«Pijiguiti», publicação da UGEAN

Cota
0085.000.004
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
UGEAN
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
10

*[Manuscrito: Ag 66]
*[Capa: «3.Agosto.1959 – Pijiguiti – UGEAN»].

3 de Agosto de 1959

Tudo se passou em Bissau, capital da Guiné, naquela manhã de 3 de Agosto de 1959. Os trabalhadores africanos, não obstante as ameaças e a repressão que sempre constituíram o pão nosso de cada dia nas nossas terras, decidiram pôr-se em greve, para assim forçarem a camarilha colonialista a aceitar o mínimo de satisfação das reivindicações justas das massas trabalhadoras africanas.
Sobre o cais de PIJIGUITI, no porto de Bissau, os colonialistas portugueses e os seus agentes, que incluíam tropas, polícias e colonos armados, abriram fogo sobre a população pacifica africana, 50 trabalhadores africanos eram assim barbaramente assassinados em menos de meia hora e mais de uma centena de outros Camaradas eram gravemente feridos pela horda colonialista.
PIJIGUITI entrava assim na História como o «BERÇO DA REVOLUÇÃO» na terra heroica da Guiné. E o seu Povo via confirmar-se, uma vez mais, que para fazer face à criminosa demência colonial nada mais havia a fazer do que vingar PIJIGUITI, empunhar as armas e começar o glorioso combate que iria arrancar das mãos assassinas o torrão natal e trazer às terras africanas secularmente exploradas por um colonialismo atroz, a paz e a felicidade tão desejadas.

3 de Agosto de 1959

Era chegada a hora da salvação nacional. Numa declaração solene o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) apelava o Povo da Guiné a levantar-se como um só homem para derrubar o colonialismo português.
Assim, seguindo os seus Companheiros de armas Angolanos, os heroicos combatentes da Guiné e Cabo Verde, proclamavam ao Mundo, no 2º aniversário desta data gloriosa, a passagem da luta da fase política à acção directa.
E, em Janeiro de 1963, o PAIGC dava inicio à luta armada contra o ocupante colonialista português.
A fauna havia alastrado na planície e começara a escrever-se com lágrimas de sangue uma das mais gloriosas epopeias do movimento de libertação nacional dos povos: a luta armada de libertação nacional da Guiné e Cabo Verde.

3 de Agosto de 1966

Na recordação dos heróis de PIJIGUITI, os heróis que caíram vítimas da chacina colonialista, é todo um Povo que com ardor patriótico se inclina, na satisfação de haver cumprido a promessa do   3 de Agosto de 1961: mais de metade do território nacional da Guiné se encontra liberto da dominação secular colonialista portuguesa.
E PIJIGUITI não mais se repetirá na vida dos Povos libertos da escravatura colonialista, nas terras ardentes e fecundas em heroicidade da Guiné… Uma vida nova, digna, se encetou para esses povos, nossos Povos!
Nesta data gloriosa para os Povos e Países em luta contra o colonialismo português, o Comité Executivo da UGEAN, em nome dos seus militantes e em seu nome, saúda com entusiasmo as vitórias do Povo heroico da Guiné e Cabo Verde, sob a conduta esclarecida do PAIGC.
Os heróis de PIJIGUITI, assim como todos os heróis anónimos da luta de libertação dos nossos Povos e serão para todos nós, o estímulo na não menos difícil missão que as nossas Vanguardas e os nossos Povos nos incumbiram.
Ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, PAIGC, sob o impulso do qual e sob a brilhante condução do qual os Povos heroicos da Guiné e Cabo Verde têm arrancado - para sempre – vitórias e mais vitórias e libertado mais de metade do território nacional o CET da UGEAN expressa, nesta data gloriosa, as suas mais calorosas felicitações e se inclina com respeito diante da memória desses heróis que, nos cais de Pijiguiti, caíram ao serviço da honra e da dignidade dos nossos Povos.
A todos os seus militantes, nesta hora solene, hora de PIJIGUITI, o CET apela para a unidade revolucionária de todos os trabalhadores intelectuais da Guiné, Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, nesta vasta frente que é a UGEAN.
Saibamos ser dignos dos heróis de PIJIGUITI e presentemos-lhes a melhor homenagem que neste dia memorável podemos oferecer: reforçar cada vez mais a nossa unidade, na disciplina e cumprindo integralmente a missão que nos incumbiram os nossos Povos e as suas Vanguardas Revolucionárias.

GLÓRIA AOS HERÓIS DE PIJIGUITI!
ABAIXO O COLONIALISMO PORTUGUÊS E O IMPERIALISMO QUE O APOIA!

