«A Situação política em Portugal e a luta de libertação nas colónias portuguesas»

Cota
0085.000.027
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Data
1966 (estimada)
Idioma
Conservação
Mau
A SITUAÇÃO POLÍTICA EM PORTUGAL E A LUTA DE LIBERTAÇÃO NAS
COLÓNIAS PORTUGUESAS

As profundas transformações sócio-económicas que se observam há uma década nas estruturas das sociedades altamente industrializadas da Europa, correspondem a uma nova estratégia do capitalismo europeu face a problemas e contradições inerentes ao próprio sistema capitalista, a saber:
a. As necessidades impostas pela crise de crescimento dos capitalismos nacionais europeus, motivadas pelo alargamento do campo socialista e pelo desenvolvimento das lutas de libertação dos povos de África, Ásia, e América Latina, impunha-lhes a reestruturação da sua máquina de produção e de exploração, a eliminação de certas barreiras protecionistas (Marche Comum) e a criação e novos mercados de maneira a aumentar consideravelmente os lucros monopolísticos.
b. Fazer face ao leadership dos Estados Unidos da América.
c. Eliminação das contradições internas, de maneira a melhor barrarem a investida política e económica dos países socialistas no Tiers Monde.

Estas importantes transformações de estrutura correspondem à ultima fase de concentração monopolística do imperialismo europeu, e apresentam características de domínio e de exploração particulares:
a. Movimentos migratórios de grandes massas proletárias oriundas de países europeus sub-desenvolvidos que serão submetidos nos países altamente industrializados a uma exploração desenfreada. Estas constituem o instrumento de chantage maneável face as exigências crescentes dos proletariados nacionais organizados e politicamente conscientes.
b. Através da penetração do capital financeiro e igualmente da corrupção das burguesias nacionais, assiste-se também a transformação das estruturas económicas desses países sub-desenvolvidos em esquemas de sujeição económico-financeiras aos potentados europeus; e, em aliança aberta com a alta finança europeia, organiza-se um largo sector da oligarquia financeira em luta aberta contra os sectores económico tradicionais, com tradução crescente no xadrez político de cada um desses países desenvolvidos. Esta penetração financeira nestes últimos países e os mecanismos económicos postos assim em marcha tem como consequência uma maior exploração das massas trabalhadoras, a proletarização de uma parte importante de pequena burguesia, a uma actividade económica cada vez mais difícil da média burguesia perante a tendência monopolística da alta burguesia.
c. Com o fim de evitar a radicalização das lutas de libertação nacionais essa burguesia neo-capitalista europeia pôs em funcionamento novos mecanismos económicos e políticos utilizando elementos nacionais africanos que lhe permitiram a continuação da exploração das riquezas dos países africanos.
d. O neo-colonialismo constitui sem dúvida obstáculo principal para a realização das aspirações e necessidades primárias das largas massas populares africanas.
Portugal apesar de ser um país colonizador apresenta uma economia com características dum país subdesenvolvido: Uma agricultura essencialmente consagrada as necessidades internas uma indústria de transformação insignificante um sector de consumo extremamente limitado e exportando em grande maioria produtos primários manufacturados. Mas além de ser um país colonizador de características subdesenvolvidas Portugal é também um país colonizado pelas potências imperialistas.
A Inglaterra, a França, a Alemanha Ocidental e os Estados Unidos dividem entre si o domínio económico. Com estas características Portugal não podia fugir de maneira nenhuma ao impacto de ofensiva lançada pela finança dos países neo-capitalistas em especial a Alemanha Ocidental, a França, nem alhear-se das transformações em curso na Europa e na África.
O vasto espaço sócio-económico ‘português’, representado sobretudo pelas colónias, permitiu a burguesia portuguesa colmatar as brechas do edifício fascista-corporativista recorrendo a soluções de fuite en avant. A emigração massiva das suas massas trabalhadoras e a pilhagem sistemática das riquezas das colónias e a exploração desenfreada de todos os sectores das populações africanas, permitiram a estagnação da economia, a existência duma burguesia parasitária e impediram em suma a realização da revolução industrial em Portugal.
No entanto as aflitivas contradições internas com que se bate o regime, a posição retrograda de Portugal no concerto internacional, o isolamento crescente dos defensores do fascismo, a ameaça que representa a onda de emancipação dos povos do Tiers-Monde e as contínuas pressões por parte da Finança internacional constituíram antes do desencadeamento das guerras de libertação nos nossos países os sinais de alarme indicativos para certos sectores da burguesia portuguesa da necessidade de se introduzirem profundas transformações na sociedade portuguesa.
