Carta de Filipe Amado aos «responsáveis jurídicos» do MPLA

 Lausanne, 20/8/62 Caros Compatriotas (“Responsáveis Jurídicos”) Esta entrada foi só uma banga. Recebemos a carta em papel quadriculado que nos enviaram, e ficámos espantados e satisfeitos pois ela veio c/ a maior brevidade possível. Como aqui todo o mundo está em férias, a nossa actividade não tem sido tão grande. Apenas saíram dois artigos nos jornais que atacavam os mestiços e o marxismo era o “slogan” principal atribuído ao MPLA. Brevemente enviaremos estes artigos e mais ­notícias. Nós continuamos esperando pelo “dossier” e mais notícias sobre a Revolução. Aqui os artigos sobre Angola só falam no exército da UPA. Quando é que a malta faz propaganda do EPLA? Como vai a Revolução? Isto é que interessa pois se ela vencer, ela será forçosamente socialista, e dentro desta doutrina (socialismo democrático) haverá pão e terra para o povo, acabar-se-á com a burguesia nacional e c/ os ­nacionalismos reaccionários e erguer-se-á um Estado que se distinguirá do Partido e aonde se acabará c/ a bureaucratie. Conhecemos uma congolana casada c/ um suíço, que chegou há bem pouco tempo do Congo. Ela diz ser do MPLA. Amanhã vamos bater um papo c/ ela. Recebemos um postal do Carreira de Oslo. Talvez a delegação que lá se encontra faça um bom trabalho, sobretudo no que respeita à Revolução e ao EPLA. Recebi uma carta do Chipenda que fez tabela na América; ele diz que a malta vegeta lá em baixo e pergunta se nós nos esquecemos dos que lá ficaram. Manda dizer também que continua a trabalhar para o Mov. O jornal “Le Monde” traz um pequeno artigo sobre os “maquisards” angolanos que se treinam em Israel: devem ser upistas. Mas assim o Nasser vai-nos ajudar. Recebemos a Conferência que o A. Neto deu em Léo. Ficámos muito satisfeitos. Sabias que os upistas criavam o mito de que o A. Neto ou era neutro ou iria para a UPA? Os tipos enfiaram uma banana. Os jornais aqui elevam muito o nosso leader (A. Neto). Dois dos nossos camaradas (Rangel e Van-Dúnem), por sinal os mais escuros, foram chamados à Sûreté e os pidescos suíços fizeram as seguintes perguntas: A que movimento pertencem? Este movimento é comunista? Está de acordo c/ o GPRA? Porquê? Você é do partido do Jonas?... Os tipos têm aqui um complot juntamente com as missões protestantes. Estão bem elucidados e têm a fobia pelo comunismo. Não sei se nos estão a tramar alguma coisa! Os rapazes responderam bem. A nossa situação continua pois não temos bolsa e ainda não arranjámos emprego. A WUS só dá bolsa nos meses de Setembro e Outubro aos que têm exames agora. Deste modo ficam de fora cinco que não têm alguma possibilidade. Quanto aos 3 não ­universitários, só um é que está matriculado e terá bolsa nas férias – Rangel. Os outros dois, Silvestre Lopes e Fernando Van-Dúnem não foram matriculados nem terão bolsa. Por enquanto, o caso mais urgente é para estes dois que já escreveram para Léo e querem seguir para a Tcheco. Os universitários, enquanto isto não aquecer, ficam ainda aqui, mas precisam de bala para as férias pois não possuem passaportes; as organizações progressistas só têm papo, e os campos de trabalho são fora da Suíça. Aqui só há campos bíblicos. Seguem junto os dados dos casos mais urgentes. Silvestre Lopes – 23 anos – Tem o curso comercial e os devidos documentos. Quer tirar Economia Política na Tcheco. Tem passaporte obtido em Rabat aquando do Congresso UGEAN. Quer seguir imediatamente. Fernando Guilherme da Rocha Van-Dúnem – 6º ano dos liceus. Nascido em Luanda a 13-11-41. Sem documentos e sem passaporte. Quer tirar Direito na Tcheco e quer seguir imediatamente. Estes são os casos mais urgentes. Os outros esperam por uma ajuda financeira e passaportes. Junto seguem duas cartas que recebi da tua família; tirei os envelopes por causa do peso. Cumprimentos da malta toda. Kandandu ria muxima ria pangié [assinatura de Filipe Amado] P.S. Como vou mudar de direcção manda as cartas para o seguinte endereço: F.A. cuidado de Augusto Wilson chez Mme Laroche Chemin de Primerose, 53 Lausanne Suisse Deixo ordem em casa para recolherem as cartas que vierem para o antigo endereço. Já recebemos dois discos do “Ngola Ritmos”. A venda vai começar dentro em breve, e a bala irá para o CVAAR.