Mémorandum

Cota
0051.000.037
Tipologia
Memorando
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO
DE ANGOLA
MPLA
51, Avenue Tombeur de Tabora
B. P. 720 – Tel. 2452
LÉOPOLDVILLE

CONFIDENCIAL

Doc. 85/63

MEMORANDO
À ELEVADA ATENÇÃO
DE SUAS EXCELÊNCIAS MEMBROS DO GOVERNO
CENTRAL DA REPÚBLICA DO CONGO;
DE SUAS EXCELÊNCIAS
O PRESIDENTE DO SENADO E
O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS REPRESENTANTES;
DOS DIGNÍSSIMOS SENADORES e
DOS DIGNÍSSIMOS DEPUTADOS
Correm com insistência rumores incontrolados segundo os quais o Governo congolês estaria a estudar o reconhecimento da coligação UPA/PDA, denominada FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (FNLA), como única organização política podendo representar Angola na República do Congo.
O MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA) vem reafirmar a sua confiança no espírito de clarividência do Governo congolês, que não ignora que uma tal medida injusta contribuiria para aprofundar a divisão no seio do nacionalismo angolano.
O interesse do Governo congolês em ajudar na solução de vários aspectos da luta do Povo angolano pela sua independência justifica-se plenamente, por um lado porque no âmbito da solidariedade africana essa luta lhe diz respeito, por outro lado, porque a actividade dos nacionalistas angolanos se exerce em parte em território congolês, com incidências inevitáveis nos assuntos internos do Congo.
O Governo congolês sempre adoptou uma atitude muito justa de não-ingerência nas questões entre os partidos angolanos.
Apesar de todas as suas dificuldades, o Povo irmão do Congo, por intermédio do seu Governo e das suas Autoridades, sempre concedeu assistência aos patriotas angolanos, quer sob a forma de ajuda aos refugiados, quer sob a forma de ajuda militar aos combatentes. Contudo, a ajuda militar fez-se por uma única via, a da coligação UPA/PDA, o que trouxe outras dificuldades à unificação das organizações de luta angolanas, dada a posição privilegiada adquirida pela dita coligação.
Contudo, a divisão do nacionalismo angolano nunca se traduziu por actos que prejudicassem o respeito devido à ordem, às leis e à hospitalidade deste País irmão.
OS NOSSOS ESFORÇOS PARA UMA FRENTE
É sempre oportuno relembrar que o MPLA nunca poupou esforços com vista à constituição de uma Frente de Libertação. Assim:
1) Através das suas declarações à imprensa, dos seus comunicados, dos seus memorandos aos Chefes de Estado e de Governo africanos, das suas campanhas activas junto das massas, tanto no interior quanto no exterior de Angola, o MPLA sempre agiu no sentido da unidade de acção e da constituição de uma verdadeira Frente de Libertação angolana.
O próprio MPLA nasceu em 1956 da fusão de várias organizações políticas, no interior de Angola.
2) Em Abril de 1961, dois Directores do MPLA devidamente credenciados tiveram conversações com os dirigentes da UPA, da ALIAZO (hoje PDA) e do MLEC, em torno de um projecto de Frente.
Como sempre, defendemos o princípio segundo o qual a Frente deveria englobar democraticamente todas as forças nacionalistas angolanas que não fossem suspeitas de colaborar com os colonialistas portugueses.
O Presidente da UPA e alguns dos seus colegas da direcção da UPA opuseram-se desde o início à própria ideia desta Frente.
A 23 de Junho de 1961, uma nova tentativa do MPLA não encontrou eco favorável por parte da UPA.
Contudo, a 23 de Agosto de 1961, face às pressões das massas, a UPA anunciou num comunicado que admitia a ideia “da constituição de uma Frente sob a direcção da UPA” o que não pôde ser aceite pelas outras organizações nacionalistas angolanas.
3) A 11 de Dezembro de 1961, o MPLA sublinhava de novo a sua posição durante uma Conferência de imprensa do Sr. Mário d’ANDRADE, na altura Presidente do MPLA:
“... opomo-nos ao ponto de vista expresso pelo Bureau executivo da UPA, que advoga a criação de uma Frente sob sua direcção exclusiva. Quanto a nós, não colocamos nenhum ponto prévio para a convocação de uma Conferência de unidade que deverá estabelecer, de uma vez por todas, a coordenação político-