Mas no entanto, os factores catalizadores que condicionam as alterações que se observam actualmente nas estruturas político-económicos portuguesas e que encontram tradução política nos conflitos no seio da União Nacional e na agudização das contradições sociais que se revelam por um aceleramento e aprofundamento das lutas políticas antifascistas, esses factores catalizadores são essencialmente o desenvolvimento das lutas de libertação nacional em Angola, na Guiné e em Moçambique.

O imperialismo europeu, de acordo com a nova estratégia neo-capitalista, decidiu lançar uma ofensiva económica com o fim de conquistar novos mercados nos países sub-desenvolvidos da Europa. Portugal é solicitado a participar nos grandes conjuntos económicos políticos europeus. Certos sectores da burguesia portuguesa admitem a possibilidade de uma viragem económica em direcção à Europa.
A última década assistiu a uma penetração crescente do capital estrangeiro, o que teve como consequência um progresso das actividades económicas modernas em relação as tradicionais. Mesmos nos nossos países colonizados se assiste a uma transformação, se bem que o menor grau, dos esquemas de exploração clássica, verificando-se um surto de implantação de capitais estrangeiros ligados a capitais portugueses, sob forma de grandes empresas de exploração mineira e comercial que abrem a esta camada da burguesia portuguesa lucros monopolísticos desmedidos.
Assiste-se actualmente no seio da burguesia portuguesa a uma diferenciação de interesses económicos e políticos. Não há dúvida de que os interesses tradicionalmente conservadores do latifundiário, do industrial dos têxteis e da cortiça, assim como dos pequenos e médios colonos que fazem da estrutura esclavagista colonial a base dos seus lucros e mesmo da sua existência, se diferenciam cada vez mais dos interesses duma corrente da burguesia portuguesa interessada em grandes empreendimentos, em modificações de estrutura, em grandes lucros monopolísticos, e cada vez mais ligada a alta finança europeia.
Esta diferenciação de interesses encontra tradução em lutas pela supremacia política, em especial no seio do aparelho que até a curto prazo servira de plataforma de compromisso político aos interesses ainda não concorrentes da burguesia fascista portuguesa: a união nacional. O desencadeamento das guerras de libertação nos nossos países que fez estremecer as frágeis estruturas económicas portuguesas e espalhou pânico no seio da burguesia, conferiu novas armas a corrente da burguesia reformista.
Esta corrente da burguesia portuguesa, cujos expoentes políticos são antigos colaboradores do regime fascista, fortemente apoiada pela finança europeia embora descrentes da possibilidade de Portugal se manter nas colónias pela via militar, necessita ainda, de um período de transição para se fortalecer no campo político militar e para conquistarem o poder político, para remodelarem as frágeis estruturas económicas financeiras num sentido dominante Portugal Europa, e para a implantação eventual dispositivos neo-colonialistas nos nossos países.
A penetração caudalosa de capitais estrangeiros em Portugal e nas colónias sobretudo após 1961 o que permitirá evitar momentaneamente o desastre que se avizinha, a promulgação de novas leis orgânicas cujo sentido demagógico não escapou as populações dos nossos países, o esforço para constituição de elites africanas pela atribuição de bolsas de estudos e pela promoção política e social de técnicos superiores africanos são sintomas que traduzem certamente tentativas de mistificação das populações dos nossos países e da opinião política africana e internacional. No entanto, é necessário ter em conta que essas medidas e tantas outras foram promulgadas quando certos expoentes políticos desta corrente da burguesia portuguesa ocupavam postos ministeriais. Esses factos podem representar esforços reais em aplicar dispositivos duma política de neo-colonialista. Esta política de descolonização, anunciada pelos seus ideólogos duma forma velada ou aberta, a ser aplicada por esta corrente da burguesia reformista após a conquista do poder político, seria necessariamente diferente na sua aplicação em cada um dos nossos países. O que estaria dependente em suma da relação de forças existentes entre as forças nacionalistas revolucionárias e dos graus de mobilização de todas as camadas da população no combate libertador e, por outro lado, da situação das forças repressivas do ocupante português.
Os instrumentos sociais africanos para aplicação desta política de neo-colonialista poderiam vir a ser constituídos pelas camadas de pequena burguesia, burocracias e chefias tradicionais que não tenham sido mobilizados pelos movimentos libertador, ou que esperem vir a ocupar o lugar colonialistas na exploração das massas populares em colusão estreita com o antigo ocupante ou com a finança internacional.

