Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
MPLA Exército Popular de Libertação de Angola [carimbado “secreto”] 1 CENTRO DE INSTRUÇÃO DE GUERRILHEIROS-COMANDOS DO EPLA Perante a perspectiva da breve concessão de um campo de treinos, ao MPLA pelo Governo congolês, concebi-o genericamente, da maneira que passo a expor: I – O campo teria o nome de “Centro de Instrução de Guerrilheiros-Comandos”, em abreviatura – CIGC. Porquê esse nome? Porque aí serão efectivamente treinados soldados angolanos para cumprirem missões – caracteristicamente de guerrilha, dum Exército de Libertação – e simultaneamente missões caracteristicamente de Comandos, como as realizadas por qualquer Exército Clássico. Os soldados do EPLA ganhariam assim todas as vantagens técnicas, em matéria de preparação, sobre o soldado inimigo. O AMBIENTE No campo, para além da preocupação puramente técnica, cuidaríamos do Homem, ou melhor, forjaríamos o HOMEM NOVO, o angolano alma e suor da Revolução. Para isso seriam criadas no CIGC o máximo de condições de atracção do Homem para que dentro do campo ele se sentisse “em casa”, e o máximo de condições de atracção do Militante, de forma a encorajá-lo na Luta e a estimulá-lo a dar o melhor de si, pois ele teria no ambiente revolucionário do CIGC uma noção da sua grande Angola, da felicidade e futuro do seu Povo. Entre as condições a criar gradualmente, de acordo com as nossas possibilidades crescentes, aponto: – Uma biblioteca seleccionada – Discoteca variada – Representação, pelos soldados e elementos populares, de pequenas peças revolucionárias, originais de autores angolanos – Criação de um grupo coral – Criação de um conjunto folclórico – Intensa prática de desportos – Audições radiofónicas – Projecção de filmes predominantemente revolucionários – Encorajamento a todas as manifestações artísticas, nomeadamente a literatura, artes plásticas e musicais, de sentido nacionalista, para criação de um património cultural revolucionário e caracteristicamente angolano. Em todas as actividades, o espírito construtivo não deveria ser perdido de vista No campo funcionaria: a) a ESCOLA DE COMISSÁRIOS POLÍTICOS Aí, desde a sua instrução político-militar, até à partida para Angola, o aluno futuro Comissário Político, estaria no seio do Povo e faria o seu tirocínio em contacto constante com os seus problemas, psicologia, línguas, usos e costumes peculiares. O futuro C.P. conheceria assim o Povo, tão profundamente quanto as suas mãos. Ele saberia interpretá-lo validamente, ele saberia guiá-lo seguramente, pelos caminhos da Revolução. b) a SECÇÃO FEMININA do EPLA. Esta secção teria essencialmente os seguintes objectivos: 1º – Colaborar estreitamente com a secção masculina, em todas as tarefas revolucionárias 2º – Organizar a defesa civil das populações 3º – Instigar a promoção social da mulher angolana, instruindo-a e educando-a, através de uma intensa campanha de alfabetização, higiene e descomplexação 4º – Socorrer doentes, velhos e crianças 5º – Praticar a enfermagem de campanha 6º – Cumprir missões especiais, nomeadamente as de espionagem, sabotagem e ligações. Deste modo, o MPLA que conscientemente tem desprezado a colaboração feminina, concorreria largamente para a emancipação da mulher angolana, fazendo-a participar activamente na Revolução. II – CAMPOS DE REFUGIADOS Aí seriam acolhidos todos os refugiados vindos das fronteiras, bem como as famílias dos soldados do EPLA. O Campo de Refugiados seria uma Escola, tanto para os próprios refugiados como para a Direcção Política. Aí, uns e outros estabeleceriam o grande diálogo que os angolanos ainda não encetaram. Nesse campo, políticos e militares inculcariam no espírito do Povo as noções de Unidade, Disciplina, Nação, Governo, Progresso, Democracia, Anti-tribalismo, Anti-racismo, Fraternidade dos Povos, etc, etc. Seria assim possível observar as reacções da massa e ir aperfeiçoando um sistema de educação e politização populares, à escala nacional. A Direcção Política poderia vislumbrar mais nitidamente os contornos socio-políticos