Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»
– Relatório pessoal ao Departamento de Segurança do MPLA – Março 63 rel. nº 1 Este relatório foi enviado via J. B., Rabat, a 15.3.63. Ao original foram acrescentados novas informações entretanto sugeridas. Sumário: 1 – A FUA a) Reconhecimento do problema: a colonização de Angola como elemento fundamental do triângulo económico. b) Reacção do colono antigo: grupos aderentes. c) Razões da oposição branca que levaram à criação da FUA. d) As represálias de Lisboa: a viagem de Adriano Moreira. e) Política de povoamento – elemento fundamental do equilíbrio socio- -económico de Portugal e simultaneamente elementos de estratégia militar. f) O que é que a FUA reivindica. g) A FUA no exterior. Manobras de isolacionismo. h) Conclusões. 2 – Nova estratégia militar do Exército Português. a) o isolamento do Norte de Angola até ao rio Dande pela “Zona dos Kibuzes”. b) Valor estratégico da Zona dos Kibuzes. c) O Plano dos Kibuzes. d) O executor do Plano, Rebocho Vaz, governador do Distrito do Uíge e os meios postos à sua disposição. e) Orçamento e disponibilidades militares. f) O Pacto Ibérico. g) O armamento português. Necessidade de renunciar às disponibilidades dos fornecimentos da NATO. h) Conclusões. 3 – Estratégia de Guerra da Diplomacia Salazarista a) Características da posição diplomática de Portugal no Mundo. b) O Pacto Ibérico e o Norte de África. c) Portugal na Europa. d) Portugal na NATO e na ONU: a experiência de Goa. e) O Pacto dos Açores. f) A Entente Africaine – o rio Zambeze fronteira do nacionalismo africano. g) Conclusões. 1– Os elementos que caracterizam o colonialismo português em Angola, no seu aspecto económico-político são: a) é um colonialismo de tipo de povoamento, em que o colono é normalmente em Portugal um elemento indesejável no plano social: desempregado ou pertencente ao sub-proletariado agrícola. Por consequência, a colonização de povoamento é um importante elemento de equilíbrio social da “metrópole”, e para ela são encaminhadas todas as camadas de população em desequilíbrio económico ou social. b) a integração económica das colónias é feita através do tráfico, i. e., através da exportação de produtos coloniais para o “Estrangeiro” e a importação dos lucros para a “metrópole” através de divisas ou produtos industriais, isto em contradição com o tipo clássico de integração vertical seguido por todos os outros países imperialistas, em que o lucro da exploração colonial é feito através da transformação das matérias primas pela indústria da “metrópole”. (O tipo de economia de tráfico foi seguido pelas potências imperialistas no tempo da exploração esclavagista, que coincidiu nas metrópoles com a acumulação primitiva que precedeu à industrialização. Sobre este assunto ver o rel. nº 3 sobre a economia comercial de Angola). Do ponto de vista económico, a exploração colonial é condição indispensável para cobrir o déficit da balança comercial de Portugal, através da venda ao Estrangeiro de matérias-primas coloniais. A Economia de Angola deixa-se representar pelo seguinte quadro simples, em que o circuito económico está representado pela linha a cheio (as médias estão calculadas relativamente ao decénio 50-60 com aproximações correspondentes aos dados de 1961. Fonte: Relatório anual do Banco de Angola). ESQUEMA EM PIRÂMIDE QUE RELACIONA ECONOMICAMENTE PORTUGAL, ANGOLA E O ESTRANGEIRO Exp. de Angola para os USA. . . . . . . . 22% (café) para a Ingl. . . . . . . . . 21% (diam.) para Portugal . . . . . . . 20% (alg., óleo veg. e alim.) Da análise do circuito económico de Angola, conclui-se que o colono é relativamente à Metrópole um elemento de produção não integrado na economia da Metrópole, uma vez que é “exportado” para Angola em condições que o obrigam a fixar lá residência, constituindo-se assim num elemento-motor da Economia de Circuito. Os únicos produtos da exportação de Angola absorvidos pela indústria de Portugal são o algodão e os óleos vegetais, que são consumidos pelos monopólios de tecido e pela CUF. O seu trabalho é empregue directa ou indirectamente no equilíbrio da Economia de Portugal, que por seu lado não tem lugar para o empregar como força de produção se ele quiser regressar à sua terra, nem lhe pode garantir o nível de vida que ele tem como colono. Estas razões económicas levaram à cristalização de grupos de colonos que estavam à altura de compreender o seu papel na Economia portuguesa, que se alia ao facto de ser um indesejado social antes de ter ido para Angola. A omnipresença do Ministério do Ultramar é a causa imediata do mal-estar e a descentralização administrativa que tinha sido preconizada por Norton de Matos e que permitia ao colono uma certa margem de liberdade em relação à “metrópole” foi rejeitada por Salazar, assim como a ideia de criação de Alto Comissariados em lugar de um Governo Geral que recebem ordens de Lisboa. Os grupos de colonos nestas circunstâncias são fundamentalmente os comerciantes (o chamado “bom branco”), funcionários graduados da Administração colonial, topógrafos, intelectuais e um pequeno número de oficiais do Exército. Os principais centros desta oposição são Nova Lisboa, Benguela, Lobito e Luanda. A evolução dos acontecimentos desde 1960, principalmente o início da Luta armada em 1961, levou à evidência de que só havia a escolher entre uma oposição contra Salazar do tipo OAS1, isto é, no sentido de manter a dominação colonial em Angola, ou então aceitar