Carta de Graça Tavares a Lúcio Lara

Cota
0047.000.050
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Graça da Silva Tavares
Destinatário
Lúcio Lara - MPLA-DOQ
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 CÓPIA F/M.28/2/63 Ao Chefe de Organização e Quadros Lúcio Lara LÉOPOLDVILLE Antes da minha partida de Léopoldville a bem do nacionalismo angolano, tive a paciência de falar consigo duas vezes mas sempre notei a arrogância com que me tratou e hoje estou admirado como me foi possível suportar. Julgo que na minha longa vida de humilde servidor da luta pela libertação de Angola, dei provas bastantes de honestidade, de competência, de coragem e desinteresse de lugares o que me permite não admitir a ninguém denegrir essas qualidades, mesmo quando se trate de angolanos verdadeiros! Constou-me que dias depois da minha partida de Léopoldville, correu em todas bocas um suposto roubo dos fundos em divisas do movimento, por mim, assim como o levantamento em meu proveito do saldo de uma conta na IMOAF. Dirijo-me a si porque a informação que tenho diz partir de si esse boato ou calúnia que considero muito baixa para quem se preza julgar-se dirigente de um movimento que foi o orgulho do Povo de Angola. Nunca me sujaria por tão pouco. Milhares de contos passaram pelas minhas mãos e nunca senti sequer a tentação de desviar um tostão. Mas afinal como poderia levar comigo as divisas do movimento, se nunca fui tesoureiro do mesmo e nem sequer soube quanto o movimento possuía? Concernente ao caso da IMOAF parece o assunto estar devidamente esclarecido pelo honestíssimo Matias Miguéis que incontestavelmente é o representante digno do povo de Angola. Além de outros motivos que me obrigaram a requisitar as passagens do Viriato e as minhas da Agência IMOAF, parece-me assistir-me o direito de o fazer porque tratava-se de transacções efectuadas na nossa administração. A vossa passagem na direcção do movimento todos sabem que foi de assalto, em especial ao capítulo de fundos. Essa sua atitude só pode ser justificada para defender os miseráveis parasitas e desviacionistas do movimento, só porque parcialmente servem os vossos desonestos interesses. Com essa fábrica de calúnias, com o desenvolvimento da intriga e do desentendimento a quem pensais servir? Simplesmente os vossos interesses e não os do Povo Angolano. Lamento dizer que hoje vós não representais senão os vossos interesses burgueses. Quando viram à frente do movimento honestos angolanos sem títulos mas dispostos a sacrificar-se, o grupo-classe sentiu-se perdido mas como este é fértil em manhas não tardou em dar o golpe que levou o nosso movimento no caos. Não Snr. Lara eu tenho em Angola um direito adquirido, filhos da minha própria mãe foram mortos pelas metralhadoras do Snr. Santos Costa outros encontram-se presos, meus filhos passam fome e miséria, eu mendigo um lugar para dormir e um copo de água para matar a sede, as fronteiras estão cheias de bons angolanos famintos e doentes, mais não quero se não a liberdade verdadeira de Angola. Não quero a troca de poderes para portugueses pintados de preto ou mulato. Não aceito dar o meu lugar aos enteados de Angola. Hoje duvido da honestidade de muito filho do colono, ele não é mais que o produto do pai. Qual foi o ambiente que o modificou? De Portugal?... Não aceito as palavras mansas dos pretos vendidos ao imperialismo, que directa ou indirectamente receberam deles favores porque se os cães são reconhecidos aos seus donos como não o serão homens. Se fizermos uma pequena análise dos dirigentes do MPLA de hoje, verificaremos, com poucas excepções que estes são directa ou indirectamente os extravagantes herdeiros do colonialismo português que por vezes chamam alguns capangas para servirem os seus interesses momentâneos e logo que deixem de interessar são postos de lado. Como se compreende que o vosso comportamento durante os três meses seja de ódio e desprezo para com os angolanos que prepararam as cadeiras, as mesas, as casas, o prestígio e os ministérios que sonham ocupar? Para o ódio, a ambição, o exclusivismo, a mentira, a traição, temos armas capazes, – a luta pela libertação verdadeira da nossa terra. Nós estamos empenhados numa luta em que as nossas vidas pouco importam; não se convençam amigos que nós fugimos do Congo ou de Angola ou da luta. Não, estamos firmes e prontos a entrar em combate com todos os prejudiciais da honra e da concórdia de Angola. Meu pai foi algumas vezes deportado e espoliado pelo colonialista mas até morrer não deixou de lutar. Eu nunca deixarei de lutar tanto contra os brancos colonialistas como contra os pretos, mulatos ou cabritos exclusivicionistas. Muitos sabem que depois da farsa das eleições, me ofereci a colaborar no movimento. Um mês e tal sem resposta. Métodos tipicamente do governo de Salazar. Agora compreendo, havia mais interesse de ter lacaios mesmo quando sobejamente são conhecidos desonestos e caluniadores. Hoje ninguém já está iludido quanto ao vosso desejo, sabemos de onde vieram e para onde pretendem ir. Para terminar pretendo deixar bem claro que nada mais tenho a entregar ao movimento, porque [de] nada me apoderei legal ou ilegalmente. Deixei tudo do movimento ao movimento e talvez mais alguma coisa. Devo até lembrar que os compromissos assumidos pelo movimento quanto a mim não foram cumpridos. Pois se alguma coisa vos falta peçam-na aos vossos estimados colaboradores que foram extractores. Energicamente protesto contra a ridícula acusação de ter levado fundos do ­Movimento. Do membro do MPLA a) Graça da Silva Tavares [com rubrica]

Carta (Doc. F/M.28/2/63) de Graça Tavares a Lúcio Lara (MPLA - DOQ)

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