Carta do CD do MPLA, assinada por Agostinho Neto

Cota
0054.000.029
Tipologia
Correspondência
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Remetente
Agostinho Neto - Comité Director do MPLA
Destinatário
Quadros Dirigentes Estagiários na Argélia
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
5
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA MPLA 51, Avenue Tombeur de Tabora B. P. 720 – Tel. 2452 LÉOPOLDVILLE PRESIDÊNCIA1 Nº. Extra/PRES/963 Léopoldville, 27 de Agosto de 19632 Aos Quadros Dirigentes Estagiários na Argélia Camaradas: Os acontecimentos dos últimos meses e, especialmente, a recomendação da Comissão de Conciliação, assim como o reconhecimento do “Governo” do Holden por alguns países, provocaram aos militantes do nosso Movimento as mais justificadas preocupações. Provocaram também alarme e desespero. E a tal ponto que todas as dificuldades internas do Movimento foram hipertrofiadas, e a conspiração imperialista contra o MPLA desprezada na análise apreciativa desses factos. Pensar na deserção, no recuo, na desistência é hoje uma consequência da sensação de derrota irreversível que alguns experimentam. Mas os militantes convictos e firmes não pensam assim. Continuam a existir na nossa luta, todas as possibilidades de vitória. É essa a convicção que exprime nesse momento o Comité Director do Movimento. A luta do Povo Angolano pela sua Independência, tem sofrido das contingências dum longo contacto com [o] exterior e revelou duas tendências principais desde o início. A representada pelo nosso MPLA, batendo-se [bate-se] por uma verdadeira Independência, evitando o enfeudamento do País a qual­quer potência imperialista, por outro lado, a corrente engajada e orienta­da pelo imperialismo, comprometendo-se desde já no neocolonialismo. Sabem os militantes do Movimento que só o MPLA poderá garantir ao nosso Povo, a sua real separação do domínio estrangeiro e a independên­cia da sua economia e da sua vida social. Em África, e essencialmente no Congo-Léo, a dominação estrangeira é cada vez mais sensível e importante. Não admira portanto, que o MPLA fosse asfixiado no Congo, nem que o governo congolês auxiliasse o grupo fraccionista contra o nosso Movimento. Não admira que em certos Países Africanos, o MPLA não conseguisse impor-se. Todos os militantes conhecem os factos relacionados com a prisão e espancamento dos nossos maquisards, no território congolês. Todos sabem que as nossas acções militares foram prejudicadas pela proibição de receber armamento sobre o território congolês. O assassinato traiçoeiro em Angola das colunas de militantes, é ape­nas um aspecto da mesma conspiração imperialista traçada contra as forças progressivas da África. Depois da I Conferência Nacional, a Direcção do Movimento prestou uma especial atenção à penetração no Interior do País, e o vosso estágio e treino na Argélia, obedeceu ao plano de dotar a nossa luta de quadros responsáveis e habilitados para o duro da luta político-militar. Todos os dirigentes do Movimento devem sofrer essa preparação para actuar no interior. Pode ser hoje revelado que a aquisição de armamento e a resolução de todos os problemas levantados para a entrada no País, foram estudados, em parte solucionados, e só a sabotagem conscientemente praticada por alguns, fez abortar certos planos que nos conduziram a [um] estádio diferente da luta. Hoje, a guerra psicológica e política feita contra o Movimento, tem feito nascer em alguns militantes uma espécie de complexo de infe­rioridade que os torna facilmente permeáveis à propaganda de adversários e inimigos. E, mais grave ainda, esses militantes procuram encontrar a escapatória que lhes permite aplicar com “dignidade” uma teoria de salvação pessoal, capaz de possibilitar o sacudir a água do capote, alijando de todo o complexo actual a carga de responsabilidade que cabe a cada