o princípio da Independência e de uma direcção política africana de carácter formal, i. e., uma solução neocolonialista sui-generis, porque põe de parte uma colaboração estreita com Portugal, a “metrópole”. Uma vez que o colono antigo do tipo “bom branco” está económica e socialmente muito afastado da metrópole, a solução do tipo OAS não serve e só poderá seduzir o colono recém-chegado. Em qualquer das hipóteses o colono não põe o problema de um possível regresso a Portugal depois da luta. Este movimento é fundamentalmente dirigido pelos próprios brancos contra Portugal e no caso presente contra Salazar. As razões que levaram à formação daquele movimento podem ser sistematizadas da seguinte forma: 1º situação económica e social de Portugal que os obriga a arranjar [um] modo de vida e radicarem-se em Angola, transformando-os depois de forma egoísta em elementos de produção para seu proveito exclusivo, atingindo-os ainda por uma administração que não tem em conta os seus interesses, que obriga a vender os produtos destinados a Portugal a preços inferiores aos do mercado internacional, não permite o comércio directo com o Estrangeiro e desde 1957 cria entraves aos movimentos de bens e divisas, mesmo com Portugal, por motivos da chamada crise cambial; 2º chauvinismo económico dos grandes proprietários que recusam a reinvestir os rendimentos em Angola, preferindo imobilizá-los em prédios em Portugal; 3º receio de que a opinião pública da “metrópole”, na fase mais grave da luta se desinteresse do destino dos colonos, tanto mais que os “recém-chegados” regressarão em grande parte a Portugal, a aumentar a legião de desempregados e o custo de vida; 4º avaliação demasiado optimista da fraqueza do regimen de Salazar e da força da oposição em Portugal; 5º necessidade de assegurar um futuro que a “metrópole” não pode oferecer. Sobre estas razões foi-se generalizando o movimento que atingiu a sua forma mais ostensiva em fins de Março de 1961, em que se deslocou à Lisboa com uma delegação de colonos, sob a presidência de Américo Aleixo, presidente da Associação Comercial de Luanda e delegado ao Conselho Legislativo para defender os interesses dos patrões. A delegação tinha como objectivo oficial reivindicar uma maior eficiência da parte de Lisboa em reprimir o nacionalismo africano, mas os seus verdadeiros objectivos eram mostrar que os colonos eram uma força em Angola com que a “metrópole” tinha que contar, e assim a par da representação ao terrorismo foi também pedida uma maior liberdade económica e administrativa. Salazar e o seu ministro do Ultramar, Adriano Moreira, entenderam bem o fundo da questão e a reacção não se fez esperar. Adriano Moreira, depois de uma rápida viagem a Angola, decidiu reprimir radicalmente o movimento com as seguintes medidas: 1º foram presos todos os elementos suspeitos de defenderem ideias separatistas, ou foi-lhes fixada residência em Portugal. O pequeno grupo que conseguiu escapar à perseguição da polícia refugiou-se no Estrangeiro e constituiu-se em Comité Director da FUA, Frente Unida Angolana; 2º seis meses depois do início da luta foram transferidos todos os funcionários administrativos não-seguros para o sul do rio Cuanza. Em seu lugar foram colocados funcionários da confiança do governo, todos bons conhecedores das populações e da sua psicologia e iniciados nos métodos da guerra psicológica. O tipo característico deste funcionário é o administrador do distrito do Uíge, Rebocho Vaz, que tomou parte activa na depuração de elementos fuistas. 3º Foram expropriadas as fazendas a Norte do rio Dande a todos os agricultores que não se submeteram à disciplina militar. As fazendas foram transformadas em “fazendas- -fortes”, do tipo dos Kibuzes israelitas, geridas por um agricultor-soldado e completamente auto-defendidas (ver por exemplo foto nº 9 do relatório nº 2 – e que mostra o interior da Roça Santarém, transformada em kibuze “P2R2”, durante as operações de contra-ataque dos inimigos, depois da ofensiva de 61). Foi assim criada a “Zona dos Kibuzes” que pretende isolar metade dos 2.000 kms da fronteira com o Congo e que hoje é o mais importante elemento da nova estratégia defensiva do exército português em Angola. Dentro deste plano, foram licenciados 5000 soldados do exército estacionado no Congo e transformados em roceiros de café (informação da revista alemã “Aussenpolitik” especialmente dedicada a assuntos da actualidade internacional que interessam os meios diplomáticos e consulares, nº 10, Out. 63). 4º Foram introduzidas modificações legislativas e de carácter administrativo, das quais a mais importante foi a divisão do distrito do Congo em dois distritos: Zaire com capital em São Salvador e Uíge com capital em Carmona. Foram além disso promulgados os novos regulamentos do “trabalho indígena”, que elimina formalmente o trabalho forçado, foi revogado o estatuto do “indígena” e modificado o nome da taxa pessoal anual ou imposto “indígena”. Estas medidas foram o início de uma série de “reformas” que foram consequência directa do início da luta armada e da efectivação do princípio – “segurança só através do povoamento branco” – que atinge simultaneamente os objectivos de resolver os problemas sociais e económicos de Portugal e de opor uma barreira ao nacionalismo africano pela criação de Zonas de Kibuze que isolam os focos de resistências (discurso de Adriano Moreira depois da sua visita a Angola). A prontidão com que a repressão salazarista agiu