Carta de António Alberto Neto a Lúcio Lara

Cota
0087.000.073
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel Comum
Remetente
António Alberto Neto
Destinatário
Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Grenoble, 15 de Novembro de 1966.-

António Alberto Neto
1- Rue Blanc-Fontaine
c/ o Mme Merlo
Grenoble (38)
France

Ao Camarada LÚCIO LARA
6000 Frankfurt/Main 24
bei Scmitt
69, Camillo Sitteweg
Allemagne Occidentale

Caro camarada,


Esta responde a sua carta do dia 28 de Outubro último, e na qual dois assuntos desejo trazer ao seu conhecimento. Assim lhe informo que:

1º Quanto à formação do comité de acção dos estudantes do MPLA em França, as respectivas «démarches» foram feitas tendo em vista a constituição do referido comité, junto dos estudantes que estão vivendo em Paris.

Em carta oportuna lhe lembrava das dificuldades para se saber do número exacto dos estudantes do MPLA em França. Contactei com dois, respectivamente

a) O camarada Adriano Nunes Tiago
b) O camarada Jorge Morais,

O dossier apresentado por estes dois camaradas situa-se ao nível do problema de bolsa de estudos. Quanto ao primeiro casado e pai de três crianças trabalha para o sustento da família, estudando para obter um diploma de programador IBM. Segundo diz, o resultado do exame foi negativo devido ao pouco tempo que deve dedicar aos estudos.
Trabalha durante doze horas. Tendo pedido uma bolsa de estudos o pedido não lhe foi satisfeito ignorando os motivos que assim determinaram a recusa da parte do movimento.
Quanto ao segundo camarada, trabalha doze horas e muitas vezes á noite, e que desde 1962 esta a espera que o movimento lhe conceda uma bolsa de estudos. Que fazer perante esta situação? A quem atribuir as culpas? Pensa-se que não é por falta de bolsas disponíveis, pois “houve um contingente que ficou incompleto, não sei bem bem se em 1963 ou 1964. perto de 30 bolsas de estudo para a URSS que não foram atribuídas”
Dito isto a propósito da situação dos camaradas urge solucionar o problema tendo em conta as disponibilidades e os meios do movimento. Desde que o camarada possa estudar o problema agradeço que me comunique e que de outro lado me faça saber se há outros camaradas que devo entrar em contacto. Desde já o meu obrigado.
Um outro aspecto dentro das perpectivas da formação do comité de acção, diz respeito a linha geral do movimento, a disciplina, a informação para os militantes, breve toda e uma série de directrizes indispensáveis para os militantes.
Um outro aspecto dentro das perpectivas da formação do comité de acção, há que ter em conta que as sequelas ainda existentes em Paris no que diz respeito a apreciação dum trabalho de conjunto de todos os camaradas angolanos membros do MPLA. Efectivamente existe em Paris um Comité de Acção por Angola formado essencialmente por franceses.

A esse comité estava ligado a pessoa do falecido Câmara Pires. E certo que havia certas divergências entre os militantes do MPLA e o camarada Câmara Pires donde a não comunhão de esforços e portanto no plano da realidade isso se traduziu por uma inexistência de trabalho de conjunto. Convém portanto e antes que eu vá a Paris para tentar uma aproximação geral de todos os militantes do nosso Movimento em Paris que o camarada precise concretamente as directivas de acção do comité e determine os meios que ponham uma vez por termo ao período de representatividade pessoal e subjetiva do movimento, for de todo o contexto angolano que é a base. E necessário ter em conta uma vez para sempre que se hoje se faz qualquer coisa em Paris por Angola é devido as amizades pessoais que certos arranjaram em Paris e não num contexto angolano.
Deste modo convém que o movimento se debruce sobre o problema e que reúna se possível os representantes dos diferentes comités de acção para estruturar os diferentes comités. Tal foi a minha ideia quando propus ao movimento que me facilitasse a minha vinda até Brazzaville. Espero no entanto que uma vez estudando o problema, urgira solucioná-lo dignamente.
Um outro aspecto dentro das perspectivas da formação do comité de acção, diz respeito a situação dos estudantes simpatizantes do nosso movimento em Portugal que respondendo ao meu pedido estão procedendo de igual modo a constituição de várias secções do comité dos estudantes do MPLA em Portugal, ligados directamente ao exterior pelo comité de acção em França. De igual modo procuram criar um mesmo comité nos principais centros do nosso país. Todos estes problemas não podem ser abordados por cartas, é necessário um a discussão e proponho que se o camarada estiver ainda na Europa que nos reuníamos por exemplo em Genebra, todos os responsáveis dos comités de acção dos estudantes do MPLA ou então em Brazzaville desde que seja possível. Isso já para evitar a criação de organismos-fantasias que não têm nenhum papel essencial na luta de libertação. Isso para pôr fim a uma situação de burocracia declarada tendências extremamente frequentes no seio do nosso movimento.
Assim lhe informo num segundo ponto que:

2º o Comité Director recusou a minha vinda para Brazzaville, para não somente me inteirar a situação, mas também para por ao corrente do movimento todo e uma série de problemas que se põem e que continuam de existir problema dos estudantes em Portugal, o comité de acção, as directivas da luta, a posição ideológica do movimento, as orientações internas a organização do movimento e a luta armada de libertação nacional tais são entre outras coisas os motivos que me levaram a pedir ao movimento que me facilite uma chegada até Brazzaville.
O Comité Director recusou a meu pedido de bolsa pra a URSS para completar os meus estudos.
Entretanto dado que me encontro matriculado no 3º ano no Instituto de Estudos políticos onde devo terminar este ano a licenciatura, sou obrigado a apresentar «un mémoire» cujo tema se liga a nossa luta de libertação nacional. Disponho de alguns dados, o departamento de Organização de Quadros não poderia facilitar-me que viesse até Brazzaville para me inteirar da situação? Esta e a opinião do meu professor com quem devo trabalhar o «mémoire».
Na espera de uma resposta lhe apresento as minhas saudações revolucionárias;

Do camarada
António Alberto Neto

Carta de António Alberto Neto (Grenoble) a Lúcio Lara

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