No entanto, o salazarismo, expressão da corrente da burguesia ultra-conservadora e ultra-colonialista, conseguiu a curto prazo adiar o desastre total que constituiria a perda das ‘colónias’ para a burguesia portuguesa (mesmo para a burguesia reformista...) e evitar a eclosão do conflito crescente que opõe as duas correntes da burguesia. A recusa a satisfação das aspirações legítimas dos nossos povos pelo aumento da repressão através duma máquina repressiva sem paralelo e, por outro lado, o apelo aos capitais estrangeiros constitui os dois polos dum equilíbrio instável no seio da burguesia portuguesa.
Os encargos financeiros que comporta a manutenção da máquina repressiva militar em 3 frentes de batalha e a presença em Portugal de um numeroso aparelho policial, estão para além das possibilidades económicas dum país sub-desenvolvido como e Portugal.
Para cobrir as despesas da guerra o governo colonialista português intensifica a exploração dos trabalhadores, aumenta impostos e taxas provoca a subida dos preços e o aumento do custo da vida; certos sectores da burguesia, até então privilegiados, foram sucessivamente atingidos já que das massas populares super-exploradas pouco mais se obtinha; a juventude portuguesa é lançada numa repressão monstruosa e paga com a vida ou com a perversão espiritual um sacrifício inútil.
O descontentamento é crescente no seio das massas populares, da juventude, da média burguesia e mesmo de largos sectores da igreja.
O apelo a ajuda militar e financeira internacional tornou-se necessário, já que nem a frágeis estruturas económicas portuguesas nem os sacrifícios impostos as largas massas trabalhadoras da população portuguesa eram suficientes para suportar as despesas da guerra colonial. Aos primeiros que correram em socorro do ultra-colonialismo português Espanha e África do Sul que viam na luta de libertação dos nossos povos uma ameaça directa a conservação de regimes baseados no fascismo e no apartheid juntaram-se mais tarde o grupo da OTAN, donde emergem pelo volume de capitais e pela ganância de lucros desmedidos a Alemanha Ocidental, a Inglaterra e os EUA.
Graças a acumulação de reservas financeiras conseguidas através da exploração esclavagista dos nossos povos, graças aos impostos extraordinários e aos empréstimos estrangeiros o regime ponde, a curto prazo e temporariamente suportar as consequências da guerra colonial.
Os efeitos indirectos, político-sociais, são muito mais graves. Nem a teoria do corporativismo, ideologia vazia e sem qualquer possibilidade mobilizadora do povo, o que foi confessado pelo próprio Salazar no seu último discurso - nem a teoria da Comunidade lusitana que faz de Portugal um todo uno apesar da descontinuidade geográfica (sem qualquer aceitação no seio das populações dos nossos países e no plano internacional, pelo que ela contém de falsidades e de contradições) - nem a cobertura moral conferida ao fascismo pela Igreja, nenhuma destas (teorias) conferiu a justificação ideológica e moral a esta empresa de genocídio ultra-colonialista.
E legitimo interrogar-se em que medida não existirá uma diferença marcante, entre os princípios morais ou ideais humanitários proclamados nos textos legislativos que informam a dita missão civilizadora de Portugal e a prática colonialista.
No caso duma potência imperialista como França, por exemplo, distinguiu-se a França ideal, propulsora da Declaração dos direitos do Homem da França real, com que estiveram empenhados os combatentes do Vietnam ou da Argélia.
Rigorosamente, tanto nos diplomas fundamentais como na doutrina elaborada pelos ideólogos portugueses, após a proclamação da República (para tomarmos como ponto de partida o título V da Constituição de 1911)., ressalta a concepção anacrónica dum Portugal eleito para a empresa de arrancar os povos sob a sua «dominação das trevas nefastas da idolatria e da barbárie».
«E da essência orgânica da Nação portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar». Donde se pode concluir que a orientação doutrinária da política colonial do governo português traduz uma adequação dos princípios a realidade existente. Noutros termos, o conjunto das justificações de ordem espiritual, moral ou histórica que fundamenta a ideologia colonial dos governantes portugueses corresponde, na prática aos seus interesses fundamentais sobretudo no contexto dum regime com as características fascistas e tipo de estruturas sócio-económicas do «Estado Novo».