leva à conclusão de que a FUA nunca deve ter existido como organização, sendo de duvidar que os diferentes grupos tenham tido qualquer acção clandestina que ultrapassasse o aliciamento de novos aderentes, ou a recolha de abaixo-assinados de protesto. Apesar disso é necessário ter em conta que a FUA é expressão de razões objectivas, inquietudes e ambição dentro da população branca de Angola há muito radicada e que este elemento estático pesará em todas as oportunidades que a luta fornecer. Os seus objectivos secretos são a criação de uma espécie de Commun welth [sic] englobando Angola, a Guiné e Moçambique e que teria as portas abertas ao Brasil. Aceitam o princípio da Independência de Angola e de uma direcção política africana de assimilados de “pensamento de branco” e que garanta a não-discriminação racial e afaste Angola do caos e das lutas tribais (fonte de informação “Aussenpolitik”). Em meados de 1962 apareceu nos meios de exilados portugueses um novo agrupamento formado de indivíduos que escaparam às depurações de fuistas em Angola, que se apresentou como Comité Director da FUA – Frente Unida Angolana. Até Março deste ano, este agrupamento estabeleceu confusão nos meios interessados no nacionalismo angolano, apresentando-se como movimento nacionalista englobando também negros e mulatos e o único que tinha o controle dos nacionalistas do Centro e Sul de Angola. Em Conferência de Imprensa, declarações a jornalistas e em manifestos traduzidos em línguas estrangeiras, a FUA apresenta-se como sendo um movimento africano e tendo participado no início da luta armada, e embora tenha editado um jornal especial dedicado ao 4 de Fevereiro, numa entrevista a um jornal belga apresenta recentemente a data de 15 de Março como o início da luta armada em Angola. Estas manobras feitas no isolacionismo têm como finalidade apresentar a FUA como um movimento nacionalista africano e activo e conseguir alianças exteriores antes de se apresentar para discussão objectiva com os movimentos nacionalistas angolanos. Entretanto os efeitos da sua propaganda têm-se feito sentir e a FUA goza de apoios na Bélgica e França, abriu um bureau na América (informação oral de Luís de Almeida) e pretende abrir um outro em Argel, para o que conta já apoios. Presentemente estão em Argel (última semana de Abril), além do representante da FUA, um branco de Moçâmedes que casou em Paris com uma angolana mulata, e da sua mulher, dois membros do Comité Director, um tal Mendes, topógrafo dos Caminhos de Ferro de Moçâmedes, e de Adolfo Maria, o secretário-geral da FUA, empregado comercial de Luanda. Segundo informação oral colhida do Mendes, a FUA não está disposta a colaborar com o MPLA enquanto este continuar a rejeitar militantes brancos, e assim seria levada a fazer uma aproximação com a UPA, embora isso representasse um certo risco. Informações complementares dizem [que] os meios anti-colonialistas americanos chegaram a um gentleman’s agreement com a FUA que garante a segurança dos brancos numa independência negociada sob pressão americana com a UPA, desde que eles garantam a presença dos quadro necessários para evitar o caos. Assim seria vedada a “entrada” em Angola aos quadros africanos do MPLA. Conclusões: O MPLA deve encarar desde já uma conduta definitiva relativamente à FUA e que diga respeito ao futuro da população branca de Angola. Da exposição feita e dos factos que cada dia se vão amontoando, impõe-se como primeira precaução, que a FUA seja encarada tal como é: um Movimento de “brancos bons” que querem assegurar o seu futuro em Angola e que, aproveitando-se das condições de luta pela independência comandada do exterior, está tentada a fazer um jogo de oportunismo para manter a supremacia da sua influência durante a luta e na Angola independente. É prematuro atar qualquer tipo de relações com a FUA antes dela se apresentar na sua verdadeira face, a não ser que surja uma oportunidade de ela colaborar como informadora na luta armada contra os portugueses. Mesmo nestas circunstâncias, a colaboração da FUA deve ser incondicional. Para a FUA adquirir a sua verdadeira face é necessário que ela faça um esforço sério no sentido de enquadrar a população branca de Angola e impedir que ela tome parte activa na guerra colonial, orientando a sua propaganda e a sua actividade não no sentido de aliciar os nacionalistas africanos ou as alianças do exterior, mas sim o colono que participa no exército inimigo e nas milícias. A FUA deverá também colaborar com a oposição democrática em Portugal por forma a que o soldado e o colono estejam sob a sua influência antes do embarque para África. Este aspecto é tanto mais importante quanto o soldado-colono e a organização dos Kibuzes são hoje os elementos mais importantes da estratégia do exército português. Sem ela satisfazer estas condições, a FUA será necessariamente um grupo de oportunistas que querem assegurar a presença em Angola do colono como grupo eternamente privilegiado, cuja presença é em parte, indesejável para o futuro e paz de Angola. Um outro aspecto é necessário concluir sobre a FUA. O factor mais importante das discussões com Portugal, quando a luta do povo o obrigar a aceitar a Independência, será sem dúvida o problema demográfico dos colonos, uma vez que, quebrado o triângulo económico, Angola deixará de jogar o papel preponderante no equilíbrio da economia de Portugal. Depois da retirada dos soldados e da fuga dos colonos que podem assegurar a sua subsistência