militante consciente. Que factos graves podem ter-nos conduzido a esta situação? Quanto a nós, esses factos são: 1º – O fraccionismo desenvolvido no seio do Movimento por alguns ex-militantes; 2º – As suspeitas lançadas sobre o FDLA; 3º – A demissão ou deserção de alguns dirigentes. [1º] De facto, desde há um ano, começaram a revelar-se as contendas que viviam enquistadas entre os dirigentes do Movimento, minando as relações entre estes, bem desde Conakry e mesmo desde Paris e Accra. O pes­soalismo, a sede do poder, a ambição mal escondida, a presunção e ainda a falta de coragem para enfrentar directamente o inimigo, eram notórios em alguns. Os aspectos mais declarados destas competições intestinas foram revelados recentemente, com a actividade fraccionista de Viriato da Cruz e mais tarde pela tentativa de golpe de força dirigido por este, ou ainda os planos de liquidação física dos dirigentes actuais do Movimento. Começando por palavras de ordem esquerdistas, (como por exemplo o combate contra a tese da inevitabilidade do neocolonialismo gratuitamente atribuída a nós) acabou este grupo fraccionista por se submeter à orientação da UPA, propagando as suas frases racistas, incluindo os ataques aos mestiços e às esposas brancas, repetindo um ódio estranho contra os universitários e, finalmente assobiando mal a ária do colaboracionismo que já o Holden cantava contra o MPLA desde há muito [mais] tempo. Esse grupo fraccionista procura hoje, após a sua expulsão do Movimento uma integração na corrente Holden e no seu “governo”, ao mesmo tempo que continua a sua acção para destruir totalmente o MPLA. E o que é triste, é que tudo acontece porque Viriato da Cruz “foi o primeiro na escola, foi o primeiro no liceu, foi o primeiro na política e não pode ficar no quin­tal do Senhor Neto” – conforme ele próprio explicou. Os camaradas menos avisados, não notaram que quem hoje se subme­te incondicionalmente ao Holden, sob [a] frágil capa de “Unidade”, não foi ca­paz de se entender com os seus próprios camaradas de Conakry e guerreia com ódio aqueles entre os quais se encontrava; não foi capaz de falar de conciliação senão depois de terem sido abortados os planos de destruição do Movimento e da liquidação física dos seus antigos companheiros. Sejam quais forem os princípios ultra-revolucionários invocados, toda esta prática exala desonestidade, e compreende-se como é difícil pactuar com ela. 2º – A constituição do FDLA obedeceu ao desejo veementemente expresso pelo conjunto da população angolana refugiada no Congo e [do] Norte do País. Correspondeu ao desejo e à necessidade política da maioria das organizações nacionalistas. Os militantes interessados sabem como o Movimento se esforçou por lançar a palavra de ordem da Unidade e a ideia da Frente Única, principalmente após a I Conferência [após a I Conf Nacl. A posição tomada nesta conferência é a constante], é a constante do relatório sobre [a] linha política onde se lê: “Um ponto essencial da nossa política, consiste no apelo à Unidade das forças nacionalistas angolanas”... “A nossa posição é clara: Nós somos pela formação orgânica de uma Frente Unida sobre a base de um programa mínimo de luta pela Independência Nacional, elaborada de comum acordo. No seio dessa Frente, o MPLA velará pela salvaguarda da sua personalidade política”. O mandato implícito nesta resolução foi em [boa] parte realizado no FDLA, e só quem desconhece a realidade concreta do nacionalismo angolano pode pensar que o FDLA constitui um elemento inútil na nossa política e mesmo prejudicial. E aqueles que falam de heterogeneidade necessitam de esclarecer primeiro, onde estão as forças homogéneas do ponto de vista político, ou aqueles que seriam naturalmente irmãos. De resto já o programa mínimo do MPLA, especificava: “a) Criação de um Front angolano de Libertação que agrupe numa larga união