Relatório do EPLA

Cota
0050.000.031
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
EPLA - Exército de Libertação Popular de Angola
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

MPLA
EPLA Exército Popular de Libertação de Angola Data 17-5-63
Relatório
Partida – Tendo sido nomeados catorze guerrilheiros do EPLA, para o cumprimento de uma missão especial, a partida do primeiro grupo de re­conhecimento desta Missão foi em 28/3/63 e esperou no Septante. A partida do grosso do Esquadrão foi em 3/4/63.
Data de encontro dos três grupos em 3/4/63.
Demorámos três dias no Septante à espera do restante dos soldados que se encontravam ausentes do local do encontro, para despistar a curiosidade dos moradores. O Esquadrão não ia fardado até à hora da traição.
Miranda Marcelino – Este se comprometera ceder três dos seus homens pa­ra nos servirem de guias; ele iria à nossa retaguarda com o restante do seu grupo. Foram entregues ao Miranda Marcelino – sete latas de pólvora, sete latas de cartuchos de caçadeira por ordem do Comando do EPLA.
Lugar de encontro – Interrogado o Miranda Marcelino sobre o local do encontro, este indicara uma pedra e que o desvio para essa pedra havia de se encontrar a duzentos metros de um embondeiro. Verificou-se depois que isso não era verdade, pois só depois de quatro horas de marcha damos com tal desvio, o que foi verificado já no nosso regresso.
UMA CARTA PARA O ANTÓNIO FERNANDES, COMANDANTE DA UPA – O Miranda Marcelino lamentou o facto de não se ter lembrado de enviar uma carta ao António Fernandes um dos comandantes da UPA em Quindeje, a fim de esse enviar um certo número de soldados ao nosso encontro junto do rio Mbridge.
PORQUE NÃO ESPERÁMOS PELO HOMEM – Não nos foi possível esperar mais tempo no Septante porque verificámos que ia uma grande agitação na população local e a nossa presença poderia ser causa dum incidente entre os elementos dos dois partidos.
OS RECURSOS COM QUE CONTÁVAMOS – O único recurso era a promessa de Miranda Marcelino de nos encontrarmos na pedra e acreditámos nas suas palavras, porque nos parecia um homem sério.
ENTRADA EM ANGOLA – Às treze horas do dia sete de Abril acabávamos de entrar no território Angolano onde tivemos a melhor possibilidade de organizarmos a marcha do Esquadrão.
TIROS – As sentinelas portuguesas que vigiam a estrada Noqui – S. Salvador das nove às dezasseis horas, disparam sempre tiros. Não se sabe porquê, possivelmente é sinal de Retirada.
Às vinte horas e quarenta e cinco, o Esquadrão atravessou a estrada. Essa era uma das dificuldades vencidas.
SEGUNDA DIFICULDADE – A segunda dificuldade era a do rio Ylunda-Yole. Às quinze horas acabávamos de atravessar esse rio, tendo passado a noite na margem esquerda.
EMBONDEIRO – No dia seguinte, depois de onze horas de marcha partindo do rio Ylunda-Yole, chegámos ao embondeiro que o Miranda Marcelino dizia distar do desvio cerca de duzentos metros à direita, o que era falso como acima já se disse. Pernoitámos nesse sítio. Na manhã seguinte p­usemo-nos a caminho e depois de quatro horas de marcha alcançámos uma pedra grande onde pernoitámos; mas essa não era a que nos havia sido indicada pelo Miranda. Até aqui perdemos esperanças de nos encontrar com o Marcelino. No dia seguinte depois de termos marchado duran­te seis horas, alcançámos umas lavras de mandioca abandonadas e depois de abastecer-nos para a viagem, fomos nos emboscar numa mata onde passámos a noite; estas lavras, ficam situadas nas proximidades da estra­da Ambriz – Toto, do lado Norte.
TOMBOCO – No dia seguinte (13) depois de duas horas de marcha atravessámos a estrada de Ambriz –Toto (a dita de Tomboco) e depois de mais oito horas encontrámos um riacho onde pernoitámos.
