Conferência de Imprensa de Agostinho Neto

Cota
0037.000.012
Tipologia
Conferência de imprensa
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Agostinho Neto - Presidente de Honra do MPLA
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA MPLA 51, Avenida Tombeur de Tabora – C.P. 720 LÉOPOLDVILLE [carimbo do CD] CONFERÊNCIA COM A IMPRENSA FEITA PELO DR. AGOSTINHO NETO PRESIDENTE HONORÁRIO DO MPLA DECLARAÇÃO Senhores Representantes da Imprensa, Minhas Senhoras, e Meus Senhores, Depois da minha evasão de Portugal, esta é a primeira vez que me dirijo à opinião pública internacional. Sinto-me pois feliz em saudar a vossa presença aqui, senhores representantes da imprensa mundial. Esta conferência tem por fim expor à opinião pública internacional, por intermédio dos honoráveis Representantes da Imprensa, o verdadeiro sentido da minha fuga de Portugal. Permitam-me que antes de tudo vos apresente um resumo das actividades a que me dediquei no meu País e em Portugal. Em 1947, quando me matriculei pela primeira vez na Faculdade de Medicina de Coimbra, a aspiração do povo Angolano à independência tornou-se para mim uma necessidade que exigia a acção prática. Comecei por aderir às associações de estudantes e por participar nas reuniões político-literárias que trabalhavam nessa altura, no sentido de investigar e esclarecer as bases da cultura Angolana e de analisar a nossa situação de colonizados. Além disso, tomei parte nas actividades das organizações da ­juventude portuguesa, com o fim de denunciar as verdadeiras condições de vida do Povo de Angola. Em 1952, em Lisboa, fui preso pela primeira vez com dois colegas, durante uma manifestação contra a política fascista do governo de Salazar. A minha prisão durou 90 dias. Depois de sair da prisão, aderi ao Movimento da Unidade Democrática da Juventude (MUD Juvenil) que, em Portugal, dirigia a luta para a melhoria das condições de vida da juventude e lutava contra o fascismo. Em 1955 depois de ter sido eleito membro da Comissão Central do MUD Juvenil na qualidade de representante dos Jovens das Colónias, fui preso, pela segunda vez, com cerca de uma centena de jovens dos quais 52 foram enviados ao tribunal. Quando, em Junho de 1957, fui posto em liberdade, depois de um julgamento que se arrastou durante 6 meses tinha completado 28 meses de prisão. Entretanto, o Tribunal Plenário da cidade do Porto, que nos julgou da maneira mais parcial, condenou-me a 18 meses de prisão correccional, e isto graças à intervenção de personalidades políticas e de escritores de muitos países e graças também à brilhante defesa feita [pelo] meu advogado, António Macedo, sincero democrata do Porto. Seis dos 52 incriminados membros da Comissão Central do MUD Juvenil, continuaram presos em virtude das chamadas “medidas de segurança”, as quais, como se sabe, consistem em guardar o preso por períodos de 6 meses a 3 anos, prorrogáveis indefinidamente. O último desses companheiros só saiu da prisão em Junho de 1962. Nos fins de 1958, formei-me em Medicina. Nessa altura, o nacionalismo Angolano tomava já uma marcha organizada, o que constituía um verdadeiro sucesso, dadas as duras condições de clandestinidade em que trabalhava. O governo português montou então a PIDE em Angola (a bem conhecida Gestapo de Salazar), e algum tempo depois, muitas dezenas de nacionalistas foram presos, entre os quais o líder ILÍDIO MACHADO, que está agora detido com os seus companheiros no campo de concentração de CHÃO BOM, na ilha de S. Tiago, em Cabo Verde. Fora das organizações portuguesas nós organizámos o Movimento Anticolonialista (MAC) que reflectia em Portugal principalmente as organizações políticas angolanas [africanas?] mais notáveis. Alguns meses depois, o MAC tomou características mais angolanas. Depois de 1950, Mário de Andrade, Lúcio Lara e Amílcar Cabral ­­­tornaram-se os pilares da luta anti-colonialista no exterior. Terminada a minha especialização em Medicina Tropical eu regressei a Angola e exerci a medicina particular em Luanda. A prisão pelas autoridades portuguesas de um mensageiro que tínhamos enviado ao exterior de Angola, e em consequência do tratamento cruel que ele não pôde suportar, provocou a minha prisão e a de muitas dezenas de nacionalistas. A acção do Povo contra esta política arbitrária provocou uma nova vaga de prisões e uma repressão ainda mais violenta, como a do massacre dos nacionalistas de Icolo e Bengo, minha aldeia natal, os quais se manifestaram para exigir a minha libertação e a dos meus companheiros. O Padre Joaquim Pinto de Andrade, Chanceler do Arcebispado de Luanda e grande patriota angolano, foi então lançado na prisão e transferido, mais tarde, para um Convento no norte de Portugal, no qual a PIDE lhe fixou residência. Segundo notícias que nos chegaram, ele foi novamente preso. A PIDE [enviou-me] a Lisboa sob prisão, e mais