Encontro de delegação do MPLA com Cyrille Adoula

Cota
0051.000.050
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
local doc
Léopoldville
Data
Idioma
Conservação
Bom
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4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA MPLA LÉOPOLDVILLE RELATO DA ENTREVISTA ENTRE O PRIMEIRO-MINISTRO CONGOLÊS CYRILLE ADOULA, DE 28 DE JUNHO, E UMA DELEGAÇÃO DO MPLA O Primeiro-Ministro começou por dizer: – O vosso Movimento não se quer submeter à realidade congolesa, mas há um país longe de Angola e que não conhece os problemas de Angola. A correspondência do MPLA não respeita as obrigações que a luta acarreta quanto à hospitalidade. Disse ser espantoso perceber que o MPLA é um Movimento com elementos bem formados e que faz uma política fora dos limites do Congo, fazendo declarações que visam precisamente o Governo Congolês. Afirma que na altura da convocação feita pelo Ministro do Interior a todos os Partidos Políticos angolanos, um membro da nossa delegação disse que não somos ajudados aqui porque o Congo é neocolonialista. Em Addis Abeba não houve um único membro da nossa delegação que o tivesse cumprimentado. Ainda em Addis Abeba, influenciámos os representantes do Movimento nacionalista, que ele tinha convidado, a não virem ao Congo, afirmando que o Congo é um país neocolonialista vendido aos americanos. Ele disse isso num estado de exaltação. Continuando, ele disse: – Ninguém fará aqui o que quer, seja do Ocidente, seja do Oriente. Eu concedo hospitalidade, sou eu que o aceito, ninguém virá aqui intervir. Tudo o que poderão obter de mim, tê-lo-ão livremente porque não sofro pressão de ninguém. A primeira coisa a fazer é respeitarem, em primeiro lugar, a lei da hospitalidade. A vitória em Addis Abeba foi verbal porque a realidade será determinada por mim. Toda a vossa correspondência é distribuída a todo o mundo menos a mim. Ele recordou-se de ter recebido já uma delegação do MPLA presidida pelo Dr. Neto e que os conselhos que ele tinha dado não foram acatados. Considerou injustificável o envio do Memorando de 25 de Junho, no qual o Movimento, MPLA, apelava a elevada atenção do Primeiro-Ministro para os rumores que corriam do possível reconhecimento do “Governo” de Holden Roberto, acentuando que essa atitude injusta, longe de resolver o problema da divisão do nacionalismo, o aprofundava, e que tomando essa atitude, o Congo iria contra os princípios do espírito unitário da Carta de Addis Abeba, que determina que todos os conflitos entre os partidos políticos devem ser estudados por uma Comissão do Comité de Coordenação da ajuda aos Movimentos políticos a fim de tentar encontrar uma plataforma de entendimento. Ele disse – portanto, antes de termos enviado o Memorando, deveríamos ter indagado junto do Governo, o que havia de concreto. Esse comportamento dá-nos a impressão que vocês querem trabalhar aqui no Congo à margem do Governo Congolês. Dou ajuda ao Povo Angolano e não aos indivíduos. Voltando ao nosso problema, ele apelou ao nosso bom-senso no sentido de respeitarmos as leis do Congo, dizendo que tínhamos aqui toda a liberdade e hospitalidade. Ele pedia que mudássemos de método de trabalho. Fazendo alusão às declarações que o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira, fez aos países africanos em geral e em particular aos países limítrofes, ele sublinhou que nenhum país africano reagiu a não ser os congoleses, apesar de em Addis Abeba ter sido formada uma “Unidade Africana”. – Vocês não podem lutar a partir de Rabat, de Argel, de Conakry ou do Ghana. A vossa luta é aqui. Na Rodésia, como sabem, estão os ingleses. De forma que a verdade do vosso problema e da vossa luta está no Congo onde têm uma fronteira livre. Aqui têm a liberdade de trabalhar sem que haja um controlo, o que não se verificaria se trabalhassem nos países que se dizem vossos amigos. A vossa atitude em relação ao Governo Congolês prova que não querem lutar. – Só podem lutar aqui no Congo. Falou depois da posição de Portugal em relação