«A situação angolana»

Cota
0061.000.038
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara «Keve Hoji»
Data
Abr 1964
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
10
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 I Desde há três anos, o último reduto do colonialismo em África teve por sua vez de fazer face à revolta consciente das massas que oprimia. Em Angola, a violência da exploração e da arbitrariedade colonialista geraram a reivindicação violenta do Povo que tinha então percebido que apenas a via armada podia acelerar o processo da sua libertação. Um colonialismo sui generis Os métodos específicos da colonização portuguesa e, em particular o carácter fascista do regime português, por um lado, o condicionalismo económico de Angola em relação aos mercados internacionais e a sua vizinhança com o Congo-Léopoldville, por outro, não permitiram que a luta armada de libertação alcançasse todo o território, o que teria contribuído de forma decisiva para o rápido desmoronamento do regime colonialista. Com efeito, Portugal instaurou em Angola um tipo de colonização sui generis muito diferente dos métodos franceses e britânicos. Sendo Angola fundamentalmente uma colónia de exploração, não deixa de ser também uma colónia de povoamento. Uma corrente migratória incluindo gente de todas as classes da sociedade portuguesa e em particular por desempregados, camponeses e funcionários, não tem deixado de aumentar desde a primeira guerra mundial. De 1950 a 1959, para considerar apenas essa década, a população branca de Angola passou de 79.000 para 209.000 e as estimativas mais sérias elevam esse número a mais de 260.000, tendo em conta a última criação da estratégia colonialista – a importação de “soldados-colonos”. Os colonos portugueses, alguns vivendo em Angola há já algumas gerações, adquiriram uma situação que o seu país não lhes podia oferecer e é com esse sentimento violento de auto-realização e de posse que eles defendem a sua situação privilegiada contra as reivindicações do movimento de libertação nacional. Aliás, Portugal, ele próprio colónia comercial da Inglaterra, não desenvolveu estruturas industriais, escolhendo a via comercial de exploração colonial. Foi assim que o vimos à frente do comércio de escravos e a introduzir um colonialismo de 2ª ­categoria, que consiste em fazer explorar os recursos mineiros das colónias pelo capitalismo internacional, aproveitando as matérias-primas das colónias para a sua pequena indústria (algodão, sisal, oleaginosas). Ao mesmo tempo as colónias servem para escoar os produtos portugueses (nomeadamente os tecidos – 14% do valor da importação total de Angola – e os vinhos – 10% do valor total das importações). Para além disso, é preciso considerar a “importação” de colonos como meio de fixar a colonização e combater o desemprego que grassa em Portugal. Esse colonialismo de 2ª categoria manifesta-se pela importância dos interesses não- -portugueses implantados em Angola. Entre algumas dezenas de trusts ou firmas ­internacionais, destacam-se: 1) o Anglo-American Corporation of South Africa, o Banco Morgan, o grupo Oppenheimer, De Beer’s, Guggenheim, a Forminière, a Union Minière du Haut Katanga para os DIAMANTES (40% de capitais americanos, 11% de capitais pertencentes ao governo português e o resto pertencente ao Belgas e aos Ingleses). A Diamang tem o monopólio da exploração, da prospecção e do comércio dos diamantes de Angola, gozando de isenção total de taxas aduaneiras de importação e de exportação. 2) As firmas Krupp (Hessen) e Hoejgaard & Schultz A.S., que fecharam, em 1960, um contrato de 46,5 milhões US dólares para a exploração de todos os minérios e em particular para o FERRO. Estes dois consórcios encarregaram-se de criar as condições necessárias para o escoamento do minério de ferro pelo Caminho-de-Ferro de Moçâmedes. As facilidades acrescidas concedidas aos capitais alemães convergem com o facto de que Krupp continua a ser um dos mais conhecidos fabricantes de armamento... e ainda com o facto da Alemanha ter contribuído com uma parte considerável para o empréstimo de mais de 150 milhões de US dólares que Portugal arranjou por causa da guerra de Angola. 3) Lays et Frères (MANGANÉS); Péchiney que construiu uma fábrica para o ALUMÍNIO em Angola; Billiton Maatschappij para a BAUXITE; Longyear Cª, Aero Service Corporation, Bethelem Steel para a PROSPECÇÃO MINEIRA; a Petrofina, Royal Dutch, Cabinda Gulf Oil Cª, Chase National Bank para o PETRÓLEO. 