Não sem encontrar uma forte resistência da parte dos elementos tradicionalistas, as modificações de terminologia, as «modificações» dos diplomas legislativos adoptados em matéria colonial desde 1930 resultantes de determinismos externos e de factos da conjuntura internacional, têm mantido intangível o princípio maior da orientação da política colonial do governo português: todos os territórios ultramarinos são parte integrante do Estado. Assim, nas considerações emanadas do Ministério das Colónias, ao decreto número 18580, respeitante a adopção do Acto Colonial, em substituição de todo o Título V da Constituição de 1911, pode ler-se:
«...Portugal entrou na guerra por causa do seu património ultramarino. Depois dela, dois factos avultam. De um lado, certas correntes internacionais propendem a agitar ou estabelecer ideias mais ou menos desfavoráveis aos dogmas tradicionais da soberania colonial das metrópoles, revestindo-se muitas vezes com razões de humanidade os desígnios do imperialismo. De outro, a própria desorganização da administração pública, provocada pela conflagração mundial, pela acção reflexa das novas tendências estranhas e pelas condições dos regimes governativos, trouxe situações anormais».
Em 1951, na discussão do projecto de proposta de lei sobre revisão do Acto Colonial, o senhor Armindo Monteiro resumiu a sua posição tradicionalista nestes termos:
...«Na aplicação do termo ‘província’ às colónias repugna-me sobretudo a ideia de assimilação que ela traduz e que contraria todo o sistema do Acto Colonial, que é de solidariedade. A assimilação nunca esteve nas nossas tradições nem está na base do regime administrativo que com mil esforços e sacrifícios - e com incontestável êxito - construímos nas últimas dezenas de anos. Diante das correntes internacionais, que hoje empurram os ‘territórios não-autónomos’ para a independência parece-me perigoso recuar no sentido acima de todos amaldiçoado - a assimilação. Podemos talvez provocar reacções internacionais, cujos efeitos não sabemos medir num momento em que nos convém trabalhar sossegada e silenciosamente. Adoptar, como propõe a maioria da Câmara uma designação neutra – ‘território ultramarino’ - parece-me uma atitude com a aparência da renúncia e do receio. Não penso que a obra dos portugueses nas colónias envergonhe a nação; não temos motivo para deixar de encarar de frente este problema constitucional, refugiando-nos numa designação anódina. As colónias são muito mais de que territórios: são sobretudo a gente que os povoam, os sentimentos que as unem, os interesses que as unem; os interesses que as movem, as suas ambições, esperanças e sofrimentos, o passado e o futuro. E muito pouco - e quase depreciativo, a meu ver - chamar ‘territórios’ ao grande conjunto de valores morais, políticos, culturais, económicos que formam as colónias.»
Uma outra ordem de determinismos externos e factos da conjuntura internacional dos anos de 1960 levaram os governantes portugueses a enriquecer a sua logomaquia na apresentação da ideologia colonial.
Ao direito de livre determinação de todos os povos decidirem do seu estatuto político e prosseguir o seu desenvolvimento económico, social e cultural - tal como foi votado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 1514 (XV) - os teóricos lusitanos opuseram a integração ou a coexistência integrada - «Única resposta válida aos problemas étnicos da nossa época», na opinião do antigo ministro das colónias, Adriano Moreira. Ou então, segundo Franco Nogueira e para falar francamente, Portugal opõe-se a uma certa concepção de auto-determinação predeterminada nos seus resultados e que não tem em conta nenhum dos actos que não são conformes a certas resoluções ou a certos critérios. Portugal não crê que a auto-determinação possa ser pré-determinada (...)».
(...) «Para Portugal, a auto-determinação significa o consentimento da população a uma estrutura e a uma certa organização política. Ela realiza-se pela participação na administração.
Na opinião do chamado deputado de Moçambique a Assembleia Nacional portuguesa senhor Alexandre Lobato a província faz face a graves problemas que resultam da fase de transição em que ela própria se encontra e que é caracterizada pela abolição da sociedade colonial que é óbvio não desapareceu entre 6 e 7 de Setembro de 1961 (data em que uma lei fez de todos moçambicanos cidadãos portugueses); pela abolição da economia colonial que também não desapareceu com o Novo Código de Trabalho; pela abolição da administração colonial que também não desapareceu com as alterações inoperantes a lei orgânica. Na realidade em Moçambique, tudo continuou como se as medidas legislativas tivessem sido adaptadas só para o inglês ver.