da Angola que os angolanos honestos devem querer para Amanhã. Os militares, por seu lado, partiriam para Angola treinados física e espiritualmente, para as enormes tarefas e sacrifícios impostos pela dimensão da nossa luta. No Campo de Refugiados funcionariam: a) Um Asilo b) Uma creche c) Um Hospital-Maternidade d) Escolas e) Oficinas [em nota: Para a formação de quadros, sob a orientação de operários e mecânicos especializados, para ocupação das pessoas incapacitadas para a guerra, para recuperação dos diminuídos por ela]. A defesa deste campo ficaria a cargo dos soldados do EPLA e dos refugiados conjuntamente, quer no que se refere a ataques armados do inimigo, quer no que respeita a infiltrações. A admissão de cada refugiado deveria ser precedida de adequadas medidas de segurança. III – TERRENOS DE CULTURA E CRIAÇÃO DE GADO Para que o CIGC ganhasse a maior auto-suficiência possível, em matéria de subsistência dar-se-ia grande incremento à Agricultura e Criação de Gado. Esse trabalho seria feito conjuntamente pelos soldados e refugiados. Julgo sadia e fundamental essa confraternização no trabalho, no esforço construtivo, na concretização do binómio Povo-Exército de Libertação. Ter-se-ia assim a possibilidade de ensaiar uma economia de guerra. IV – DEPARTAMENTO DO CVAAR Este Departamento prosseguiria os seus fins naturais. Nele contudo, funcionaria – Uma Escola de Enfermagem À semelhança dos alunos da Escola de Comissários Políticos, os alunos da E.E. praticariam desde a primeira hora, em contacto estreito com os refugiados e os combatentes evacuados do front. Os cursos seriam mistos e teriam duas modalidades: Acelerado e Geral. Um e outro seriam teriam [sic] programa e duração designados por uma comissão técnica. ANEXOS DA ESTRUTURA DO EPLA Sugiro para o Exército Popular de Libertação de Angola a seguinte estrutura imediata: I – CONSELHO DE GUERRA Seria constituído por quatro políticos e quatro militares, respectivamente eleitos pelo Comité Director do MPLA e Estado-Maior do EPLA. Conservaria as funções actuais e judicialmente deliberaria em última instância. Só se reuniria a pedido de 2/3 do número total dos seus membros. À falta de qualquer deles, as deliberações do C.G. seriam tomadas por unanimidade, em oposição às deliberações por maioria, quando o C.G. funcionasse em igualdade numérica de políticos e militares. II – ESTADO-MAIOR Competir-lhe-ia aplicar em concreto a linha estratégica traçada superiormente pelo Conselho de Guerra; resolver os problemas quotidianos do EPLA e recomendar ao C.G. as nomeações, castigos graves, condecorações e promoções. O E.M. teria as seguintes Secções: a) – Operações b) – Recrutamento e Treino c) – Armamento de Municiamento d) – Reconhecimento e) – Policia Militar; com as sub-Secções de: – Segurança – Espionagem – Contra-espionagem III – INTENDÊNCIA IV – LIGAÇÕES – Este Departamento, além da carrinha Volkswagen e Jeep landrover, necessita de um camião. V – INFORMAÇÃO A nossa propaganda seria feita sob o título de “Informação” (Os argelinos aconselharam-nos a isso, como resultado da sua experiência). A Propaganda é uma arma e como todas as armas só atinge o seu alvo quando devidamente manuseada. A Propaganda é igualmente uma ciência e uma arte. Numa guerra revolucionária ela tem papel primordial. A experiência tem demonstrado largamente quão graves são as consequências duma má propaganda ou da sua falta. No caso do nacionalismo angolano recordem-se os efeitos sonoros que a UPA, bem ou mal, tirou duma certa propaganda, e as dificuldades com que se debateu o MPLA para atenuar as suas consequências... Nesse domínio a nossa actividade não tem correspondido, qualitativa ou quantitativamente, às necessidades enormes da nossa luta. Proponho que se faça uma conveniente e urgente utilização dessa arma, criando um Departamento especializado e que desenvolva largamente a sua actividade, sobretudo num plano de propaganda imagética. Com efeito, uma imagem vale mais que dez panfletos ou dez discursos. A nossa Propaganda deveria ser feita em: a) Português