4) A Tanganika Concessions Cª (proprietária do Caminho-de-Ferro de Benguela que escoa os minérios do Katanga e da Rodésia do Norte pelo porto do Lobito), o ­Westminster Bank e a British South Africa Cª para os TRANSPORTES. 5) O Banco Rallet & Cª para o CAFÉ, principal exportação de Angola. Os produtos da exportação de Angola dirigem-se principalmente para os EUA, Inglaterra e os países do Mercado Comum (68% do valor total das exportações). Esses países também são os mais importantes no que se refere às importações de Angola, excepto para o caso de Portugal que evidentemente vem à cabeça com 46% das importações de Angola, em valor. Tratam-se aqui de médias para os anos de 1959/60/61. Para além do carácter alienado do colonialismo português, é preciso destacar um outro aspecto específico da colonização portuguesa, o “colonato”. O “colonato” é o instrumento de uma colonização planificada. Os peritos escolhem uma região fértil, criam condições e aí instalam famílias de colonos expressamente recrutadas em Portugal, às quais o Governo português concede um apoio material importante em dinheiro, gado, instrumentos agrícolas, etc. Há seis “colonatos”, um dos quais é destinado à indústria da pesca e derivados (Baía dos Tigres). O mais importante dos “colonatos” agrícolas é o tristemente célebre “colonato da Cela” na região do planalto no centro oeste do País. Para a sua instalação, segundo as declarações do agrónomo responsável em 1961, trinta mil famílias angolanas foram expulsas da região fértil para regiões inóspitas. Em 1958, mais de 2.000 colonos já lá se tinham instalado. Continua a ser o aspecto de fixação e de escoamento de desempregados. Uma repressão feroz... Um outro aspecto significativo marcou o desenvolvimento do movimento de libertação de Angola assim como o das outras colónias portuguesas; foi o regime de ditadura que em Portugal pôde sobreviver ao período liberalista saído da II guerra mundial. Todas as liberdades fundamentais eram e permanecem proibidas, nomeadamente a liberdade sindical, de opinião, de reunião, de imprensa. Em função disso, as organizações políticas clandestinas multiplicaram-se, e até se sobrepuseram. Duas delas conseguiram congregar a quase totalidade do nacionalismo activo: o Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA, fundado em Angola em 1956 e a União das Populações de Angola, UPA, fundada em Léopoldville em 1958. Em 1959, os nacionalistas angolanos e os da Guiné (Bissau) instalaram-se no exterior e puderam finalmente denunciar ao mundo a situação explosiva existente no interior, que só uma repressão bárbara conseguia esconder da opinião internacional. Nesse ano sucederam-se vagas de detenções. Entre os milhares de presos, encontra- -se um punhado dos mais notáveis dirigentes nacionalistas pertencendo na sua maioria ao MPLA. Em Junho de 1960, foi detido o poeta e médico Dr. Agostinho Neto, então à cabeça da organização no interior e hoje Presidente do MPLA, assim como o Rev. Pe. Pinto de Andrade, chanceler do Arcebispado de Luanda e nacionalista dedicado, hoje Presidente de Honra do MPLA. A detenção do Dr. Neto provocou manifestações de protesto na sua aldeia natal, à que os colonialistas responderam com um massacre: 30 mortos e 200 feridos foi o balanço. A 4 de Fevereiro de 1961, os nacionalistas em Luanda, conduzidos por militantes do MPLA, empreenderam o assalto às prisões de Luanda (onde se amontoavam centenas de prisioneiros) depois de terem tirado as armas dos ocupantes dos “jeeps” que patrulhavam os bairros africanos. Nos dias 5 e 6 de Fevereiro, os colonos massacraram, por vingança, mais de três mil angolanos. As acções armadas sucederam-se ao longo do mês de Fevereiro na região algodoeira, entre Luanda e Malange. No mês de Março, a insurreição armada atinge vastas zonas do Norte de Angola, criando o pânico entre os colonos que abandonaram essas zonas até a chegada do exército colonialista, alguns meses depois, para retomarem os centros que tinham caído na mão dos partisans. Entretanto, em Nova Iorque, numa entrevista ao New York Times (20/3/61), o Sr. Holden, Presidente da UPA, nega qualquer responsabilidade da UPA nos acontecimentos que se desenrolavam em Angola, ao mesmo tempo que deplorava “a extrema violência” dos Africanos contra os colonos portugueses. Os primeiros confrontos com o exército e as milícias coloniais deram uma experiência notável aos partisans angolanos, que procuraram refugiar-se na mata e começaram a utilizar a táctica de guerrilha. No entanto, a insuficiente