na Guiné “­portuguesa”, em Moçambique e em São Tomé e Príncipe é uma situação colonial.
Com efeito, a teia das relações actuais entre Portugal e os nossos países apresenta as características das relações de tipo colonial – com a exploração económica das riquezas do país e a dominação social das populações autóctones.
As características essenciais do colonialismo português decorrem do estado atrasado das estruturas económicas de Portugal, assim como do carácter colonial-fascista do Governo Português.
Talvez não seja inútil recordar aqui que Portugal é um país atrasado, que permanece agrícola, que conta hoje ainda com cerca de 42% de analfabetos, e que não soube – ou pôde – seguir o ritmo do desenvolvimento industrial do conjunto dos outros países europeus. Por outro lado, Portugal não conheceu uma democracia “clássica” de tipo parlamentar e as tradições democráticas continuaram fracas.
É a conjunção desses diferentes factores que deu ao sistema colonial português a sua fisionomia própria, a saber, a manutenção de todas as formas de exploração colonial clássica, desde o trabalho forçado, a submissão da população do nosso país a estatutos particulares como o estatuto do Indígena, o obscurantismo cultural, a imposição de ciclos de fome e de todas as formas de miséria e de aniquilamento das populações.
Os povos dos nossos países nunca aceitaram uma tal situação, e a nossa história está assinalada por inumeráveis feitos que testemunham a resistência constante à ­­dominação estrangeira.
O amplo movimento de emancipação que, favorecido por uma nova conjuntura internacional, sacode a África desde a última guerra mundial, não podia deixar de ter a sua expressão própria nos nossos países.
Ao longo dos anos do último pós-guerra, a organização da resistência ao opressor resultou na formação, nos nossos países, de organizações nacionalistas que definiam como objectivo principal a Conquista da nossa Independência Nacional.
Com efeito, a experiência prova que numa situação colonial, a Independência Nacional constitui a única saída histórica. Quer dizer, o conflito que opõe os povos dos nossos países à administração colonial portuguesa só pode ser resolvido pela ascensão dos nossos países à Independência.
A conquista do poder político surge como a primeira etapa necessária ao desenvolvimento económico dos nossos países e ao progresso social e cultural dos nossos povos.
Conscientes desse facto, os povos dos nossos países, mobilizados nas suas ­organizações nacionais, passaram à resistência activa, nova fase da luta contra o opressor.
Assim foi desencadeado o processo de liquidação geral do colonialismo português e que deverá desembocar na Independência Nacional, quer dizer, na libertação política, económica, social e cultural dos nossos povos.
O nascimento dos movimentos de libertação nacional operou uma mudança radical na vida dos nossos países.
Baseados nos nobres e profundamente humanos sentimentos de liberdade, de justiça e de dignidade oriundos das massas populares, os movimentos de libertação desde o seu nascimento aparecem como os novos detentores do poder, um poder que se alarga acompanhando o desenvolvimento dos próprios movimentos de libertação.
Devido a uma dinâmica interna, as responsabilidades dos movimentos de libertação aumentam numa evolução progressiva.
Esse fenómeno determina a expressão dos movimentos de libertação sob dois aspectos intimamente ligados e que se completam:
– um, o aspecto negativo, destruidor, que é a liquidação das estruturas ­coloniais, do poder colonial.
– o outro, o aspecto positivo, que é a formação e o desenvolvimento progressivo de novos mecanismos de direcção do país adaptados aos interesses do povo e às exigências da luta.
Esses objectivos, que nos esforçamos por realizar através de uma actividade quotidiana, constituem a preocupação das nossas organizações nacionalistas. Isso também constitui a prova do sentido das responsabilidades e da maturidade política das ­organizações nacionalistas dos nossos países.­
* * * * *
Ao longo da nossa luta, consideramos sempre a Unidade como um dos princípios guias da nossa luta.
Com efeito, entendemos dever juntar os esforços de todos os patriotas, sem ­qualquer exclusão seja ela religiosa, étnica ou outra. Agindo assim, preservamos a unidade do povo e a integridade do território, exigências fundamentais para o sucesso da nossa luta.
Sempre lutamos pela realização de FRENTES UNIDAS de luta à escala nacional, quer dizer à escala de cada um dos nossos países.
Guiados por esses mesmos princípios unitários, e para lutar mais eficaz e rapida­mente pela libertação dos nossos países, as organizações nacionalistas das colónias portuguesas reuniram-se em Abril de 1961 em Casablanca, e decidiram a criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, a CONCP.
Gostaria aqui, perante o digno Comité das Nações Unidas, de aproveitar a ocasião para dizer do nosso reconhecimento profundo a Sua Majestade Hassan II e ao seu Governo, que, num gesto de alta solidariedade Africana acolheram a sede da nossa organização.
A União das forças engajadas na luta contra o colonialismo português tem um alcance considerável e contribui fortemente para a realização das aspirações dos nossos povos.