em Portugal, restará ainda uma fracção da população branca, que não é inferior a 30% do total, cuja presença em Angola é indesejável, senão impossível, e cuja presença em Portugal será um grave factor de desequilíbrio social e económico. Trata-se fundamentalmente da população dos colonatos, dos desempregados, dos cauteleiros, dos calceteiros, do pequeno comerciante que explora o comércio de fuba com a população angolana, e da legião de funcionários que têm o seu vencimento orçamentado nos impostos e multas que pesam sobre a população angolana. (Por exemplo os funcionários dos Serviços de Administração Central de Luanda são pagos com as multas aplicadas aos “indígenas” bêbados). Há um grande número de colonos que mantêm a população africana no desemprego. Tudo leva a crer que Portugal, para se desfazer dessa gente, exija que lhes seja dada a nacionalidade angolana e assegurada a sua segurança em Angola. Não se pode aceitar por parte da FUA ou de Portugal uma tal exigência, porque essa gente sem profissão produtiva será factor de graves desequilíbrios depois da Independência, e a sua presença, além de comprometer a presença da população branca aproveitável é contrária ao progresso económico e social da Nação. Este aspecto já foi posto em jogo pelo governo de Salazar, que durante a visita de Dean Rusk2 a Lisboa no ano passado, deu a entender aos seus aliados americanos que o regresso de quase um quarto de milhão de portugueses de Angola seria um factor de desequilíbrio que levaria com certeza a uma segunda guerra civil na Península, desta vez com grande vantagem para os comunistas, tendo em conta a situação de Portugal, depois da Independência de Angola (recolhida a informação de “Aussenpolitik”). Este deve ser o secreto motivo do interesse crescente que a América deposita na FUA, e do seu sucesso junto dos meios capitalistas que também investem em Portugal. 2. Seis meses depois do início da luta armada, precisamente em 1 de Outubro de 1961, tinha o Governo Português realizado a primeira fase do seu plano de segurança em Angola e estava pronto a resistir à nova campanha de guerrilha nacionalista. Aquela data coincidiu, não por acaso, com a abertura da campanha do café (o chamado 1º semestre do ano cafeeiro, que dura até Março). O plano posto em execução depois da visita de Adriano Moreira a Angola, consiste fundamentalmente em isolar o rectângulo que vai da fronteira norte a uma linha paralela àquela fronteira, passando pelo rio Dande em direcção à fronteira da Lunda, através da organização de um sistema de fazendas-fortes semelhantes aos Kibuzes israelitas. O objectivo deste plano é isolar “completamente” os dois mil kilómetros da fronteira norte de Angola, metade dos quais, correspondentes à fronteira da Lunda, têm a defesa assegurada pela milícia da Companhia dos Diamantes. A importância estratégica da Zona dos Kibuzes apresenta dois aspectos: 1 – é o único acesso para apoiar do exterior a organização da luta armada, uma vez que as fronteiras da Rodésia e Sudoeste Africano são inacessíveis aos nacionalistas, por motivo do pacto “Entente Africaine” que liga Portugal, as Rodésias e a União Sul Africana. 2 – a zona abrangida pelos Kibuzes tem uma importância fundamental na economia angolana, visto que o conjunto das regiões do Congo e Cuanza-Norte produz 60% do total da produção de café destinada à exportação. É a exportação de café angolano que coloca os Estados Unidos como primeiro cliente de Angola (com 22% do valor total das exportações) e assegura a Portugal as divisas e dólares indispensáveis ao equilíbrio da sua balança comercial. Os objectivos em vista são pois barrar a onda do nacionalismo que vem do Norte e simultaneamente assegurar o stato quo económico que permite a cobertura da dívida externa de Portugal, que até 1930 constituiu o principal obstáculo ao imperialismo português. O plano dos Kibuzes consiste em transformar a zona a Norte do rio Dande numa região fortificada, de que depende actualmente a “defesa” do inimigo em Angola. Em 1961 foram fixados nessa zona 5.000 soldados das forças estacionadas no Congo, que foram transformados pelo estado português em fazendeiros. Cada fazenda é um forte e o seu proprietário-soldado tem à sua disposição no local da roça homens, armas, munições e meios de comunicação por forma a poder resistir a qualquer ataque até à chegada de reforços. Deverá além disso conhecer perfeitamente a topografia do terreno. Na instalação dos kibuzes foram gastos em 1961 mais de 400 milhares de contos (fonte de informação “Aussenpolitik”). Além disso foi elaborado um mapa em que estão indicadas as sanzalas em que se regista agitação assim como estimativas do número de angolanos refugiados no mato. Segundo o plano elaborado, essas sanzalas deverão desaparecer nos próximos anos e em seu lugar deverão ser construídas sete novas cidades com capacidade de enquadrar [em] cada uma delas 1.000 angolanos como trabalhadores. Para esta parte do plano estão orçamentados 1 milhão de dólares (cerca de 27 milhares de contos) (fonte de informação “Aussenpolitik”). Um estudo do mapa da região, tendo em conta as posições estratégicas dos locais, a proximidade de um campo de aterragem (sobre a localização dos campos de aterragem e aviação, consultar o mapa que acompanha o relatório do sub-comité da ONU sobre Angola) e de uma estrada importante, levou à identificação dos locais como sendo: Iena, Damba, Cuito Futa, Bembe, Nova Caipemba, Sanza Pombo e