                                                                                                                                    O CET DA UGEAN

Amílcar Cabral    
                                     mensagem
ao povo da Guiné e Cabo Verde

Na comemoração, em 1965, do 6º Aniversário dos Massacres de Pijiguiti, Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, endereçou uma mensagem ao Povo da Guiné e Cabo Verde.
É essa mensagem que reproduzimos, em seguida, neste número especial dedicado à Jornada Heroica de Pijiguiti.
Com efeito, esta mensagem tem o valor de um documento que traça toda a luta do Povo da Guiné e Cabo Verde e do seu Partido de Vanguarda, o PAIGC, contra o colonialismo português.
Há precisamente 6 anos – a 3 de Agosto de 1959 – os colonialistas portugueses cometeram na nossa terra um dos maiores crimes contra a nossa população sem defesa. Sobre o cais de Pijiguiti, no porto de Bissau, os agentes colonialistas portugueses (tropa, polícia e alguns colonos armados) mataram a tiro, em menos de meia hora, cinquenta trabalhadores africanos em greve e feriram mais de uma centena.
O povo africano de Bissau, que assistia horrorizado ao massacre teve de conter a sua indignação, para evitar mais perdas em vidas humanas. Mas o crime cometido pelos agentes colonialistas armados contra os nossos irmãos sem defesa, reforçou nos nossos corações em todos os africanos honestos e patriotas – o ódio ao colonialismo português e afirme decisão de acabar com a dominação estrangeira na nossa terra.
Os trabalhadores do porto de Bissau e dos barcos de transporte fluvial – entre os quais muitos militantes e responsáveis do nosso Partido clandestino – conquistaram, pela sua acção e patriotismo, um lugar de relevo na História do nosso Povo. Enfrentando com coragem e heroísmo as armas criminosas dos colonialistas portugueses, deram ao nosso povo, à África e ao Mundo, uma prova clara da nossa resolução de acabar com o colonialismo português na nossa terra, quaisquer que fossem os sacrifícios a consentir. Por isso o dia 3 de Agosto ficou gravado nas nossas memórias, na vida e na História do nosso povo, como a data mais importante da nossa luta contra o colonialismo português.
Mas o massacre de 3 de Agosto foi mais do que um crime dos colonialistas portugueses, foi mais do que um acto de heroísmo patriótico do nosso povo trabalhador. Os acontecimentos de 3 de Agosto foram uma lição para o nosso povo africano e para a direcção do nosso Partido.
Na verdade, o massacre do cais de Pijiguiti mostrou ao nosso Povo e ao nosso Partido nacional, o verdadeiro caminho para o desenvolvimento da nossa luta de libertação. Com o sacrifício glorioso e útil e dos trabalhadores assassinados diante do carácter criminoso e da falta de escrúpulos dos colonialistas portugueses, devíamos mobilizar o nosso povo tanto na Guiné como em Cabo Verde, uni-lo em torno do nosso Partido, organizá-lo e prepará-lo para a luta. Aprendemos ainda que a nossa acção não devia ser feita nas cidades e que, diante das armas dos colonialistas portugueses, única forma de luta deve ser a luta armada.
Por isso, a Conferência clandestina do nosso Partido que teve lugar a 19 de Setembro de 1959, em Bissau, tomou a decisão histórica de dar ao nosso Partido um novo programa e de preparar o nosso povo para a luta armada.
No quadro do programa elaborado em Setembro de 1959, e para marcar a importância histórica do massacre de Pijiguiti, o nosso Partido proclamou, a 3 de Agosto de 1961, a passagem da nossa luta da fase política à acção directa contra os colonialistas portugueses. O nosso povo, dando prova da sua correspondência política e da sua devoção à luta libertadora, respondeu com entusiasmo às palavras de ordem do nosso Partido, que ordenou a sabotagem das vias de comunicação e das bases económicas dos colonialistas.
As grandes vitorias alcançadas pelo nosso povo e pelos militantes do nosso Partido na execução das operações de sabotagem – que provocou a paralisação quase total das comunicações na Guiné - marcaram uma fase no desenvolvimento da nossa luta. Os colonialistas portugueses, surpresos e irritados com a acção entusiástica do nosso povo, que sabotou estradas, pontes, fios de telefone e vários armazéns das empresas comerciais portuguesas, desencadearam então uma das mais violentas campanhas de repressão contra as nossas populações e os militantes do nosso Partido. Prenderam milhares de pessoas, entre as quais o heróico Presidente do nosso Partido, Rafael Barbosa, e outros responsáveis, queimaram aldeias, massacraram populações sem defesa, assassinaram barbaramente alguns dirigentes do Partido, como o corajoso Vitorino Costa, queimaram vivos e atiraram aos rios militantes do nosso Partido e destruíram várias bases clandestinas no mato. Mas já era tarde para parar a marcha irreversível da nossa luta, para afogar o entusiasmo revolucionário do nosso povo, mobilizado, organizado, e dirigido pelo nosso Partido.
Passo a passo, com coragem e decisão, reforçamos a nossa organização e arranjamos os meios humanos e materiais necessários para a luta armada contra as tropas colonialistas. E em Janeiro de 1963, depois de várias operações isoladas mas victoriosas contra as tropas coloniais e contra os agentes da Pide, o nosso Partido ordenou o desencadeamento da luta armada generalizada no sul do país.  Seis meses depois, com base em esforços e sacrifícios sempre renovados, conseguimos desencadear a luta armada no norte do país. Em alguns meses de luta armada, infligimos derrotas espetaculares ao inimigo, libertamos uma parte considerável do nosso território nacional e criamos as condições necessárias para garantir o prosseguimento da nossa luta, fossem quais fossem as forças dos colonialistas.
Hoje, 3 de Agosto de 1965, ao lembrarmos com respeito e patriotismo, a memória dos nossos irmãos trabalhadores assassinados no cais de Pijiguiti, temos razões bastantes para estar satisfeitos e para encarar o futuro com segurança e optimismo.