QUATRO MILITANTES DA UPA – Depois de quatro horas de marcha tomámos con­tacto com quatro militantes da Upa do Quartel de Caluca – região de S. Salvador. Estes mandaram-nos alto. Depois de tomadas medidas necessárias fui ao encontro deles acompanhado de quatro soldados. Os dois grupos estavam atrás distantes aproximadamente cinco Kilómetros. Depois de tro­ca de impressões nada notámos que nos criasse qualquer desconfiança. Depois de hora e meia de marcha alcançámos o Quartel de Caluca, onde encontrámos uns dez homens desarmados e algumas mulheres. Na troca de impressões deram-nos informações importantes sobre a posição e o procedimento das forças portuguesas. Também solicitaram informações sobre os partidos; nós informámo-los na medida do possível mas notámos certa falsidade nas suas informações, pois uma das mulheres dizia o contrário do que os homens diziam. Daqui, após uma demora de hora e meia, marcha para um sítio onde pernoitámos. No dia seguinte catorze de Abril, depois de cinco horas de marcha alcançámos o rio Mbridge. Durante o trajecto entre os dois rios demos encontro com três grupos de homens e mulheres que buscavam refúgios no Congo vindos do Quartel da UPA do Lambo queimado pelos soldados portugueses. Estes informaram-nos que o Comando des­se Quartel buscou esconderijo nas matas mais afastadas. No referido acampamento deram-nos um estafeta que nos orientou até um certo ponto para que não tomássemos o atalho minado pelos portugueses. Estivemos a­campados na margem direita do rio Mbridge, seis dias. Durante esses dias, ­o piloto comunicara o Quartel do Sangue e o comandante daquele Quartel apareceu depois de dois dias, trazendo-nos comidas e regressou nes­se mesmo dia ao seu Quartel levando quatro de nós, tendo dormido com eles e lhes servindo um bom jantar. Durante a estadia dos nossos soldados no Quartel do Sangue, ensinaram o povo a fazer abrigos contra a aviação, deram lições de higiene, etc. Este procedimento granjeou esti­ma e admiração dos soldados do EPLA. Foram despachados com material de fazer a jangada e comida, sendo acompanhados pelo comandante António Jacinto Tomás, desse Quartel, que trabalhou connosco até que todos atravessámos o rio. Não aceitámos o convite do tal comandante de arrancarmos naquela noite para o Quartel que distava cerca de duas horas do local, mas, fomos satisfazê-lo no dia seguinte e fez-nos uma boa recepção. Durante a nossa estadia lá, oferecemos medicamentos ao povo e balas de Mauser ao comandante António Jacinto Tomás que muito agradeceu. Das nove às onze horas, nos ocupámos em fazer tratamento de feridas e diversas doenças. O povo daquele Quartel do Sango, ficou bastante satisfeito connosco. À nossa partida, o comandante cedeu-nos um moço que nos serviu de guia. Às onze horas partimos e, às dezassete horas atingimos o ponto previsto onde havíamos de pernoitar. Antes de atingirmos esse ponto, passámos dois grupos de gente nuns sítios chamados refúgios, que também nos deram um guia depois de nos desviar do primeiro que tinha pressa de regressar.
SECÇÃO MILITAR Nº 2 – REGIÃO DO BEMBE – De manhã continuámos a marcha debaixo de chuvas até à secção nº 2 da mesma região alcançada às dezassete horas e aqui passámos a noite. Fomos bem recebidos e tratados e sentimos a impressão que tudo ia bem.
XINGA-NZAMBI – No dia seguinte (24) partimos e às dezoito horas alcançámos um ponto onde passámos a noite; no dia seguinte chegámos no Quartel de Xinga-Nzambi às dez horas. Neste lugar encontrámos o comandante Alberto Junqueira que nos recebeu bem, não nos deixando prosseguir a viagem devido à chuva. Ofereceu-nos um bom jantar. Convém notar que neste Quartel cantavam muito e o seu canto manifestava algumas piadas. No dia seguinte ainda chovia sendo obrigados a passar aí a outra noite. Ao terceiro dia, 27 de Abril, partimos sendo acompanhados pelo mesmo Alberto Junqueira o dito comandante do Quartel Xinga-Nzambi, até ao ribeiro Kuango onde encontrámos alguns mantimentos que resolvemos comprar; ele dizia que tinha um óbito à frente e por isso não podia esperar-nos e fez-nos um mapa da rota que deveríamos seguir. Às quinze horas prosseguimos a viagem segundo a rota que nos traçou até Lemba onde encontrámos o óbito de uma criança. Acompanhámos o óbito durante a noite. Não encontrámos aqui o dito comandante Junqueira.