Negage. É para estas localidades que deverão ser encaminhadas as populações, um vez que as sanzalas nas regiões respectivas foram sucessivamente desmanteladas. O distrito do Congo foi dividido em dois distritos: Zaire, com capital em São Salvador (Mbanza Congo) e Uíge com capital em Carmona (Uíge). Foram afastados para o sul do Cuanza todos os funcionários administrativos pouco “seguros” e nos seus lugares foram postas pessoas da confiança do Governo, todas conhecedoras das populações africanas e iniciadas nos métodos da luta psicológica. O tipo deste funcionário é o actual governador do Uíge, Rebocho Vaz, que jogou um papel importante no genocídio efectuado na execução do plano dos kibuzes (fonte de informação: “Aussenpolitik”). A execução deste plano, assim como o conjunto das despesas militares, exigiu a procura de novas fontes de receita por parte do governo de Salazar, tanto mais que em 1961 o déficit da balança comercial de Portugal aumentou de 45% com a compra ao Estrangeiro de material de guerra e com a execução do plano de apetrechamento da marinha mercante. O déficit foi ainda agravado pelo pagamento da contribuição de Portugal ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o que provocou a venda de divisas e a diminuição das reservas de ouro (fonte de informação: Relatório do Banco de Angola). O negociamento do aluguer da Base das Lages com os USA apresentou-se como a fonte de receita procurada a que se veio juntar um empréstimo feito à Alemanha Ocidental. O orçamento do Estado Português em 1963 monta a 14 milhões de contos e tem orçamentada a despesa de 3.485 milhares de contos para as forças armadas. As despesas militares realizadas em 1961 foram de dois milhões e meio de contos e o aumento anual verificado tem sido de meio milhão de contos (fonte de informação: Emissora Nacional de Lisboa). A despesa real é no entanto mais elevada, tendo em conta que a construção de aeroportos e comunicações militares, assim como a cartografia do Exército estão incluídos no plano de Fomento. (Por exemplo o levantamento cartográfico de Angola, adjudicado por duas firmas especializadas, está orçado em 119.100 de contos e deverá estar terminado em 1964. Em 1962 encontravam-se já impressas 78 folhas correspondentes à cobertura das regiões a ocidente do meridiano 18). O orçamento provincial de Angola, que monta a três milhões de contos, contém uma despesa de 220.000 com as forças armadas e marinha. Além das preocupações financeiras, outro problema grave que põe a guerra colonial é a falta de homens para mobilizar. Portugal tem estacionados em Angola 30.000 soldados e 15.000 em Moçambique (fonte de informação: “QUATRIEME INTERNATIONAL”). As estimativas dão para os efectivos totais do Exército Português cerca de 90.000 homens, dos quais portanto metade está em Angola e Moçambique. Em circunstâncias desesperadas, o máximo de soldados estacionados em Angola nunca será superior a 60.000 tendo em conta as exigências da ditadura em Portugal e a guerra nas outras Colónias. Além disso, a população activa de Portugal é inferior a três milhões e meio e metade do crescimento natural da população é absorvida pela emigração (fonte: “Tendences démographiques de l’Europe Occidental”). Estas realidades fizeram com que o Governo Português lançasse mão de um Pacto de assistência mútua assinado em 1939 com Franco, o Pacto Ibérico. Assim foi posto em execução um plano de unificação das forças armadas ibéricas, cuja cláusula principal prevê o estacionamento de forças espanholas em Portugal, por forma a que o Exército Português tenha as mãos livres para a Guerra Colonial. A realização deste plano em grande escala está entretanto subordinada às condições políticas na própria Espanha. Além de dar ao Exército Português o reforço de que necessita, evita que as forças armadas se associem a um levantamento popular (como o de Beja) e activa o ódio do povo contra os espanhóis, necessário para evitar um Revolução geral na Península Ibérica (fonte de informação: “QUATRIEME INTERNATIONAL”). No que respeita a armamento, o exército português teve em parte de prescindir das disponibilidades que lhe fornecia a NATO, por motivos de uma campanha organizada pelos seus próprios aliados para impedir que o prestígio da NATO se comprometa numa luta colonialista sem vitória possível. Portugal teve portanto que recorrer a compras particulares na França e na Alemanha. Sobre este aspecto é elucidativo que o cônsul de Portugal em Colónia seja o fabricante de armas alemão MAUSER e técnicos alemães das forças aéreas da secção I – Armamento, visitaram Portugal em Janeiro deste ano. Esta visita precedeu a do antigo ministro alemão das forças armadas Francisco Strauss realizada em fins de Fevereiro último. Conclusões: A nova táctica concebida pelo exército português consiste em isolar o Norte de Angola por uma zona de Kibuzes, pretendendo realizar assim a defesa da única frente de batalha importante e ao mesmo tempo assegurando a economia de uma zona vital. Este plano, concebido a princípio nos moldes dos planos americanos utilizados no Vietname na luta contra as guerrilhas comunistas, teve o seu êxito contrariado pela falta de eficiência e de meios do inimigo, para o território tão vasto. Como as sanzalas das zonas estratégicas têm sido progressivamente eliminadas, o esforço de enquadramento das populações deve ser dirigido para os centros de reagrupamento e para as zonas dos refugiados do mato. Isto impõe uma nova táctica por