-militar dos nossos esforços, nomeadamente o comando único dos nossos grupos de guerrilha.
Se todas estas tentativas viessem a falhar, o campo ficaria aberto à luta fratricida em Angola. Não assumiríamos a responsabilidade por uma tal situação trágica diante do nosso Povo, da África e do Mundo.”
(Quem tiver seguido o caso angolano sabe que estas palavras foram proféticas pois, por várias vezes, os nossos guerrilheiros foram cobardemente atacados pelos da UPA).
4) Pouco antes da formação da coligação UPA/PDA que tomou o nome de FNLA, o Sr. Matumona, então Vice-Presidente do PDA, já avisava num artigo do Courrier d’Afrique de 5 de Fevereiro de 1962:
“Certamente, por razões de oposição, a UPA não se quereria aliar à ALIAZO (PDA). Mas os observadores bem informados acerca do problema angolano vêem nesta eventual coligação UPA/ALIAZO, a formação de uma “força-norte” contra a “força-sul” encarnada pelo MPLA. Uma vez realizada esta coligação, a UPA empreenderia então a conquista de todo o País e aí imporia a sua lei.”
(Isto permite compreender que a coligação UPA/PDA contém os germes de conflitos secessionistas na luta do nosso Povo).
5) A 27 de Março de 1962, o PDA e a UPA associam-se numa coligação, denominada “Frente Nacional de Libertação de Angola”.
A 5 de Abril de 1962, os dirigentes dessa “Frente” proclamam a constituição de um “Governo da República de Angola no Exílio”...
O MPLA não foi nem avisado nem convidado para nenhuma destas duas operações. A criação precipitada deste pretenso governo escondia desígnios demasiado obscuros para que o MPLA pudesse concordar com eles.
6) A 3 de Maio de 1962, o Sr. Cléophas KAMITATU, em nome do Governo Congolês, procura encontrar, com as organizações nacionalistas angolanas, uma plataforma de unidade entre elas. Sua Excelência pôde ele próprio certificar-se da boa-fé do projecto de Frente apresentado pelo MPLA e ser testemunha da posição intransigente dos dirigentes da UPA, que queriam impor uma Frente sob a sua direcção.
7) A 6 de Junho de 1962, por altura da Conferência dos Combatentes da Liberdade, em Accra, o Presidente Kwame NKRUMAH apresentou aos delegados do MPLA, da UPA e do PDA, o seu “PONTO DE VISTA” acerca da unidade das forças nacionalistas angolanas prevendo uma “aliança militar” e a criação de um “Comando Militar Unificado” e de um “Conselho Nacional” formado por representantes das três organizações políticas.
Este “PONTO DE VISTA” deveria ser discutido em Léopoldville, o que foi feito sem qualquer resultado positivo a 5 de Agosto de 1963 [1962], com a participação do Dr. Agostinho NETO que acabava de se evadir do seu exílio em Lisboa. Nesta data, o Presidente da UPA recusou encontra-se com o Dr. NETO sob o pretexto de estar ofendido com os termos duma carta que este lhe escrevera.
8) A 25 de Janeiro de 1963, durante a presença em Léopoldville da Missão argelina de bons ofícios, chefiada pelo Sr. SLIMANE, a UPA recusou qualquer encontro que tivesse por objecto a unidade. Um destes encontros estava mesmo previsto para o Gabinete do Sr. Ministro das Relações Exteriores, na altura Sua Excelência Justin BOMBOKO.
O PAPEL DO MPLA NA LUTA DE LIBERTAÇÃO
Seria desnecessário querer demonstrar o valor e a popularidade do MPLA, tanto em Angola como no estrangeiro.
Do ponto de vista político: A luta conduzida pelo MPLA contra o colonialismo português atinge vários sectores, o que lhe confere a adesão crescente das massas e o apoio efectivo dos Povos e Governos africanos, assim como de organizações de todo o Mundo.
No seio do MPLA nunca se produziu qualquer manifestação tribalista, regionalista ou racista.
Aquando da Primeira Conferência Nacional do MPLA (a 3 de Dezembro de 1962) cerca de 65.000 membros possuíam um cartão do Movimento. Hoje, este número ultrapassa os 72.000. É impossível fazer um cálculo exacto dos milhares de partidários do MPLA que não puderam obter o cartão de Membro.
Que o MPLA tenha sido a primeira organização nacionalista a desenvolver no interior de Angola uma actividade política intensa prova-se pelo facto de representar a formação nacionalista mais atingida, em todos os escalões da sua organização, pela repressão colonial: a maioria dos quadros nacionalistas que estão presos em Angola pertence ao MPLA.