Na Guiné, em dois anos e meio de luta armada, libertamos cerca de metade do nosso país e os colonialistas estão na defensiva. Nas regiões libertadas, estamos a construir uma vida nova, temos várias dezenas de escolas em funcionamento com cerca de 4.000 alunos, instalamos o comércio para abastecer as populações em artigos de primeira necessidade através dos Armazéns do Povo, criámos os serviços de Assistência sanitária e vários outros organismos que são já o começo do nosso Estado Independente. Temos milhares de combatentes na Guerrilha e criamos o nosso Exército Popular que se bate em todas as regiões ainda não totalmente libertadas, no Gabu como no Chão dos Manjacos, no Boé como em S. Domingos. As nossas forças, que infligiram aos colonialistas derrotas importantes como na Ilha de Como, em Morés, em Pirada, em Cafine, etc., operam já bem perto de Bissau e qualquer dia estaremos às portas da capital da nossa terra.
A par da luta armada, preparamo-nos para resolver todos os problemas que teremos de enfrentar depois da conquista da nossa Independência. Centenas de jovens estão a frequentar cursos superiores e médios no estrangeiro, formamos e estamos a formar dezenas de enfermeiras, parteiras, assistentes sociais e outros quadros. Temos estudado com devoção e espírito científico os problemas do desenvolvimento económico, social e cultural da nossa terra.
Em Cabo Verde, onde a consequência política do povo é cada vez maior, as condições já são boas para passagem da luta à acção armada. Sob a direcção do nosso Partido, o nosso povo prepara-se actualmente para desencadear o mais cedo possível a luta armada que conduzirá a libertação total dessa parcela do território nacional do jugo colonial português, da miséria, da fome e dos ferimentos a que há séculos estão a sujeitas as populações cabo-verdianas.
Em África e no Mundo, o prestígio do nosso partido e do nosso povo é cada vez maior. A nossa voz é ouvida com respeito e consideração em todas as reuniões africanas e internacionais.
Nesta luta heroica que no começo era desigual, somos hoje mais fortes do que o inimigo, apesar dos seus 20.000 homens presentes na nossa terra. Dispomos de armas poderosas e cada dia dispomos de meios mais eficazes para liquidar as forças colonialistas, das quais mais de dois mil homens, dezenas de camiões, aviões, viaturas ligeiras e muito material foram postos fora de combate. Temos munições e todos os meios para lutar todo o tempo que for necessário, até à libertação total da nossa terra. Temos, por outro lado, a ajuda cada vez maior e mais eficaz dos povos irmãos da África e de todos os povos e organizações anti-colonialistas do mundo.
Pelo contrário, os colonialistas portugueses, que também fazem a guerra em Angola e Moçambique, estão cada dia mais isolados no mundo e sofrem na nossa terra cada dia mais derrotas. Obrigados a esconderem-se atrás do arame farpado e das minas que envolvem as suas casernas, os militares portugueses estão a cada dia mais desmoralizados e só desejam encontrar maneira para se libertarem da guerra colonial que lhes é imposta pelo seu governo, contra os interesses do próprio povo português. Além disso, os traidores, como alguns régulos e altos funcionários, sentem agora que a hora da justiça está a chegar, vivem com medo e começam a fazer tudo para abandonarem o seu patrão colonialista.
O nosso povo, solidamente unido em torno do nosso Partido, sente-se mais do que nunca, seguro da victória final da nossa luta, que não vai tardar. Nada no mundo poderá evitar a derrota total dos colonialistas portugueses na Guiné e em Cabo Verde, e a independência nacional da nossa Pátria, no caminho da construção da Paz, do progresso e da felicidade do nosso povo.
Por isso, ao lembrarmos os nossos irmãos cobardemente massacrados no cais de Pijiguiti, ao saudarmos o nosso povo heroico e os corajosos combatentes do nosso Partido, nesta data histórica de três de Agosto temos de declarar:
- Aos Africanos da nossa terra que até agora têm estado a trair os interesses do nosso povo, servindo miseravelmente os colonialistas portugueses, dizemos-lhes que ainda não é tarde demais para terem a coragem de mudar de caminho e de juntarem-se às fileiras, na luta gloriosa e victoriosa contra os colonialistas portugueses. Aqueles que preferem a voz da barriga à voz da razão, serão liquidados como liquidados serão seguramente todos os agentes dos colonialistas portugueses.
- Aos militares portugueses que vivem hoje na nossa terra uma vida de tragédias e de sofrimentos, dizemos que compreendemos o seu desejo de se libertarem da guerra colonial e encorajamo-los a buscar audaciosamente o caminho da liberdade, a juntarem-se às nossas forças para melhor defenderem os interesses do próprio povo português. Ainda estão a tempo de evitar a morte inglória na nossa terra e de preferir a vida, ao serviço das suas famílias desesperadas e ao serviço do seu povo.
- Aos civis portugueses e outros estrangeiros, que tenham ou não tenham interesses no nosso país, repetimos-lhes que nós lutamos para criar uma pátria onde todos os homens, independentemente da sua nacionalidade, terão direito ao trabalho e a uma vida digna, desde que respeitem a soberania do nosso povo. Devem, portanto, continuar a fazer tudo para evitar compromissos com os criminosos colonialistas portugueses.
- Ao nosso povo, aos nossos heroicos combatentes das forças de guerrilha e do Exército Popular, aos milicianos e milicianas, a todos os militantes e responsáveis do nosso grande Partido, dizemos: Para frente, companheiros, cada dia com mais coragem e decisão, no caminho da libertação total da nossa pátria, para construir a paz e o progresso do nosso povo.
Os trabalhadores assassinados no cais de Pijiguiti e todos os mártires da nossa luta, não morreram nem nunca morrerão. Eles ressuscitam cada dia nos nossos corações, reforçando o combate glorioso do nosso povo pela liquidação total da dominação estrangeira na nossa terra!
Irmãos e companheiros de luta:
Nenhuma força no mundo será capaz de evitar a libertação total do povo da Guiné e de Cabo Verde!
Glória aos nossos irmãos tombados no cais de Pijiguiti sob as balas cobardes dos colonialistas!
Glória aos heroicos combatentes do nosso povo!
Glória ao nosso grande Partido – o PAIGC -, força principal, guia e luz do nosso povo na sua luta pela liberdade e pelo progresso!
Morte aos colonialistas portugueses e a todos os seus servidores!