parte das forças nacionalistas porque a infiltração nas roças deve ser difícil. Fica assim aberto caminho para um reforço das nossas forças nas zonas não ocupadas pelos kibuzes, que terá por conclusão a conquista de território e a evolução da luta no sentido de guerra em campo aberto, única que parece eficaz contra os kibuzes. Isto entretanto impõe a solução dos problemas logísticos de comunicações e abastecimentos. As finanças do governo de Salazar estão hoje em altura de aguentar o esforço de guerra por alguns anos, embora as despesas militares sejam crescentes e a organização de uma guerra a 8.000 kms de distância exigir grandes investimentos. O ponto mais fraco do exército português é a falta de gente para mobilizar. A população activa de Portugal ultrapassa em pouco mais de um milhão a população activa de Angola e os 60.000 homens de que o exército português poderá dispor em Angola, mesmo tendo em conta a contribuição das milícias dos colonos, não poderá aguentar uma luta generalizada para além de Cuanza (a estratégia actual do exército português quer impedir a infiltração da guerrilha para além do rio Dande, 100 kms a norte do Cuanza). Como meios de acção indirecta para os nacionalistas, apresenta-se a agitação na Península Ibérica, por forma a dispersar as atenções dos exércitos espanhol e português. É necessário além disso denunciar à opinião pública a natureza do Pacto Ibérico e a sua importância na Guerra Colonial. O prosseguimento normal da luta dos kibuzes, i. e., entre o rio Dande e a fronteira do Congo, apresenta actualmente dificuldades estratégicas que podem facilitar a evolução da guerrilha para a luta em campo aberto com morteiros e flacks. Entretanto, sem estarem assegurados em Léopoldville apoios logísticos consequentes, a luta nesta frente apresentar-se-á difícil. Como solução apresenta-se a necessidade de melhorar rapidamente as nossas relações com os governos central e provincial e com as autoridades locais. Por outro lado a abertura da frente de Cabinda (o nome desta antiga província do nosso reino do Congo é Ngoio) apresenta as vantagens de os meios de contacto a partir do Congo-Brazza serem melhores. 3. O triunfo mais popular da ditadura de Salazar foi de ter livrado Portugal de um déficit crónico e de constantes empréstimos ao Estrangeiro que tinha de contrair para cumprir as suas obrigações. Este objectivo realizou Salazar através do regresso às formas primitivas de exploração colonial do tempo da escravatura – o chamado tráfico triangular – visto que a economia de Portugal não permitia outro tipo de exploração colonial. Assim, pela venda directa dos produtos coloniais ao Estrangeiro, Salazar conseguiu transformar o déficit de Portugal num superavit que se manteve até ao início da guerra de Angola. Com Salazar foi iniciado um novo período de diplomacia portuguesa, em que Portugal não tinha que enfrentar as pressões dos credores, o que lhe permitiu jogar um papel de nação imperialista, que até então lhe estava vedado, apesar do seu imenso império colonial. Desta maneira, Portugal apresenta-se como uma das Nações de mais sólidas finanças, embora o povo continue na miséria, prescindindo da ajuda americana à Europa depois da Guerra e alugando a base dos Açores por uma soma insignificante. A reconstrução da Economia Europeia e a descolonização vieram trazer ao problema dados novos, mas não modificaram a táctica de diplomacia salazarista, que se deixa analisar pelos seguintes pontos: 1 – Criar à volta de Portugal e das colónias o que no mundo diplomático é conhecido pelo nome de “Cortina do Silêncio”, que consiste em impedir a entrada de novos investimentos estrangeiros e fechar as fronteiras aos observadores. Os grandes investimentos de capital estrangeiro em Angola, Companhia de Diamantes e Caminho-de-Ferro de Benguela, datam da época pré-salazarista. Depois da descolonização, vulgarizou-se nos meios imperialistas o lema de que era necessário abrir as portas das antigas colónias ao capital das nações ocidentais, sem discriminação por parte das antigas metrópoles para assegurar a estabilidade do capitalismo internacional e a empresa imperialista do ocidente e impedir a ajuda das nações socialistas. Este princípio, entretanto, não foi aceite por Portugal que continuou a praticar o chauvinismo económico cerrando a “cortina do silêncio”. Só a título excepcional, e depois de longas negociações, é que Salazar permitiu fazer algumas excepções neste aspecto (por exemplo recentemente com o consórcio formado pelas firmas Krupp, alemã, e Hoejgaard und Schultz, dinamarquesa), salvaguardando sempre a presença do capital português, uma comparticipação do Estado e a presença de quadros portugueses. Estas excepções foram feitas em troca de concessões por parte dos governos interessados. Este aspecto é de salientar porque a oposição democrática em Portugal afirma que Salazar “vendeu as colónias ao Estrangeiro”, o que não corresponde à realidade dos factos e porque os capitalistas interessados afirmam exactamente o contrário. 2 – Como consequência da política de isolacionismo, Portugal permitiu-se fazer manobras entre os diferentes grupos, procurando sempre tirar partido das contradições entre as diferentes forças imperialistas. Esta facilidade de movimentos tem sido uma das dores de cabeça das grandes nações imperialistas. Os trunfos da diplomacia portuguesa são resultantes do facto de Portugal não se engajar nunca em nenhuma das forças em presença, tirando partido das contradições entre elas. A história recente está cheia de exemplos dos quais o mais interessante é hoje a aproximação com a França, apesar da rivalidade anglo-francesa e de ser a Inglaterra o mais poderoso aliado e o advogado mais seguro de Portugal. Para isso Salazar tem na mão o trunfo dos activistas franceses da OAS que acolheu no seu território, e que entregará quando ajustar com a França um preço razoável. 