organização impediu que a luta armada se desenvolvesse para etapas mais avançadas. É de notar que a organização da luta sofreu duramente com o facto dos principais dirigentes terem sido condenados. A vizinhança do Congo-Léopoldville jogou um papel importante na luta de ­libertação de Angola, mas em muitos aspectos esse papel foi pernicioso. Os nacionalistas angolanos depositaram sempre as suas profundas esperanças num Congo independente que seria uma porta aberta às necessidades materiais do movimento angolano de libertação. A fixação no Congo-Léopoldville de cerca de 200 mil Angolanos aparecia na época como uma reserva importante de energias, capaz de funcionar como a retaguarda do movimento no interior. O caos que se estabeleceu no Congo a seguir à sua independência consolidou o domínio imperialista sobre esse País, o qual tentou fazer certas organizações do exterior desempenharem o papel de condutoras da luta do Povo angolano. É nesse contexto que é preciso interpretar a coligação Adoula-Holden, e a obstrução sistemática por parte do governo do Sr. Adoula a qualquer actividade do MPLA visando reabastecer, em armas e quadros, os seus grupos de guerrilha. É no mesmo sentido que se podem interpretar as emboscadas feitas por partidários da UPA aos guerrilheiros do MPLA, e que por duas vezes custaram a vida a algumas dezenas de Angolanos dos dois partidos. O domínio imperialista desembocou no reconhecimento pelo governo do Sr. Adoula, num desafio às resoluções de Addis Abeba e ao bom-senso, de um pseudo-governo saído da Frente, constituída pela UPA e o partido Democrata de Angola, antiga “Aliazo”, organização regionalista agrupando os emigrantes angolanos de etnia Bazombo. Essa frente, a FNLA, tinha anunciado em 1962 a constituição de um “governo da república angolana no exílio”. Todavia, no dia do reconhecimento os funcionários congoleses enganaram-se sobre o significado do “r” da sigla “grae”, e transformaram o “governo republicano” num “governo revolucionário”... O aspecto social Da ocupação colonial decorre a contradição fundamental, irredutível entre as duas comunidades: Africanos, oprimidos (4.500.000 aproximadamente) e colonos, ­opressores (mais de 250.000). A geografia social de Angola é muito complexa porque se a população angolana está no estado embrionário de diferenciação social, apesar disso, ela mostra desníveis susceptíveis de gerar o processo de uma luta de classes a seguir à independência. No entanto, a fase actual da luta de libertação relega para segundo plano as contradições entre esses grupos sociais angolanos. Os cerca de oito partidos políticos angolanos, dos quais só o MPLA e a UPA (que com o PDA forma a FNLA) jogam realmente um papel importante, não traduzem de modo algum uma determinada pertença social. De facto, as diferentes camadas sociais angolanas aderem indistintamente a ­qualquer partido. Se existem diferenças, elas são sobretudo étnicas ou regionais. A UPA, a NGWIZAKO e o PDA (ex ALIAZO) são sobretudo compostos pela emigração angolana no Congo, originária de S. Salvador no que diz respeito aos dois primeiros e do Zombo no que diz respeito ao terceiro. O MPLA, que parece mais consolidado nos meios urbanos, apresenta uma composição mais universal. Esta é uma das razões que faz com que o imperialismo, preocupado em dividir todos os movimentos de libertação, apoie abertamente a FNLA (UPA/PDA), explorando a solidariedade étnica já explorada pelos colonialistas belgas no Congo, com o objectivo de implantar mais facilmente o neocolonialismo ou o caos. Em Angola, a esmagadora maioria da população masculina a partir dos 16 anos é, directa ou indirectamente, submetida ao trabalho forçado, enquanto o resto da população, com excepção da minoria que trabalha nas cidades, procura nos campos, preencher o vazio deixado pelos que foram obrigados a partir. Na realidade, o Povo angolano trabalha, em primeiro lugar, para pagar o imposto e depois para viver. Os trabalhadores angolanos constituem ainda uma massa heterogénea de que o “contratado” (trabalhador forçado) é o elemento preponderante. A diversidade de trabalhos que ele é obrigado a fazer (trabalhos nas plantações, nas minas, domésticos, serventes, etc.) apenas lhe conferem uma vaga consciência de pertencer a uma classe de explorados. É no entanto ele quem sofre mais directamente a humilhação e a opressão colonialistas. Obrigado a servir em várias regiões muito afastadas umas das outras, adquiriu consciência da miserável condição de todo o Povo o que o