                                                                                                                                         Amílcar Cabral


                                                                        aos heróis de pijiguiti    
 
Naquela manhã no porto
os homens
acordavam
para a vida que ressurgia
na quietude dos guindastes
na solidez das amarras
que seguravam os mensageiros da morte.

Naquela manhã no porto
macadame tornara-se rubro
rubro como as tardes consoladoras
os pôr-de-sois que os homens 
contemplam
 na fecundadora esperança
do Amanhã.

Naquela manhã do porto,
as balas assassinas quebravam 
o silêncio voluntário
dos homens
cansados de vender a troco
do chicote
das semanas sem fim
dos salários de fome 
o suor ardente que cria
a certeza
que desbrava a floresta, seca os pântanos
e transforma os homens.

Naquela manhã no porto
vozes de homens
no barulho ensurdecedor da metralha.

Os que caíram no cais 
vivem nos homens das matas
respaldando triunfantes
a Bandeira da Vitória.

Naquela manhã no porto
os heróis semearam sangue
que alimenta a esperança vermelha
dos homens.
 Alger, Agosto 1966
Luís d´Almeida

NÚMERO ESPECIAL
EDITADO PELO CET DA UGEAN POR OCASIÃO DO 7º ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE PIJIGUITI.
Alger, 3 de Agosto de 1966

«Pijiguiti», publicação da UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra sob dominação colonial portuguesa).

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