ao problema angolano dizendo-nos que em relação aos portugueses residentes na República do Congo, não lhes diríamos nada. O Governo Congolês dir-lhes-á o necessário. Referiu-se ao discurso de Ben Bella, no qual mencionou o número de combatentes mortos na luta de libertação da Argélia. Portanto, disse ser de opinião que a experiência da Argélia não pode ser seguida. Não concorda que milhões de angolanos morram, nem que os angolanos se matem entre si. Por isso deu o exemplo da independência do Congo obtida através das conversações. Disse que o MPLA lutava sob influência alheia, mas referiu-se ainda ao exemplo da independência do Congo, disse, todos os partidos angolanos deviam encontrar-se para conversar dias seguidos porque depois do cansaço, seríamos forçados a encontrar a nossa Unidade. Ele continuou dizendo que os nacionalistas angolanos deviam formar um “Conselho de jovens estudantes” o qual devia ter conversações. Em seguida, disse que se dois indivíduos têm rancor um ao outro e um terceiro chega e dá a arma a um deles dizendo que o outro quer matá-lo, e logo a seguir encontra-se com o segundo e dá-lhe também uma arma, aconselhando o mesmo, ele fomenta entre eles um ódio maior. Mas, se dando a arma a um, for dizer ao segundo que o outro estava armado e que eles deveriam conversar para que desapareça entre eles o ódio ou o rancor, o problema já seria entre eles. – Ele disse que o Movimento MPLA é um Movimento conhecido no mundo inteiro e que não pode ser dissolvido. O que interessa é que haja uma coordenação dos vossos trabalhos no que diz respeito à luta. Dividindo a vossa acção militar por zonas, tomando cada um de vós conta de uma UPA/MPLA. Peço-vos, disse o Primeiro-Ministro congolês, que elaborem e apresentem uma proposta concreta sobre a coordenação dos partidos angolanos, num domínio bem específico ou seja no domínio da luta. O vosso Movimento pode organizar a luta como quiser, desde que tenham uma Frente comum na luta. Digo-vos que não é difícil unir-vos. Enquanto o Congo existir, terão a possibilidade de se unirem. Permitam-me que vos diga que a libertação de Angola será feita pelos próprios Angolanos. Depois da exposição feita pelo Primeiro-Ministro Cyrille Adoula, a delegação do MPLA, na voz do seu Vice-Presidente, o Rev. Domingos da Silva tomou a palavra, começando por agradecer a atenção de sua Excelência o Primeiro-Ministro por nos ter recebido. O Vice-Presidente do MPLA refutou em seguida as acusações do Primeiro-Ministro dizendo que a linha política do MPLA baseou-se no contexto do nacionalismo africano e que essas acusações seriam, sem dúvida, fruto de intrigas dos inimigos da Unidade do Nacionalismo Angolano. O MPLA, mesmo antes da independência do Congo, nunca trabalhou à margem da política congolesa. Só que a independência do Congo permitiu aos angolanos lançarem, no dia 4 de Fevereiro de 1961, o seu primeiro grito contra o colonialismo português. Essa acção histórica praticada com o encorajamento da independência do Congo nunca será esquecida. Continuando, o Vice-Presidente do MPLA reafirmou a nossa solidariedade com o país irmão que, apesar das suas dificuldades, não só nos deu hospitalidade como também ajuda material, nomeadamente no campo da assistência aos refugiados. Quanto às acusações relatadas por Sua Excelência o Primeiro-Ministro, sobre a ajuda unilateral ao MPLA, Luís de Azevedo Júnior pediu a palavra e disse: Estamos convencidos que Sua Excelência estará de acordo connosco se dissermos que tudo o que acaba de expor é fruto da intriga dos nossos inimigos e também da falta de contacto directo com vossa Excelência, desde Novembro de 1962. Apesar de todas as diligências junto do seu gabinete, com a insistência permanente na necessidade de um encontro a fim de expor os principais problemas que a Revolução exige de um Movimento como o nosso. A única porta que Sua Excelência nos deixou foi sem dúvida o contacto por correspondência, por correio, distribuída por protocolo e entregue no seu gabinete. Ainda no que diz respeito a esses