À medida que a luta dos nossos povos se estende e se aprofunda as despesas militares aumentam, a burguesia fascista ultra-colonialista recorrerá cada vez mais aos capitais estrangeiros, e ligará cada vez mais o capital monopolista português ao imperialismo e avolumando as contradições no seio da própria burguesia o que provocará uma pauperização cada vez maior das massas populares e da pequena e média burguesia intensificando o nível e a intensidade das lutas anti-fascistas e acelerando a desintegração total do regime fascista ultra-colonialista.
Esta corrente da burguesia ultra-conservadora e ultra-colonialista encontra-se diante duma impossibilidade histórica de ordem política económica e mental de encarar o movimento libertador irreversível que sacode os povos com uma atitude inteligente de acordo coma etapa histórica actual. Ela segue inexoravelmente a lógica que ela própria engendrara: ela morrerá com a destruição do seu próprio universo. Constituindo as independências dos nossos países a sua destruição a sua única condição de sobrevivência e a GUERRA A OUTRANCE.
O papel histórico das lutas de libertação nacional dos nossos povos liderados pelos partidos de a vanguarda - PAIGC, MPLA, FRELIMO [CLSTP]- não se limita a conquista duma independência total e a conferir a dignidade e personalidade nacional e internacional ao homem guineense, angolano, ou moçambicano. Esse movimento libertador e dignificador vai mais longe. Atinge e transforma as estruturas da sociedade colonizadora aprofunda as contradições no seio dessa sociedade acelera a destruição de estruturas anacrónicas e prepara condições para o ressurgimento duma sociedade nova e progressiva e em consequência dum novo homem português orientado para a justiça para a fraternidade e para o progresso.

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OPOSIÇÃO PORTUGUESA E O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

Há longos anos que as forças democráticas portuguesas se vêm organizando e lutando contra o poder ditatorial e fascista que se instalou em Portugal há mais de 38 anos.
A resistência do povo português, feita através das diversas acções políticas levadas a cabo pela oposição portuguesa, contra a ordem política e social instaurada em Portugal, tem-se concretizado por meio de greves de operários, camponeses e intelectuais; luta política nas alturas de eleições presidenciais e outras; golpes militares -embora malogrados- como foram os casos da caserna de Beja e do barco ‘Santa Maria’; denuncia do regime burguês e fascista, feita por militantes revolucionários na imprensa clandestina; manifestações contra a guerra colonial. Todas estas lutas são das muitas acções do povo português que tem constituído um gesto de solidariedade e de apoio apreciável a nossa luta de libertação nacional. Isso é verdade na medida em que essas lutas contribuíram para a criação de condições favoráveis ao advento da nossa luta de libertação, que vem destruindo gradualmente as estruturas coloniais dos nossos países.
Em contrapartida, o desencadeamento e o desenvolvimento da luta de libertação nos nossos países, além de ter catalizado este processo revolucionário da oposição portuguesa, que vem sendo encabeçado pelo partido Comunista Português (Porque é a única organização com uma verdadeira implementação nas massas exploradas e oprimidas) veio criar condições favoráveis ao aparecimento de novas facções e correntes políticas que vieram alargar o campo da oposição portuguesa, organizações tais como o Movimento de Acção revolucionária (MAR) e a Frente de Acção Popular (FAP), que estão também em vias de se estruturarem.
Com efeito, o facto de estarmos hoje na vanguarda de luta que vem destruindo as bases do edifício colonialista fascista português, incentivou uma maior mobilização das forças democráticas e anti-fascistas em Portugal, renovando e aumentando as energias da luta anti-colonialista no próprio seio do nosso inimigo irredutível. Isso tem dito como consequências, profundas alterações políticas, económicas e sociais na vida do povo português. Podemos assim dizer que o desencadeamento da luta de libertação nos nossos países passou a ter uma projecção histórica adentro da luta do povo português para se libertar de uma ditadura fascista.
E por isso que hoje encontramos nos programas do PCP, do MAR, da FAP e da FPLN o problema da descolonização e da independência nacional dos nossos países como uma condição indispensável para o restabelecimento da democracia em Portugal.
Dentro da oposição portuguesa encontramos hoje as seguintes correntes que estão corporizadas ou por uma facção ou por um conjunto de facções políticas:
- A FPLN (Frente patriótica de Libertação Nacional), englobando o PCP, O MAR, a Resistência republicana, os católicos progressistas e os monárquicos constitucionais, foi criada em fins de 1962. As organizações membros guardam a sua autonomia e estrutura interna, sendo a Frente apenas uma plataforma de entendimento mínimo na luta contra a camarilha fascista no poder. Mas ficam serias dúvidas no que respeita a atitude da burguesia antifascista, largamente representada no seio da frente, face aos interesses dos latifundiários e da alta burguesia monopolista e colonialista portuguesa, ligada a imperialismo internacional.