Do ponto de vista militar: Em Fevereiro de 1961, o MPLA desencadeia a insurreição armada em Luanda, que em breve atingiria todo o norte do País.
Depois do alargamento do terreno da luta armada, o MPLA considerou urgente formar quadros militares a fim de ajudar os guerrilheiros a melhor aguentar a luta contra um inimigo bem armado, treinado, disciplinado e organizado.
Graças à solidariedade activa dos Países africanos, centenas de quadros militares receberam uma preparação militar de bom nível e outros continuam a recebê-la.
Isto teve como efeito um desenvolvimento notável da luta nas zonas de guerrilha.
Do ponto de vista social: O MPLA instalou 22 dispensários em toda a extensão da fronteira Congo-Angola. Estes dispensários são assistidos por médicos e enfermeiros angolanos, que dão gratuitamente assistência a milhares de refugiados, distribuindo medicamentos, injecções, alimentos, vestuário. Nas regiões onde não há dispensários congoleses, os nossos irmãos congoleses doentes também gozam da assistência gratuita dos nossos dispensários.
Missões especiais levam periodicamente medicamentos, alimentos e vestuário aos guerrilheiros e aos doentes que estão nas zonas de guerrilha.
Também foram criadas escolas primárias, de enfermagem e de quadros políticos que estão em vias de desenvolvimento.
Procura-se empregar os refugiados na agricultura e noutras ocupações úteis.
Depois de 1961, algumas centenas de jovens puderam preparar-se, através do MPLA, para as tarefas de uma Angola independente.
* * *
Os resultados da Conferência de Addis Abeba representam um gigantesco passo em frente no sentido da Unidade Africana. O MPLA participou nela como observador. Nessa qualidade, o MPLA apresentou um Memorando com propostas sobre o problema de Angola. Essas propostas foram todas adoptadas, nomeadamente a que dizia respeito à criação de um Comité de Coordenação da Ajuda às organizações nacionalistas em luta e à criação de uma Comissão Governamental mista, encarregue de resolver todas as divergências que separam os partidos políticos, não só os angolanos como de outros territórios ainda sob regime colonial, com vista à formação de frentes unidas em todos esses Países.
* * *
Este Memorando do MPLA apenas pretende esclarecer o problema da unidade das forças nacionalistas angolanas, de que sempre foi partidário activo e dedicado.
Para o MPLA, a unidade do Povo angolano continua a ser a condição primordial, não só da vitória sobre o inimigo mas também da consolidação da independência pela qual o nosso Povo já tanto sangue verteu.
A unidade do Povo angolano será, além disso, o penhor da Unidade Africana, tão generosamente obtida em Addis Abeba.
É por essa razão que o MPLA, ao mesmo tempo que nega a representatividade nacional da coligação UPA/PDA, engaja as digníssimas autoridades deste País irmão para que se empenhem na criação das condições favoráveis à reunificação das forças angolanas, de modo a evitar a consagração de uma grave divisão do nacionalismo angolano cujas consequências são difíceis de prever.
No espírito de Addis Abeba, o MPLA faz um premente apelo ao Governo congolês para que uma Comissão Governamental seja encarregue de ouvir as posições de todas as organizações nacionalistas angolanas sobre as possibilidades de uma verdadeira FRENTE ANGOLANA DE LIBERTAÇÃO.
Este seria o contributo fraterno do Governo congolês para a unidade dos patriotas angolanos tão impacientemente esperada pelo nosso Povo heróico, no interior do nosso País.
Estamos certos de que o Governo congolês saberá considerar o grave perigo e as repercussões dramáticas no interior, de um eventual reconhecimento da FNLA como única organização representativa na República do Congo.
[carimbo do CD do MPLA] Feito em Léopoldville, aos 25 de Junho de 1963
O COMITÉ DIRECTOR DO MPLA

Memorando Confidencial do MPLA às autoridades do Congo-Léopoldville (Doc. 85/63) (Léopoldville)

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