3 – A negociação do aluguer da base das Lajes nos Açores tornou-se a terceira determinante da diplomacia salazarista. Por esta base chamada Singapura do Atlântico, passa 80% do tráfico aéreo total entre os Estados Unidos e a Europa. A sua posição estratégica é praticamente insubstituível. Em 1943 concedeu o Governo português, pela primeira vez, a utilização desta base aos ingleses durante a “Batalha do Atlântico” da segunda guerra mundial. Os americanos como amigos dos amigos de Portugal, entraram nos Açores em Outubro de 1943. A seis de Setembro de 1951 foi assinado entre Portugal e os USA o tratado dos Açores, que terminou com o estatuto do tempo de guerra e concedeu aos americanos a utilização da base das Lajes. O tratado foi prolongado em 1957 terminando o novo prazo em fins de 1962. A condição mais interessante para os americanos é que Portugal exigiu pelo aluguer uma soma insignificante. Transformou-se assim os Açores na mais importante base de tráfico americana na Europa. Esta importância estratégica em nada foi afectada pelos recentes progressos técnicos (foguetões e submarinos) e pelo contrário aumentou, visto que Marrocos está disposto a rever a presença de bases americanas no seu território e o prazo do tratado de aluguer destas bases assim como as da Espanha termina em 1963. Salazar conhece bem o valor do trunfo que tem, e só pela prorrogação do tratado durante as discussões do novo texto, exigiu o pagamento de 80 milhões de dólares pelo aluguer e uma promessa de que o Governo americano não daria auxílio aos nacionalistas angolanos e que teria uma atitude menos activa na ONU relativamente à condenação do colonialismo português. Assim, além de fonte de receita, o tratado dos Açores transformou-se na única defesa de Portugal contra a ONU, uma vez que são de inspiração americana as iniciativas da ONU em África. A diplomacia portuguesa está disposta a empregar este trunfo o tempo necessário até chegar a um “gentlemen’s agreement” que Salazar considere seguro. Todas as outras alianças de Portugal estão presentemente a postos para impedir uma possível perda de paciência da América e defender Portugal contra qualquer ultimatum no que respeita à concessão da base das Lajes. A cortina de silêncio à volta das colónias, o chauvinismo económico e o trunfo dos Açores são hoje as constantes da diplomacia salazarista, que atravessa actualmente a crise imposta pela luta de libertação. As divergências entre Portugal e a América, por motivo da liquidação do colonialismo, vão agravar-se com o tempo, a medida que as vitórias do nacionalismo angolano se forem tornando decisivas. A revisão do pacto dos Açores e as perspectivas de uma revolução em Portugal por motivo do desequilíbrio social provocado pelo regresso dos colonos, farão com que América procure ganhar tempo, por forma a que se criem condições mais satisfatórias para o aparecimento de uma solução. O conjunto das nações ocidentais não está disposto a apoiar Salazar, uma vez que ele não lhes pode dar nenhuma contra-partida e antes pelo contrário impede a intervenção do capitalismo internacional em Angola. Relativamente aos seus aliados na NATO, a táctica da diplomacia salazarista terá de ser necessariamente de oportunismo, tentando tirar partido de todos os diferendos. A própria aliança com a Inglaterra que se tem mostrado eficaz, perderá grande parte da sua importância quando a federação das Rodésias e Niassalândia ficar definitivamente resolvido, o que se anuncia para breve. As duas alianças de Portugal fundamentadas em interesses comuns são presentemente o Pacto Ibérico e a “Entente Africaine” assinada com a Federação das Rodésias e do Niassalândia, o Katanga e a União Sul-Africana. A eficácia do Pacto Ibérico depende actualmente das condições internas da Espanha e das exigências a que ela se tem de submeter no plano exterior. A agitação do proletariado espanhol, que não fará que agravar-se e o desengajamento da Igreja são factos recentes que exigem grande vigilância por parte do exército espanhol, impedindo-o que dê ao exército português o reforço de que necessita. Por outro lado, a aproximação que faz Franco desde há três anos relativamente às democracias capitalistas, visando principalmente a entrada da Espanha na NATO e uma maior participação de capitais estrangeiros na industrialização espanhola. Uma das exigências dessa aproximação foi a declaração de anti-colonialismo que em 1960 a Espanha fez na ONU, e que voltou a repetir sucessivamente, dessolidarizando-se do seu aliado ibérico. Outro aspecto, e este mais interessante, é a política de amizade que a Espanha faz actualmente na África do Norte, principalmente em relação ao Marrocos. Em 1962, o ministro de estado de Franco foi enviado em missão especial ao Marrocos, e os temas tratados devem ter incluído as relações de amizade da Espanha com Portugal e a liquidação do colonialismo. A “Entente Africaine” é actualmente a mais importante aliança de Salazar, uma vez que os seus interesses vitais estão actualmente em África. A “Entente Africaine” é um