O FPLN não pode ser outra coisa além de uma simples plataforma, na medida em que no seu seio encontramos, por exemplo, ao lado de PCP, a resistência republicana que está longe de aceitar, levando-o as suas últimas consequências, um programa de luta contra os interessas e privilégios da média burguesia e da burguesia monopolista e latifundiária. Para confirmar esta ideia temos a recente tomada de posição pública da «Acção democrática popular», que rejeitou abertamente uma colaboração com os comunistas na luta para o derrubamento da ditadura salazarista. Ora, segundo parece, este movimento anti-fascista esta enquadrado dentro da corrente republicana que está representada no seio da F.P.L.N.
É a diversidade de ideologias e de opções políticas das várias organizações membros da FPLN que vem impedindo que esta defina uma orientação política sem contradições de base, condição essencial para o desenvolvimento da luta contra o regime actual. Mesmo admitindo que uma frente deste género poderá trazer, a longo prazo, benefícios às forças revolucionárias portuguesas, porque a estr[ar]égia da revolução democrática e nacional assim o diz, nos não poderemos esquecer a análise que estamos em via de fazer e em função directa do desenvolvimento da nossa luta de libertação. Benefícios a curto prazo, que são os únicos que poderão auxiliar substancialmente a nossa luta de libertação nacional, nos não os colheremos porque a acção desta Frete nunca conseguiu, entretanto, abalar os dois grandes pilares do colonialismo português: a sua máquina administrativa DE expoliação económica dos nossos países, montada pela alta burguesia monopolista portuguesa, e o seu exercito colonial fascista, armado PELA OTAN, para esmagar as aspirações legítimas da nossa luta de LIBERTAÇÃO NACIONAL.
Entretanto, não há dúvida que a FPLN e organização que tem até então, maior área de influência tanto no interior como no exterior de Portugal, o que se justifica, primeiramente, por ser uma frente de vários sectores da oposição e, em grande parte, pela presença no seu seio, de PCO, partido das massas trabalhadoras.
- Fora da FPLN (Frente Patriótica), encontramos a frente de acção popular (FAP), cuja direcção é formada essencialmente por dissidentes do PCP, que se afastaram desta devido a divergências de ordem ideológica e estratégica, tendo por isso alguma aceitação junto do operariado e do campesinato e, essencialmente, junto da juventude estudantil.
O MAR (Movimento de Acção Revolucionária), que enquadra essencialmente intelectuais de pequeno-média burguesia, tem entrado nos últimos tempos numa divergência surda com a orientação da FPLN e procurado uma aproximação com a FAP, que dia a dia lhe parece estar mais próxima das suas opções políticas no que respeita a necessidade de desencadear acções violentas contra o aparelho do estado fascista. O dilema do MAR, que continua no seio da FPLN, e um elemento de apreciação no que respeita a clareza e a estabilidade da orientação política desta. Os militantes do MAR, não estando tão a esquerda como os do PCP e da FAP, não são, contudo, democratas liberais com os republicanos. Eles dizem-se situados na «esquerda socialista». Mas, poder-se-á perguntar: por que razão tem havido, ao que parece, contactos de aproximação entre a FAP e o MAR, estando a primeira fora da FPLN e o segundo dentro? Por que razão sendo o PCP e a FAP as organizações que estão mais a esquerda, a primeira se encontra dentro e a segunda fase da FPLN? Por que razão o maior antagonismo que se verifica entre facções da oposição portuguesa existe precisamente entre estas duas organizações que são nitidamente de esquerda? Essas razões situam-se, de um lado, na convergência das opiniões da FAP e do MAR no que respeita desencadeamento de uma acção violenta a curto a curto prazo e, de outro lado, na divergência de opiniões entre o PCP e a FAP no que respeita a definição de uma linha marxista para o derrubamento da burguesia monopolista, latifundiária e colonialista mantida no poder através de um estado fascista. Podemos dizer que o facto de a FAP ter conseguido atrair o MAR para o objectivo imediato mais importante da sua estratégia - desencadeamento de acções violentas contra o aparelho fascista - conseguiu instalar divergências de base no próprio seio da FPLN.