torna, juntamente com as massas camponesas, um dos factores preponderantes na revolta contra o opressor. O desenvolvimento da luta armada à escala de todo o País e a indispensável politização das massas farão deles forças revolucionárias conscientes. Os que tiveram o privilégio de ser considerados “assimilados” e de comer as migalhas de uma pretensa citadania, tornar-se-ão, pela força das circunstâncias, os quadros da Angola de amanhã. É entre esses que se detecta o embrião de uma “burguesia” nacional, por vezes hesitante, mas a maior parte empenhada na luta de libertação. Só a consolidação do processo revolucionário impedirá a afirmação de uma tal classe. A revolução angolana não poderá ser feita de imediato, mas tem todas as hipóteses de ter sucesso. II As razões de um reconhecimento A natureza geográfica e geo-económica de Angola, fazendo parte dos países da África Austral que o Sr. Mennen Williams sonha agrupar num novo conjunto africano, sob a influência dos EUA, levanta problemas complicados aos movimentos de libertação desses Países. Será necessário recordar os encontros no mês de Junho de 1963 Adoula/Williams, Adoula/Wachuku e Wachuku/Williams? Um dos resultados visíveis foi, de qualquer forma, o reconhecimento da FNLA como “governo provisório” e o anúncio da criação em Léopoldville de uma “Casa para os movimentos de libertação” da África do Sul, Moçambique, Sudoeste Africano e Guiné Espanhola. Esses dois factos não constituem elementos de um amplo plano estratégico? Seria ridículo querer atribuir o mencionado reconhecimento a um pseudo-­enfraquecimento do MPLA, como alguns pretendem. De facto, ele surgiu no momento em que os imperialistas e os seus heterogéneos agentes em Léopoldville constataram que os obstáculos que levantavam ao MPLA não o impediam de reforçar a sua posição em todas as frentes, o que fazia prever um novo salto da insurreição angolana. Já em Addis Abeba, o MPLA tinha frustrado os planos do Sr. Adoula que reclamava o reconhecimento da FNLA como única organização angolana em luta. O fracasso de Addis Abeba não desarmou a CIA. O plano grandioso do domínio americano sobre a África Austral não podia ser arruinado de forma tão simples. O MPLA começou a sofrer provocações, por vezes através de simples panfletos anónimos. Foi então que chegou a Léopoldville o Sub-secretário de Estado americano Mennen Williams e pouco depois foi anunciado o reconhecimento de um “governo angolano”, sem mesmo o conhecimento de alguns ministros do Governo Central congolês. A fase da liquidação dos movimentos considerados demasiado perigosos tinha começado. O Comité dos Nove que, pela primeira vez, tomava assento, aceitou enviar a Léopoldville uma Missão de Bons Ofícios para procurar uma plataforma que evitasse as consequências desastrosas da decisão unilateral do Sr. Adoula. Foram desencadeadas provocações contra a sede do MPLA. Alguns dias depois, a sede do MNC-Lumumba também era palco de provocações... Os dirigentes do MNC-Lumumba e do PSA são procurados pela polícia, sem o mínimo respeito pela sua imunidade parlamentar. Seria por acaso que ao mesmo tempo na Nigéria se intensificavam as perseguições aos membros do Action Group? A Missão de Bons Ofícios, presidida pelo Sr. Wachuku (Nigéria), agiu neste contexto e em vez de procurar uma plataforma para a unidade de acção dos partidos políticos angolanos, arvorou-se em tribunal disposta também ela a afastar da cena o MPLA. Ela recusou ouvir o Dr. Neto enquanto Presidente da Frente Democrática de Libertação de Angola, alegando que ela só tinha mandato para ouvir o MPLA e não a FDLA. No dia seguinte recusou ouvir o Dr. Neto enquanto Presidente do MPLA alegando que o tempo destinado aos peticionários se tinha esgotado. Sem sair do Palácio onde funcionava, tendo ouvido sem limite de tempo o depoimento da FNLA, sem se preocupar em verificar os fundamentos das afirmações e dos testemunhos do governo do Sr. Adoula, e atribuindo-se poderes demasiado amplos, a Missão de Bons Ofícios declarou-se competente para estatuir sobre a “supremacia da FNLA” e a “importância menor do MPLA” e em seguida para recomendar o reconhecimento do pretenso “governo provisório”. E todo essa arbitrariedade à custa do Povo angolano e com desprezo pelas decisões de Addis Abeba que insistiam na unidade. O futuro do movimento de libertação angolano Ao longo destes três anos de luta armada, os partisans angolanos acumularam uma rica experiência que lhes permite olhar para o futuro com confiança. À euforia das