pacto secreto feito em princípios de 1962 entre Portugal, a União Sul-Africana e a Federação das Rodésias e Niassalândia e o governo seccionista de Katanga. O seu objectivo principal, consequência da estratégia defensiva do seu mais poderoso comparticipante, a União Sul-Africana, consiste em fazer a defesa do terço de África ao Sul do Sahara contra o nacionalismo que vem do norte. A evolução dos acontecimentos exclui já um dos aliados, o Katanga, pela imposição da sua integração no Congo, e agrupa os outros participantes da forma seguinte: – Angola e Moçambique, participando através de Portugal, são aliados de ocasião, e em razão da eclosão da guerra colonial, a ajuda que Portugal recebe destina-se a prolongar ao máximo possível a sua resistência ao nacionalismo africano. – Rodésia do Norte e Niassalândia, participantes através da poderosa minoria branca que se viu constrangida a aceitar a participação política dos africanos naquele território. O seu engajamento consiste em não colaborar com os nacionalistas das colónias portuguesas. No Niassalândia, único território onde o problema se apresenta na realidade, os políticos africanos tomaram o compromisso de não permitir no seu território a presença de nacionalistas de Moçambique. – Rodésia do Sul e União Sul-Africana, os mais importantes aliados. O objectivo que eles desejam alcançar é de não permitir a mínima manifestação do nacionalismo africano ao Sul do rio Zambeze, que foi tomado como fronteira da África Negra. O paralelo dez é considerado como fronteira de segurança, sendo a sua defesa não decisiva. A zona da África ao sul do Zambeze apresenta actualmente todas as características de uma unidade política e económica. O perigo de divisão de Moçambique, que é atravessado pelo rio Zambeze, é evidente uma vez que os portos da Beira e Lourenço Marques são hoje quase que exclusivamente as únicas saídas do cobre da minas do Rand e do ouro de Johanesburgo. Relativamente aos estados afro-asiáticos, a diplomacia portuguesa a política de apaziguamento, embora não possa evitar confrontações violentas sempre que estejam em discussão problemas coloniais [sic]. Sinais claros desta atitude foram revelados antes da descolonização da África ex-francesa pelas visitas de Sukarno e do imperador da Etiópia a Lisboa. Presentemente sempre que as condições o permitam, Portugal tenta fazer uma política de apaziguamento. No plano da colaboração entre Portugal e os novos Estados de África, o exemplo mais característico é a participação de Portugal na Organização Interafricana do Café. Esta organização tem por finalidade a defesa dos mercados do café africano, perante a concorrência desordenada dos produtores latino-americanos e asiáticos. Esta concorrência verifica-se de forma mais aguda entre os diferentes produtores de café do tipo robusta, empregue na indústria química e no fabrico do chamado café solúvel (por exemplo das marcas Nestlé suíça e Maxwell americana). A cotação deste tipo é feita sobre o café Ambriz, o que por si mostra a importância da exportação angolana no mercado. Em Setembro de 1960, em resultado do fracasso do Acordo de Washington de 1959, o ministro Monet da Costa do Marfim lançou a ideia da criação de uma organização africana de coordenação da produção, condicionamento e comercialização do café africano, por forma a despertar o interesse do mercado e assegurar ao produto um nível óptimo de preço de venda. O acordo foi assinado a sete de Dezembro de 1960 e Portugal que participara nas reuniões preliminares, foi eleito para a comissão directora da Organização (fonte de informação: “De l’émancipation nationale à la revolution socialiste en Afrique Noire”, “Etude sur les produits de base, 1959” e Relatório do Banco Nacional). Conclusões: Os revezes da diplomacia salazarista causados pelos efeitos da liquidação do colonialismo, levaram a um diferendo com os Estados Unidos, primeiro importador de Angola. Este diferendo, que foi minimizado pelas negociações do novo tratado dos Açores, levou Portugal a virar-se para os seus aliados naturais, a Espanha e a União Sul-Africana. Por um lado, as exigências da política interior e exterior da ditadura de Franco, e por outro o conceito de defesa da África do Sul que põe o rio Zambeze como fronteira do nacionalismo africano, levarão ao abandono de Portugal. As iniciativas da diplomacia de guerra dos nacionalistas angolanos poderá então ser dirigidas no sentido de uma aproximação com a Rodésia do Norte e para a organização animada por Jomo Keniatta, que reúne os países ainda dependentes da África Central. E no que respeita à Espanha, uma acção junto dos países norte-africanos, em especial de Marrocos, no sentido de denunciar e esclarecer a importância do Pacto Ibérico na Guerra de Angola e a conivência entre Salazar e Franco. Portugal entretanto continuará a manobrar no isolacionismo, não levando entretanto o conflito com a América até a ruptura. A América continua a ser, portanto também do nosso lado, o mais importante e delicado problema da nossa diplomacia, visto que dela vem ajuda para a UPA, nosso inimigo interno, e para Portugal, nosso inimigo externo. No que respeita aos países irmãos de África, principalmente os de expressão francesa, uma acção no sentido de pôr em foco a colaboração de Portugal na Organização Interafricana do Café teria bons efeitos no campo da guerra económica e do boicote a Portugal. FIM
Relatório nº 1 - Relatório pessoal ao Departamento de Segurança do MPLA