Se é frágil e instável a unidade antifascista realizada no seio da FPLN, a possibilidade de uma unidade atuante realizada entre o MAR e a FAP, através de uma luta armada coordenada contra o aparelho fascista do estado Novo, viria a afundar o que ainda resta da FPLN, depois da decisão pública da Acção Democrática e Popular de não marchar ao lado dos comunistas. Esta decisão veio pôr a nú o isolamento que o PCP vem procurando remediar com toda a espécie de compromissos a burguesia anti-fascista e que acabariam por engendrar a Revolução Democrática e Nacional como sendo a primeira etapa da Revolução Socialista em Portugal.
As diferenças de orientação entre o PCP e a FAP (tendo em consideração que aquele é a espinha dorsal da FPLN) traduzem-se em respostas diferentes as seguintes interrogações:
a) -Qual deverá ser o critério de base para a realização na unidade nacional revolucionária?
b) -Como deverá ser preparada a insurreição armada contra o aparelho fascista e colonialista? As acções violentas devem ser lançadas a curto prazo, forjando uma organização combativa no fogo da luta, ou a longo prazo, depois de uma preparação minuciosa e antecipada de uma organização político-militar, que possa bater-se, quase em pé de igualdade, com o exército fascista?
c) - De que maneira se dará um apoio concreto a luta de libertação dos povos das colónias portuguesas? Será através de uma revolução Democrática e nacional, pacifica e dirigida, em grande parte pela burguesia Anti-fascista, ou será através de uma luta armada que abalará os pilares essenciais da opressão dos povos das colónias, e dirigidas pela massas populares e trabalhadoras e pelos intelectuais revolucionários?
Embora não seja nosso objectivo analisar as divergências da oposição portuguesa, torna-se, no entanto, necessária uma caracterização mínima das correntes e das facções políticas que as corporizam. Sem isso não será possível definir as opções políticas da oposição portuguesa no seu todo essencial, face à luta de libertação dos nossos povos pois ela esta longe de ser uma realidade homogénea tanto dentro da FPLN como fora dela, no que respeita aos seus objectivos teóricos e a tradução dos mesmos na prática. Porque embora tenhamos necessidade de um interlocutor anti-colonialista em Portugal não teremos de aceitar necess[ariamente] como interlocutor (?) todas as suas forças e armas voltadas contra o regime ultracolonialista e fascista português. Mas se, pelo contrário, verificamos que a oposição portuguesa tem uma natureza heterogénea em matéria de opções, nessa altura reservamo-nos o direito legitimo de saber se deveremos, e até onde, colaborar com ela. Pois a nossa luta armada é dirigida contra as bases militantes económicas da presença colonial portuguesa nos nossos países, a única arma capaz de vencer o ultra-colonialismo português e, igualmente a única arma capaz de impedir os investimentos imperialistas que serão os germes de uma neo-colonização dos nossos países, senão encontrarem as portas fechadas com uma situação de guerra de libertação.
*[Parágrafo razurado: Tentamos dar a seguir, através de citações de passagens de documentos, das opções políticas teóricas do PCP, FAP, MAR, Resistência Republicana, isoladamente, e FPLN em globo, face a dois problemas maiores:
a) O problema colonial e a luta de libertação dos nossos povos para uma independência real e completa
b) O derrubamento da ditadura fascista em Portugal.]


CONCLUSÕES:

1) O impacto provocado nas frágeis estruturas sócio-económicas de Portugal, pela ofensiva neo-capitalista europeia, contribuiu para a diferenciação dos interesses económico da burguesia fascista portuguesa, que se exprimem no seio da União Nacional, por lutas pela conquista do poder político.
2) Essa diferenciação de interesses e a agudização das contradições no seio das camadas sociais portuguesas, foram entretanto, e em última análise, provocadas essencialmente pelo desencadeamento das lutas de libertação nacional nos nossos países.
3) Motivações de ordem económica política e mental explicam que a camada da burguesia portuguesa no poder exige a manutenção do status-quo político-económico e portanto o prosseguimento das guerras coloniais, por essa é a sua única condição de sobrevivência.
Apesar de se terem posto em vigor novos diplomas legislativos de uma logomaquia adaptada artificialmente às circunstâncias históricas e a conjuctura internacional mantém-se fundamentalmente uma continuidade na ideologia colonial.