RIO LOJE – Às sete horas da manhã do dia 28 partimos sem guia, mas estavam connosco três homens da UPA que se vieram juntar a nós no Quartel do Xinga-Nzambi e que diziam ser dois de Kabadi Kinguengo e o outro de Nova Lisboa. Depois de duas horas de marcha encontrámos dois homens a cento e cinquenta metros do rio Loge que diziam estar ali à nossa espera pois que já tinham conhecimento da nossa chegada dois dias antes, e que tinham sido recomendados a ir comunicar o Piloto logo que chegássemos. Assim, estes dois homens, depois de nos encaminharem para um ângulo agudo formado por lado esquerdo o rio Loge e ao lado direito uma lagoa. Ao pé do rio, isto é na margem direita, há uma árvore para junto da qual arrumámos as mochilas a conselho dos mesmos homens da UPA, para evitar que fôssemos vistos por um possível avião – diziam eles. Depois disto afastaram-se de nós a correr a pretexto de irem buscar o piloto. Porém, depois de se terem afastado, começaram a cair sobre nós rajadas de metralhadoras e granadas de mão num fogo cruzado e nós estávamos encurralados dentro do ângulo. Tomámos posição atrás das mochilas onde pudemos reconhecer a pessoa do Junqueira o dito comandante que um dia antes se havia apartado de nós a pretexto de ir ao óbito e (1). O camarada Miranda Açureira que já tinha a perna partida, gritava-lhes dizendo que nós não estávamos aí para lutar contra nossos irmãos mas sim, contra os colonialistas portugueses. Verificámos que longe de cessar o fo­go, concentravam para ele rajadas de metralhadoras que acabaram de o matar. Então também abrimos fogo contra eles, tendo-os feito recuar, e infelizmente mais não fiz por me terem esgotado as munições e finalmente­ a minha metralhadora foi partida por uma bala de um tiro que partiu do lado direito junto da margem do rio. Os camaradas Andrade Correia, Joaquim Domingos, Fernando Miranda, José Gomes e eu, defendemo-nos o melhor possível, apesar de alguns de nós se acharem já feridos, tendo causado também muitas baixas do lado dos atacantes que em virtude do qual recuaram, dando tempo a nós os sobreviventes de nos escaparmos. Do nosso lado tombaram os seguintes soldados: Gonçalo Luís Lopes, Domingos da Silva, José Gaspar Sebastião, Miranda Açureira, João Gonçalves, Luís Augusto Pereira, Pedro Manuel Chico, João Mahinga Pascoal Mobau, João Kabanda Katoko; e os partisans António João Pereira, Sebastião e Bernardo.
DEPOIS DA CENA – Marchámos em busca de direcções através das matas. Apesar ­de feridos e sem alimentos, marchámos seis dias para atingirmos de novo o rio Mbridge. De longe ao longe, fomos encontrando algumas lavras de mandioca abandonadas e assim nos abastecíamos. Do rio Mbridge à fronteira marchámos oito dias com muita dificuldade em virtude das feridas que já se gangrenavam sem socorro! Depois de dois dias alcançámos a cidade de Léopoldville.
CONCLUSÕES – 1º – Não há a menor dúvida de que fomos atacados à traição por elementos da UPA dirigidos pelo tal Alberto Junqueira;
2º – Que os pretendidos portadores que esperavam à margem direita do rio Loge, foram expressamente aí enviados para nos conduzirem à zona da morte;
3º – Concluímos que aqueles três elementos da UPA que vieram juntar-se a nós eram guardas camufladas da UPA para não lhes perdermos de vista;
4º – Que o Miranda Marcelino é cúmplice do crime, pois assim o provam todas as voltas dadas para se afastar de nós. E ainda se desconfia que ele tenha participado na emboscada;
5º – Que o Miranda Marcelino fez tudo para desviar-nos da rota traçada pelo nosso Comando.
[à margem:]
(1) Tussamba – Kuanzambi, Manuel Cosme

Relatório do EPLA, com algumas emendas

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.