todos os partidos políticos, todas as organizações populares, todas as forças armadas, todas [as] personalidades eminentes do país, todas as organizações religiosas, todas as camadas sociais africanas, todos os angolanos residentes no estrangeiro, sem distinção de tendência política, de condições de fortuna, de sexo, de idade; a fim de prosseguir...”3 Antes mesmo de Addis Abeba, as primeiras conversações tinham sido realizadas com o MNA e a UNTA Em Dar-es-Salam o Presidente do MPLA apresentou-se ali na companhia do Presidente do MNA. No entanto, o NGWIZAKO também discutia com o MPLA e a UNTA sobre os princípios a seguir para efectuar a luta contra o colonialismo português. Essas conversações arrastaram-se a fim de se tratarem todos os pontos e com exaustão, como o tribalismo, a atitude [de] não-violência e o neutralismo em política internacional. Estas quatro organizações já se encontravam em estadio avançado [adiantado] da sua tarefa, quando o ex-Presidente Youlou se lembrou de convidar todos os partidos políticos angolanos com o fim de fazer um apelo à Unidade. A esse encontro, compareceram, tanto a UPA como [o] MDIA ou o MLEC, além de nós. Tendo o Holden recusado a formação de uma Frente Única, o MPLA e os outros Movimentos ­confraternizaram num “almoço da Unidade” oferecido pelo ex-Presidente. Foi nesse momento que o MDIA pediu a sua adesão ao FDLA. Houve as reservas que se põem hoje no campo internacional, devido às antigas posições deste Movimento, que nós próprios denunciámos. Mas a euforia da Unidade era já invencível e recomeçou o processo das con­versações, a fim de modificar totalmente a sua atitude política. A exclu­são de colaboracionistas conhecidos como Jean Pierre Mbala foi um facto, assim como a daqueles que o seguiam. Conferências de Imprensa e comunicados nos jornais anunciam o abandono da política [de] não-violência e a aceitação dos princípios defendidos pelo MPLA. Note-se que o processo seguido foi idêntico ao praticado com o NGWIZAKO. Porém, refutamos totalmente as afirmações de alguns militantes que repetem a propaganda ­imperialista, segundo a qual o FDLA teria sido constituído por “inspiração” do Abade Fulbert Youlou. É falso. O FDLA ter-se-ia formado mesmo sem Brazzaville e a reunião do ex-Presidente do Congo, apenas serviu para confirmar as tendências que se concretizavam no Congo-Léo. Nenhum compromisso houve entre o FDLA e Brazzaville. É nossa convicção que a realização de uma Frente Única pode resolver os inúmeros problemas do nacionalismo angolano e as condições actuais da nossa luta, orientada do exterior, a Unidade permitiria que se seguisse uma política justa e eficiente. Nessa Frente, os traidores, colaboracionistas e ambiciosos dificilmente teriam lugar, e este facto explica em grande parte o fraccionismo [fraccionamento] do nacionalismo angolano; dentro de cada formação [fracção] cada ambicioso pode ser uma cabeça, cada oportunista pode realizar uma política, cada marionette seguir um mentor [mestre], cada tendência ligar-se a determinado País para realizar a política desse País. Os germes da guerra civil poderiam ser combatidos com maior eficácia, dentro de uma Frente Unida [da Frente Única]. Aqueles que ainda pensam – à maneira do Comité de Conciliação – que a Unidade pode ser resolvida pela eliminação pura e simples de uma parte dos elementos a unir, iludem [apenas] o problema. Aqueles que dizem que o MPLA já é uma Frente, não precisa [não era preciso] unir-se aos outros Movimentos, metem a cabeça na areia. Aqueles que manifestam a sua repugnância pelos elementos da nossa população refugiada ou emigrada menos capazes politicamente e evitam [cortam] o diálogo com eles, recusam simplesmente [a] compreender a realidade concreta [completa] do nosso País, que não tem [uma] população politizada e de modo algum se pode assemelhar a um país europeu. É certo