O esforço que consiste em rejeitar a própria noção de situação colonial tal como hoje é entendida pela sociologia política traduz-se pelo juridismo atrás assinalado e concretizado na abolição do estatuto do indígena nas alterações à lei orgânica e na reforma do Código de trabalho Indígena.
Em última análise a integração tão proclamada corresponde a uma integração no domínio das estruturas jurídico económicas. Noutros termos o tipo de exploração económica que vigora nos países sob dominação portuguesa encontra a sua consagração no quadro político e jurídico constitucional estabelecido.
4) A partir das actuais relações de forças internas e internacionais poder-se-á operar num futuro mais ou menos próximo alterações no xadrez político português. Neste caso a burguesia reformista portuguesa poderá vir a jogar um papel decisivo no base de um compromisso com a alta finança internacional.
5) Essa nova corrente da burguesia portuguesa propõe-se a dar como único meio capaz de salvaguardar os seus interesses fundamentais uma solução neo-colonialista aos nossos países. Nessa ordem de ideias as soluções previstas seriam diferentes de território para território segundo a relação de forças presentes e o contexto político existente em torno de cada território.
a) A existência duma pequena-burguesia, de uma burocracia e cheferia angolanas consideráveis, poderá oferecer aos sectores neo-colonialistas uma base real para a consumação desta solução representando a situação política actual no Congo Leo o tampão que garante o tempo necessário para uma mise em place de estruturas neo-colonialista em Angola; solução que obtém a caução de uma boa parte da burguesia colonial europeia em Angola e da burguesia neo-colonialista internacional.
b) A fragilidade numérica da pequena burguesia africana em Moçambique, camada em que habitualmente assentam as soluções neo-colonialistas orienta a burguesia reformista portuguesa a enveredar para uma solução de tipo rodesiano. As ideias propostas pela burguesia neo-colonialista em Portugal encontram eco em vastos sectores da burguesia colonial europeia em Moçambique.
c) A Guiné constitui para esse sector a burguesia portuguesa o caso mais embaraçoso. A excelente posição militar e política conquistada pelo PAIGC, coloca o exército colonial português sob ameaça de uma derrota militar. Portanto a solução encarada e a criação de movimentos guineenses fantoches que façam o jogo de neo-colonialismo apoiados pelo imperialismo mundial que não está interessado em deixar que se constituam nesta parte da África focos ditos de subversão.
Mas, essa tentativa de solução neo-colonialista para o caso da Guiné vai pelo contrário acelerar e radicalizar a luta devido a implantação já conseguida pelas forças do PAIGC.
6) Embora haja divergências sérias de orientação entre os diversos sectores da oposição portuguesa na sua luta contra o fascismo salazarista e o colonialismo praticado nos nossos países, é de se considerar essa luta no seu todo essencial como um facto político benéfico a nossa luta de libertação nacional. Entretanto os partidos de movimentos de libertação dos nossos países não deverão basear-se na elaboração e execução da sua estratégia e da sua táctica no auxílio que poderá representar a acção das forças democráticas portuguesas para a nossa luta de libertação nacional. Para o derrubamento do colonialismo português deveremos contar com as nossas próprias forças.
7) Se é de se recomendar um reforço de contactos numa base de benefícios mútuos e iguais entre a oposição portuguesa e os partidos e movimentos de libertação dos nossos países reunidos no seio da CONCP é de se ter igualmente sempre presente que existem graves divergências de interesses entre aquilo que a oposição portuguesa concebe como sendo a sua próxima etapa de luta (a revolução democrática e social que incluirá no poder largas camadas da burguesia anti-fascistas) e aquilo que da nossa parte concebemos como sendo a nossa próxima etapa da luta: a independência nacional sem os riscos de uma neo-colonização.
8) No entanto tendo em conta a importância que teria para a nossa luta a um reforço real das lutas da oposição portuguesa contra a infra-estrutura que alimenta a máquina de guerra colonial e que se encontra implantada em Portugal, a CONCP deveria orientar toda a sua política portuguesa no sentido de ajudar a oposição portuguesa a superar o seu imobilismo e as suas divergências contribuindo assim para aceleração efectiva da sua luta para o derrubamento do fascismo.
Esta seria única via capaz de sabotar a máquina de guerra que vem sendo imposta aos nossos povos é portanto a única maneira actuante que teriam as forças democráticas portuguesas para demonstrarem a sua solidariedade face a nossa luta armada pela libertação nacional.

Texto sobre «A Situação política em Portugal e a luta de libertação nas colónias portuguesas».

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