contactos, permita-me, Excelência, recordar-lhe que fui eu próprio portador da carta do Presidente do Governo provincial do Kwango na qual ele manifestava o desejo da cedência de um terreno livre para os treinos militares do MPLA. Essa carta foi entregue com um pedido de audiência que nunca nos foi concedida. Algumas semanas depois, o director do Seu gabinete disse-me que V. Exa. tinha transferido a questão para o Ministro do Interior, portanto, que me incumbia de o contactar directamente. Quanto à discriminação a que o MPLA faz referência, estamos convencidos que não é uma novidade para Sua Excelência já que foi exposta na nossa carta de 15 de Março último da qual enviámos cópias ao Parlamento. Cremos que fomos justos apesar da interpretação não o ter sido devido, tal como o expusemos, à má interpretação e ao resultado da falta de contacto directo. Sobre as acusações em relação à reunião de todos os partidos políticos com Sua Excelência, o Senhor Ministro do Interior, permita-me Excelência, falar com a mesma franqueza de uma conversa familiar, como acabou de dizer-nos, e que eu empregue as mesmas palavras do panfleto em causa, que determinou a convocação de todos os partidos e cuja proveniência é de inimigos da unidade, ele acusa o MPLA de ser um Movimento colaboracionista com os portugueses, que ali fazem reuniões todas as tardes. Essa acusação merecia uma resposta. O Encarregado da Missão [Luiz de Azevedo Júnior] começou por dizer: “Para não fugir à lógica universal, estou convencido que um homem é julgado segundo a sua biografia e um Movimento também é julgado segundo o seu passado”. É paradoxal que o MPLA, ontem considerado Movimento comunista aqui no Congo, possa ser hoje acusado de ser um Movimento neocolonialista. Se interpreto bem o contexto da Revolução africana, não me parece que o Presidente Ben Bella, Sua Majestade Hassan II do Marrocos e vários outros, para não citar mais nomes de Chefes de Estado africanos onde o MPLA prepara os seus quadros militares e técnicos, defendam os interesses dos imperialistas e menos ainda dos portugueses. Sincera e honestamente, acredite, Excelência, foram essas as palavras empregues na reunião com sua Excelência o Sr. Ministro do Interior. Depois do mal-entendido ter sido esclarecido, a atmosfera tornou-se francamente cordial, Sua Excelência o Primeiro-Ministro afirmou que não estava aí como Primeiro-Ministro mas como membro da grande família africana. Reafirmou uma vez mais não pretender imiscuir-se nos assuntos angolanos. A sua difícil missão na questão angolana consiste simplesmente em apelar ao nosso bom senso para encontrarmos uma plataforma de entendimento, mas sem imposições porque o problema também é nosso. O Vice-Presidente do MPLA pediu a palavra e informou Sua Excelência o Primeiro-Ministro que o MPLA se sente honrado com esta proposta que vai justamente ao encontro do nosso pedido feito no Memorando, das aspirações do Povo e das diligências que o MPLA desenvolveu desde 1961, pedindo os bons ofícios de alguns países africanos que intervieram apesar de não ter obtido resultados positivos. A entrevista terminou com as seguintes palavras do Primeiro-Ministro: Contem comigo e connosco porque apenas nós podemos resolver o problema angolano que nos é comum não só pelas fronteiras mas também pela mistura das nossas raças. Se por acaso tiverem necessidade de me contactar, espero que o façam para que não se repitam novos mal-entendidos. A pessoa mais indicada para vos introduzir no meu gabinete é o Ministro dos Negócios Estrangeiros que se encontra aqui presente. Assim terminou a entrevista concedida pelo Primeiro-Ministro Adoula, exactamente na véspera do reconhecimento do pretenso Governo Provisório Angolano pelo Governo da República do Congo. A entrevista durou quase 3 horas.

«Les entretiens verbaux du Premier Ministre Congolais Cyrille Adoula avec une délégation du MPLA». Encontro entre uma delegação do MPLA com Cyrille Adoula, Primeiro-ministro congolês

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