Essa mesma preocupação de unidade levou-nos a definir a nossa luta num contexto de unidade africana e de solidariedade com os povos do mundo inteiro, e a estabelecer uma política de não-alinhamento, por um mundo de paz e de felicidade.
Reafirmamos aqui a adesão profunda dos nossos povos à paz e o seu desejo de resolver os problemas que se põem actualmente, a saber o acesso à Independência pela via pacífica das negociações. Continuamos dispostos a esgotar todas as possibilidades para evitar que outros focos de guerra se acendam nas outras colónias portuguesas.
Mas também fazemos questão em reafirmar aqui, solenemente, que os nossos povos não excluem nenhum meio para alcançar a realização das suas legítimas aspirações.
Na nossa Declaração Geral, aprovada em Casablanca em 1961, a nossa ­Conferência, convencida da necessidade urgente de libertar os povos colonizados por Portugal “Proclama a unidade de acção das organizações nacionalistas na luta por todos os meios, com vista à liquidação imediata do colonialismo português e à libertação de todas as formas de opressão.”
No entanto, os nossos povos não são menos pacíficos que qualquer outro. Muito pelo contrário, a paciência de que têm dado prova face aos sofrimentos suportados até hoje, testemunha bem o seu amor pela paz.
O recurso à acção directa decorre da realidade dos nossos países.
Convém recordar que a cada gesto reivindicativo, a cada manifestação pacífica dos nossos povos, o Governo português reagiu apenas de uma maneira: a repressão sangrenta.
Muito antes do desencadear da guerra em Angola, já tinha havido massacres em Moçambique, em São Tomé, em Goa, na Guiné “portuguesa”.
Porque o facto é que o governo de Portugal, cego pelos interesses colonialistas portugueses, amarrado a uma secular ideologia colonial, sempre recusou marchar no sentido da história.
O desenvolvimento da resistência pacífica mas organizada, constitui para o Governo Português um crime que é necessário reprimir.
O Governo Português persiste em recusar uma formulação pacífica das nossas reivindicações­. Como poderíamos nós então não encarar a acção directa como um dos meios para a nossa libertação?
Que nos seja permitido referir aqui o testemunho do líder africano, Sr. Keneth KAUNDA, cuja adesão aos métodos não violentos é sobejamente conhecida e que declarou muito recentemente a um semanário Africano, que a violência era normal no caso das colónias portuguesas.
A acção directa aparece portanto como uma reacção à qual somos constrangidos face a um sistema que apenas conhece uma arma: a violência.
Seria faltar ao nosso dever, enquanto guias da acção libertadora, não compreender isso.
E se era necessária uma prova, há um pouco mais de um ano que dura a guerra em Angola. E na Guiné portuguesa, como em Moçambique ou em qualquer outro ­território sob dominação colonial portuguesa, o agravamento da situação política só pode conduzir ao nascimento de novos focos de guerra.
Como já o sublinhamos várias vezes, reafirmamos hoje solenemente diante deste Comité Especial da ONU a vontade inquebrantável dos nossos povos de serem livres.
Acusamos o Governo Português do crime de colonialismo, crime condenado pela consciência mundial e que recebeu a sua consagração jurídica pela decisão 1514 de 14 de Dezembro de 1960, da Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Acusamos o Governo Português de calcar aos pés, pelas suas acções diárias, a Carta dos Direitos do Homem e de não respeitar os compromissos que tomou enquanto membro da ONU.
Acusamos o Governo Português de levar a cabo uma guerra de extermínio em Angola para abafar as justas aspirações do povo angolano.
Acusamos o Governo Português de desenvolver o aparelho de repressão militar e policial nos nossos países, para manter a sua dominação sobre os nossos povos.
A política seguida pelo Governo colonial-fascista de Portugal gerou nos nossos países um fosso entre os africanos e os europeus, e criou uma atmosfera de ódio e de medo.
A CONCP segue uma política que se quer anti-racial e tendo por objectivo a libertação do homem. Trata-se, para nós, não de lutar contra o povo português, mas de destruir as estruturas do poder colonial nas nossas terras.
Não alimentamos nenhum ódio contra o povo português. Muito pelo contrário, tencionamos levar a cabo uma política de amizade com os povos do mundo inteiro, e evidentemente, com o povo português. Mas é evidente que essas relações devem estar baseadas no respeito da nossa personalidade própria e na livre determinação.
É no quadro desse conjunto político que desenvolvemos a nossa actividade.
A CONCP constitui um símbolo da unidade dos nossos povos. Ela tem como objectivo a coordenação da luta de libertação dos povos das colónias portuguesas e aparece como sendo uma contribuição inestimável à construção dos alicerces da nossa Independência.
A CONCP entende realizar a cooperação e a solidariedade entre os povos dos nossos países na luta geral contra o colonialismo português. A nossa acção conjunta permite enfraquecer as fileiras das forças colonialistas.
A CONCP age no sentido de preparar os nossos países para assumirem plenamente as tarefas da Independência. É por isso que os nossos esforços quotidianos vão no sentido da elevação do nível político das massas.