tarde deportou-me para a ilha de S. Antão, Cabo Verde. Nessa época, apesar de a Assembleia-Geral da ONU ter aprovado a declaração da concessão da independência aos povos colonizados, o governo português pretendia ocultar a gravidade da questão angolana e a situação nas suas ­colónias e queria servir-se do meu nome na sua propaganda. Sem que eu tivesse pedido, fui nomeado delegado de Saúde na ilha de S. Antão, ao mesmo tempo que as autoridades portuguesas faziam pressão sobre mim para que eu tomasse posição contra o justo combate do Povo angolano. Num momento de irritação, e depois de ter verificado que essa nomeação não chegou a converter-me, o governador de Cabo Verde revelou-me insolentemente que esse emprego me tinha sido atribuído com o fim de fazer nascer em mim um sentimento de gratidão e me tornar fiel à política de pirataria do governo colonial-fascista. Para se desforrar, a PIDE decidiu transferir-me para uma ilha quase deserta para onde não cheguei a ir porque fui novamente preso na cidade da Praia, ilha de S. Tiago, pela quarta vez, e sob o mais fútil dos pretextos: o de ter comigo uma fotografia ­reveladora das atrocidades cometidas pelos colonos portugueses em Angola. As humilhações a que fui submetido só foram minoradas pela presença de minha mulher que, permitam-me que vos diga, sempre me acompanhou com uma grande coragem e espírito de luta. Devo dizer que durante essa última prisão, e depois dela, minha família e eu recebemos apoio moral e material dos anti-colonialistas de muitos países. Essa prova de solidariedade acompanhava-se de uma acção vigorosa no mundo inteiro a fim de obrigar o governo português a soltar-me. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) que organizou a minha evasão de Portugal com a ajuda dos anticolonialistas portugueses e de outros países da Europa, obteve uma grande vitória contra o governo português, graças à grande precisão do aparelho que foi montado. Aproveito esta ocasião para exprimir a minha gratidão a todos os que, pondo em perigo a sua liberdade e mesmo a sua vida, fizeram grandes esforços para me libertar das mãos da odiosa PIDE. Aos Países que me acolheram, em especial aos Países Africanos e em particular à República do Congo, exprimo, por vosso intermédio o meu contentamento pela sua prova de solidariedade e de compreensão. Compartilho na República do Congo a sorte de cerca de 200.000 refugiados ango­lanos, perseguidos pelo ódio bárbaro dos colonialistas portugueses. Além dessa ­população exilada, milhares de angolanos encontram-se refugiados nas matas de Angola, onde eles são obrigados a levar uma vida muito difícil. A fome, a doença e a inquietação atacam física e moralmente, adultos [velhos], mulheres e crianças, cercados de alguns adultos válidos. No centro e no sul do País, nas aldeias e nas cidades onde a luta armada não é ainda assunto de cada dia, as populações vivem sob o terror policial e militar que aprisiona, tortura e assassina, com o fim insensato de exterminar o povo e abafar a sua aspiração legítima a uma vida livre e independente. Os campos de concentração e os calabouços estão cheios de nacionalistas que vendo fecharem-se atrás deles os portões de ferro, vêem também sumir-se o seu futuro. Com efeito, os nacionalistas angolanos que caem nas mãos da PIDE e dos colonialistas nunca sabem o tempo que estarão na prisão. Pois, em Angola não existem nem leis nem prazos. A tortura constitui a lei. O assassinato prevalece. Entretanto, nessa atmosfera em que domina o ferro e o fogo, nessa situação a que chegou a imoralidade do sistema colonial português, a população angolana, com ­firmeza e com uma decisão cada vez maiores, está determinada a vencer o opressor. O Movimento Popular de Libertação de Angola que a meu ver soube interpretar melhor o sentido da corrente nacionalista angolana lutando pela realização da unidade nacional, e contra toda a espécie de discriminação de ordem racial, ideológica, etc. e traduzindo a vontade firme do povo em prosseguir a luta até a vitória final – o MPLA – está em plena expansão. A luta exige um esforço maior. Os refugiados têm necessidade duma grande assistência. Os nacionalistas, que têm necessidade de agir, aderem ao MPLA e exigem os meios para combater. Por tudo isso, o MPLA faz grandes esforços para aumentar o número dos seus quadros qualificados, adaptar-se à nova situação militar e política, mobilizar no meio da população quadros para o trabalho político e administrativo, para a assistência médico-social, para a instrução da juventude e para edificar um sistema de cooperativas destinado a suprir as necessidades de produção e de consumo dos refugiados. A luta armada deverá ser objecto de uma atenção especial. Tratarei agora do assunto principal da minha exposição: a unificação das forças nacionalistas numa Frente Comum. Esta unificação é um desejo do Povo