b) Francês c) Inglês d) Quimbundo e) Umbundu f) Quioco g) Kikongo deveria abarcar os seguintes sectores de opinião: a) Internacional b) Povo angolano c) Povo português d) Certos angolanos (traidores ou indecisos, de prestígio) e) Soldados angolanos e africanos, no Exército português f) Soldados do EPLA g) Colonos e Africanistas e deveria usar todos os meios, para consciencializar o Povo, transmitir palavras de ordem, esclarecer, prevenir, etc. VI – FINANÇAS VII – SANITÁRIO * * * * * DOS PONTOS DE APOIO DO MPLA – EPLA I – República do Congo-Brazzaville 1 – Ponta Negra II – República do Congo-Léopoldville Província de Léopoldville 2 – Luali * 4 – Matadi 3 – Boma * 5 – Songololo * 6 – Kimpangu * 9 – Popokabaka 7 – Kindopolo * 10 – Kassongo-Lunda 8 – Pangala 11 – Kahemba Província de Kassai 12 – Tshikapa 13 – Luiza * Já existem postos do CVAAR. DOS PONTOS DE LIGAÇÃO Província de Leo 1 – Madimba 4 – Kimbuba 2 – Thysville 5 – Kenge 3 – Kipemba 6 – Kikwit Província de Kassai 7 – Tshikapa 8 – Luluaburgo Esta rede permitir-nos-ia controlar, além duma faixa do Congo-Brazzaville, uma extensão territorial de cerca de 1.900 kms, dos 2.500 de fronteira com o Congo-Léo. Esse controlo abrangeria três ramos principais de informações constantes: – Presença e movimento das tropas portuguesas, ao longo das fronteiras – Influência e acções da UPA – Encaminhamento, protecção e controlo dos Refugiados DOS OBJECTIVOS DAS ACÇÕES MILITARES Penso que as acções militares do EPLA deverão visar fundamentalmente os seguintes objectivos político-militares: 1º – Reconhecimento da beligerância, por parte do inimigo, o que, num plano internacional se traduziria por um reforço das nossas actuais alianças políticas e uma conquista de novas adesões, nomeadamente das organizações internacionais que sustentaram a luta argelina. 2º – Criação de pelo menos duas bases no interior de Angola. 3º – Adquirir material ao inimigo. 4º – Estender a guerra a todo o território nacional, de forma a criar a insegurança geral definitiva e dividir as forças do inimigo. 5º – Organizar, instruir e enquadrar militarmente o Povo, para a Resistência prolongada. 6º – Flagelar o inimigo para o desmoralizar. 7º – Estabelecer contacto com os comandantes populares e fazer a sua atracção ou integração no EPLA. DAS ACÇÕES MILITARES DO EPLA Julgo que as nossas primeiras acções deveriam ser: I – Entrada de um Pelotão com missões de: a) Reconhecimento b) Criação de duas Bases c) Convívio estreito com o Povo e sua defesa Isto teria, a meu ver, dois efeitos psicológicos importantes: 1º – Levantaria o moral do Povo e seria um contra-ataque à campanha psicossocial fascista, à qual não podemos deixar de reconhecer certo êxito. 2º – Levantaria o moral da Direcção Política e dos militantes do MPLA, a quem impressionou a concessão do campo à UPA. Por outro lado, julgo que não tem sido cómodo aos políticos do Movimento, provar o nosso engajamento na luta armada – quando o próprio inimigo se recusou reconhecê-lo, em assembleia internacional – uma vez que não controlamos nem abastecemos os nossos hipotéticos maquis, nem comunicamos as suas acções militares... II – Envio de um Pelotão de Combate, ao encontro do Comandante Bomboko. Este destacamento seria comandado pelos camaradas Benedito, Mendes ou Carnot. III – Envio de um Pelotão para o Sul, fraccionando-se em três Esquadrões: a) Um com a missão de destruir o Caminho-de-Ferro de Benguela e criar duas pequenas bases ou depósitos de víveres e armas. b) Outro que ultrapassaria o CFB e criaria duas pequenas bases ou depósitos de víveres e armas, na região do Moxico. c) Outro de Reconhecimento e Convívio com as populações do Bié e Cuando-Cubango. IV – Envio de um Esquadrão de Reconhecimento para Cabinda, a fim de neutralizar as acções perniciosas dos estranhos partidos que por lá existem ou se pretendem impor. Léopoldville, 9 de Setembro de 1962 ---------------------------------
Plano de Centro de Instrução de Guerrilheiros-Comandos do EPLA (Secreto) (Léopoldville). Documento elaborado provavelmente por Manuel Lima.