Tratamos de fazer face às necessidades enormes da nossa luta através de um esforço de formação de quadros, tanto políticos como técnicos, e consideramos importante o desenvolvimento dos nossos próprios centros de formação de quadros, com os nossos próprios professores.
Tratamos também de fazer face aos problemas levantados pelo afluxo de refugiados.
Trata-se para nós, de satisfazer não só as necessidades alimentares e médico-­sanitárias dos refugiados, mas também providenciar o desenvolvimento da sua instrução e da sua formação política.
Assim, a CONCP pretende assumir as suas responsabilidades nos diferentes aspectos da vida dos nossos povos.
Por outro lado, a CONCP iniciou uma campanha de informação da opinião mundial, e muito particularmente dos Estados Africanos.
O nosso apelo foi ouvido no mundo inteiro e declaramos com orgulho que ­recebemos constantemente testemunhos de solidariedade de todo o lado, tanto de África, como dos povos da Europa, da Ásia e da América.
Muito particularmente, um certo número de Estados Africanos e Asiáticos respondendo ao nosso apelo, tomaram medidas tanto económicas como diplomáticas contra o Governo Português.
Que nos seja aqui permitido endereçar os nossos agradecimentos sinceros a todos os povos e a todos os estados que de uma forma ou de outra não cessam de testemunhar a sua solidariedade.
Essa solidariedade geral manifestou-se e encontrou a sua consagração no seio da ONU. A realidade do Vosso Comité aparece aos nossos olhos como a expressão do interesse que a ONU tem pelo destino dos nossos povos.
A CONCP tem expressado, desde o dia do seu nascimento, a confiança que depositamos na ONU. A resolução sobre a ONU, assim como a Mensagem ao Senhor Presidente da Assembleia-Geral da ONU e que as organizações nacionalistas dos nossos países votaram em conjunto, testemunham a nossa convicção de que esta pode e deve desdobrar os seus esforços com vista a contribuir para a realização das justas aspirações dos nossos povos.
A ONU é uma Assembleia Pacífica. Saudamos com agrado o espírito de justiça que presidiu às decisões das Nações Unidas sobre os nossos países, e muito particularmente sobre Angola.
Não ignoramos as dificuldades com que se depara a ONU para impor as suas decisões. Contudo, pensamos que é nosso dever exprimir aqui, perante vós, Senhores Membros do Comité, que os nossos povos e organizações têm o profundo sentimento que a ONU constitui uma força majestosa de salvaguarda da Paz.
Hoje, perante o Comité Especial da ONU, fazemos questão de denunciar também as recentes reformas relativas aos nossos países e promulgadas em Lisboa. Essas reformas visam por um lado tentar enganar os nossos povos e, por outro lado, convencer a opinião mundial, e muito particularmente a ONU, que o Governo Português satisfaz as nossas aspirações.
A unilateralidade de tais decisões bastaria para as tornar inaplicáveis. Mas na ­realidade elas não são aplicadas.
Por outro lado, no actual período da história dos nossos povos, a única reforma em concordância com as nossas aspirações é o reconhecimento solene e formal, pelo Governo Português, do nosso direito à autodeterminação e à Independência Nacional.
Apenas citaremos como exemplo a continuação do envio de colonos portugueses para os nossos países. Como se pode acreditar que essa medida prova a sinceridade do Governo Português de satisfazer as aspirações dos nossos povos?
É por isso que a CONCP:
Considerando a decisão 1514 de 14 de Dezembro de 1960 da Assembleia-Geral da ONU;
Considerando as diferentes resoluções tomadas pelas diversas instâncias da ONU condenando a política seguida pelo Governo Português nos nossos países;
Considerando que a persistência dos bastiões do colonialismo é uma ameaça de guerra;
Considerando que o colonialismo é um crime;
Considerando a justiça da reivindicação dos nossos povos à autodeterminação e à Independência;
Solicita que a ONU tome as medidas adequadas e utilize os meios necessários e eficazes para ajudar os nossos povos a concretizar as suas aspirações à autodeterminação e à Independência.
Estamos firmemente convencidos que a negociação – quer ela seja o desfecho de uma luta pacífica ou não – entre os representantes qualificados dos nossos povos e os do Governo Português, é a via necessária para a Independência. Mas para que haja negociação, é indispensável que o Governo Português reconheça solene e formalmente o direito histórico dos povos dos nossos países à autodeterminação e à Independência Nacional.
Senhor Presidente,
Senhores membros do Comité Especial da ONU para os territórios administrados por Portugal,
Eis o que tínhamos para expor.
Em nome do Secretariado Permanente da CONCP, endereço-vos os nossos ­melhores agradecimentos.
Os nossos povos têm esperança na sabedoria deste Comité, e através de vós, na da ONU.
Obrigado
Marcelino DOS SANTOS
Secretário-Geral da CONCP.

Declaração da CONCP ao Comité Especial da ONU, apresentada por Marcelino dos Santos, Secretário-geral da CONCP (Junho 1962)

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