angolano inteiro. É exigida, desde há muito tempo, pelos militantes de todos os partidos, pelos nacionalistas de todas as camadas sociais: os sobas, as personalidades eminentes, os estudantes, os jovens e mulheres compreendem que esta unificação é a condição indispensável para a vitória do ­nacionalismo angolano. Interpretando o desejo profundo do povo e fiel à política pró-unidade seguida desde a sua fundação, o MPLA fez vários esforços no sentido da unificação das forças ­nacionalistas. A convite do MPLA, uma delegação do FNLA e outra do MPLA reuniram-se no dia 5 de Agosto de 1962 com o fim de encontrarem uma base de ­colaboração. O comunicado dessa reunião é do conhecimento da Imprensa. O ­Movimento Popular de Libertação de Angola fez ao FNLA as três proposições seguintes: 1 – A fusão dos nossos Movimentos para formar um único Movimento. Esta fusão seria feita rapidamente mas passando por etapas convenientes. 2 – Uma estreita colaboração dos nossos Movimentos na sua acção político-militar, por intermédio de um organismo comum; e 3 – Seguindo o conselho de Sua Excelência Osagiefo K. NKRUMAH, a direcção das forças armadas dos nossos Movimentos por um comando único superintendido por um Conselho Nacional. O Movimento Popular de Libertação de Angola preconiza, de preferência, a fusão completa e urgente dos nossos Movimentos, porque essa fusão é exigida pelo Povo, e corresponderia melhor às exigências da situação actual da nossa luta comum. O MPLA considera que a fusão dos Movimentos é mesmo a condição requerida para um exame imparcial dos factos e das pequenas querelas que têm impedido a nossa colaboração até ao presente. Nós esperamos com ansiedade que as nossas propostas que foram feitas com o mais [alto] espírito nacionalista e com a maior franqueza, sejam aceites pelo FNLA, para que possamos combater, fortes e unidos irmãmente, o nosso inimigo comum – o colonialismo português. Tal é a exigência do nosso interesse imediato, dos presos políticos, dos refugiados, dos combatentes, dos militantes de todos os movimentos nacionalistas, em suma do povo Angolano. * * * * * Notícias vindas do interior do meu País anunciam que os colonialistas preparam um golpe que lhes permita exterminar a sangue-frio a maioria da população que escapou dos massacres que eles cometeram já. Este facto reforça tudo o que foi já dito a propósito da necessidade urgente da nossa união. Nós temos que reforçar a nossa luta contra as pessoas que perderam todo o sentido de humanidade, e que transformando-se em bestas, escondem atrás da ­ferocidade a sua fraqueza e a sua cobardia. O que os torna ferozes e incapazes de nos encararem numa mesa de negociações é o medo, que eles têm, de responder pelos seus crimes, e é também o seu egoísmo e o seu complexo de superioridade. Nós sustentamos uma guerra justa pela conquista da nossa liberdade. Fazemos a guerra porque o governo português nos obrigou a fazê-la. Não suportaremos aqueles que defendem a opressão e a exploração colonial. Não cessaremos de combater com armas na mão, enquanto a intransigência do governo português não for vencida. Entretanto, como já afirmámos várias vezes, não combatemos o povo português. Entre o povo Angolano e o povo português não existem conflitos irredutíveis. Nós repetimos: Detendo em Angola todo o poder, compete a Portugal engajar-se, por actos, no caminho de uma solução pacífica do problema angolano. O nosso ­objectivo é a independência nacional e não a guerra pela guerra. Eis porque, assim como continuaremos a luta, estamos também prontos, a todo o momento, a não desprezar a possibilidade de um solução pacífica do problema angolano, sobre a base do ­reconhecimento do direito do Povo angolano à autodeterminação e à independência. Lanço um apelo aos países que continuam a fornecer ajuda financeira, material e diplomática à política e à máquina de guerra de Portugal para que eles não prolonguem o martírio do Povo angolano. Nós perguntamos seriamente qual é a significação dos votos dos países que na ONU são pela causa do nosso Povo, mas que na prática não mudaram a sua política tradicional em relação a Portugal. O Povo angolano está firmemente determinado a conquistar a sua independência e a vitória não lhe escapará. Senhores jornalistas e representantes da Imprensa, que contribuíram muito para esclarecer a opinião pública mundial sobre o problema angolano e, no meu caso particular, para tornar pública a pressão feita sobre o governo português a favor da minha libertação, dirijo-vos as minhas mais calorosas saudações e agradeço-vos pela vossa atenção. Neste momento ou noutra ocasião, estou à vossa inteira disposição para ­responder às vossas perguntas. Léopoldville, 10 de Agosto de 1962

Conferência de Imprensa de Agostinho Neto como presidente Honorário do MPLA (Léopoldville)

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