primeiras vitórias sucedeu-se a reflexão sobre as causas dos primeiros fracassos e a certeza que o Povo angolano deveria contar em primeiro lugar consigo mesmo e não se deixar embalar no do caminho atapetado por um número incalculável de Resoluções e de promessas de ajuda. Aprendeu o verdadeiro sentido da Solidariedade e da Fraternidade. Ele compreende melhor que a sua libertação não será alcançada apenas com a liquidação da dominação colonial portuguesa. Já outros inimigos vêm mover os seus peões no tabuleiro de xadrez. Entretanto, o colonialismo português reforça o seu dispositivo militar (52,5 milhões de dólares estão previstos para reforçar as operações militares em 1964). A ofensiva psicológica não pára e um “reformismo” hipócrita tenta desmobilizar as massas. Foi nesse quadro que houve, no mês de Março último em Angola uma farsa eleitoral visando “colorir” minimamente o Conselho Legislativo, cujo número de assentos foi para tal alargado de 26 para 34. É óbvio que este alargamento em nada afectou o carácter não-executivo do dito Conselho, nem mudou fosse o que fosse a não- -­participação dos Angolanos nas responsabilidades executivas. O próprio acto eleitoral não teve nenhum significado, estando fixadas de antemão as percentagens de votantes. A vigilância do Povo angolano pôde frustrar essas manobras que visavam a sua desmobilização. Nove meses depois das recomendações insensatas do Comité dos Nove, deveríamos estar em posição de notar da parte do grupo que foi chamado “governo provisório”, realizações, iniciativas tendentes a intensificar a luta de libertação. As declarações muitas vezes contraditórias e fantasistas feitas a partir de Léopoldville, do Cairo, dos EUA, de Tunis e de Argel pelos representantes da FNLA, e sobretudo o que essas declarações deixam adivinhar, mostram o quanto a aceitação de um “governo” para Angola foi prematura, até mesmo oportunista. A sua não-representatividade e a sua ineficácia são visíveis. As massas angolanas continuam a exigir a unidade de acção das organizações políticas. Elas perguntam-se porquê que as armas oferecidas à UPA não chegam até elas e porquê que os guerrilheiros do MPLA sofrem o boicote sistemático do Sr. Adoula. Põe-se um problema de consciência aos responsáveis africanos que se precipitaram na via do reconhecimento. O Povo angolano e os Povos africanos têm o direito de exigir soluções realistas que tenham sobretudo em conta os interesses do Povo angolano. Sempre o Comité dos Nove Os Povos africanos tomaram conhecimento e os Chefes de Estado e de Governo terão de se pronunciar sobre a gestão do Fundo de Libertação. Há algum tempo, a “Révolution Africaine”, que já tinha feito eco das observações do “L’Etincelle” sobre o Comité dos Nove, punha em causa a gestão das cercas de 600.000 libras recolhidas pelo Fundo de Libertação. A “Révolution Africaine” fazia notar que apenas 175.000 libras tinham sido concedidas aos movimentos de libertação e estava surpreendida com o facto do salário anual do Secretário-Geral do Comité dos Nove poder ser superior à soma entregue ao PAIGC. (Cf. R.A. nº 58, de 7/3/64). É ainda de notar que a organização mais favorecida tenha sido a UNIP (85.000 libras, quer dizer 50% das somas distribuídas) que não levam a cabo uma luta armada e cujo país (Rodésia do Norte) está em vésperas da sua independência. Isso permite pensar que o Comité dos Nove quer desencorajar a via armada de libertação e fixar, como única válida, a estratégia que leva à negociação, ou até ao compromisso. Pode-se esperar que os Movimentos de libertação peçam aos Chefes de Estado e de Governo medidas concretas para acabar com esses procedimentos que prejudicam a Revolução. Porque não introduzir no seio do Comité dos Nove representantes dos movimentos de libertação? A etapa actual continua a exigir sempre dos patriotas angolanos o estabelecimento de uma unidade de acção. As recentes declarações do MPLA sobre a necessidade urgente de um Congresso de nacionalistas angolanos, encontraram um eco entusiástico junto dos patriotas angolanos e de numerosos responsáveis africanos. Possam os Países africanos ajudar nesta etapa, evitando qualquer ingerência que apenas complicaria a situação, como a experiência demonstrou. Seja como for, o Povo angolano vencerá. KEVE HOJI [L.Lara] [Nota manuscrita por L. Lara: Accra, Março de 1964, mas deve ser de Abril]

«A situação angolana», texto com emendas de Keve Hoji [Lúcio Lara] (Accra, Abril 1964)

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