que a notícia da chegada a Léopoldville duma “Comissão de Conciliação” animou-nos a prosseguir na tarefa da realização do FDLA. A nossa ideia era a de que tal Comissão viria “conciliar” os Movimentos políticos angolanos e, com o FDLA apenas haveria o problema do [de um] entendimento com [o] FNLA. Quanto a nós, a Comissão não realizou a sua tarefa, e pretextando a “divisão” do MPLA ou o “oportunismo” da formação do FDLA, resolveu considerar apenas como força válida, o FNLA.4 (Não se deve esquecer que Viriato da Cruz apareceu diante da Comissão de Conciliação, trazido pelo Holden [pela mão do Holden], apenas para demonstrar que o MPLA estava “dividido”). O FDLA contém no seu seio a UNTA que não pode ser considerada colaboracionista, assim como o MNA. Contudo, devo assegurar-vos que a política realizada no FDLA é a política do MPLA e só pela afirmação da personalidade do Movimento consentiríamos na realização dessa Frente. A mobilização do Povo5 faz-se mais facilmente dentro do FDLA e alguns resultados concretos têm sido obtidos desde já dentro do nosso País. 3º – A deserção do Lima não nos espantou, mas as justificações da sua atitude dadas por ele a certos dirigentes de países africanos, contribuíram certamente para se pensar que o MPLA era uma organização sem moral para a luta. Tivemos [Tivera] também de lamentar o afastamento de Mário de Andrade anunciado através da imprensa no momento mais agudo da crise que fazia pôr à prova os nossos nervos e firmeza. Não existem razões para pensar que as dificuldades que nos levantaram [levanta] o “governo” do Holden ao ser reconhecido por países africanos poderão constituir causas do desaparecimento do campo de [da] luta dos nacionalistas que se batem pela liberação total do País. Este contratempo, aqui no Congo, tem servido para nos afirmarmos mais solidários e mais convencidos de que a nossa acção será, como tem sido, absolutamente in­dispensável. Cada um de nós é um motor da Revolução e deve cumprir com o seu dever histórico junto do Povo. A missão de cada militante honesto, de cada compatriota [patriota], de cada nacionalista, não é fraquejar ante as dificuldades que se levantam, mas, dando prova de coragem, esforçar-se por as vencer. Peço-vos que não vos deixeis afogar no mar imenso da propaganda imperialista lançada contra aqueles que melhor constituem a barreira oposta ao neocolonialismo. Nós estamos firmes no nosso posto, continuaremos a orientar a luta. Mas, porque somos um Movimento Democrático e porque os inimigos e adversários do MPLA têm lançado a suspeita e o boato contra a direcção do Movimento com o fim de o isolar e melhor destruir toda a organização, teremos um confronto com os militantes dentro de uma Reunião Larga a realizar em breve e à qual podereis mandar o vosso representante e expor as vossas críticas, as vossas sugestões e mesmo as vos­sas inquietações. Cada um de nós, examinando o caminho percorrido, tem o direito de perguntar se o actual Comité Director deve continuar a orientar o Movimento. Nós responderemos a esta pergunta honestamente e continuare­mos a luta. Nós confiamos em vós. Nós temos em vós os pilares da organização e a vossa capacidade de sacrifício anima- -nos a pensar cada vez com mais consciência, que a nossa luta não pode parar. Unidos, venceremos todos os obstáculos. Coragem. Não nos deixemos dividir pelo inimigo. Rascunhada sobre o joelho com a pressa de apanhar o avião, esta carta não vos satisfará. Compreendei porém as insuficiências de quem se encontra mergulhado até ao pescoço nos problemas do nosso País. Um abraço em nome do Comité Director AN/LF. AGOSTINHO NETO J. – alguns documentos publicados. [carimbo do CD]

Carta do Comité Director do MPLA, assinada por Agostinho Neto, aos quadros dirigentes estagiários na Argélia (Nº Extra/PRES/963-NA/LF).

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