Carta de Agostinho Neto a Mobutu, Diallo Telli, J. Bomboko e A. Magombe

Cota
0089.000.027
Tipologia
Correspondência
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Remetente
Agostinho Neto - Comité Director
Destinatário
Diallo Telli, Joseph Désiré Mobutu e Mangombe
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Carta enviada pelo Comité Director
do M.P.L.A. a:

Sua Excelência
General Joseph Desiré MOBOUTU
Presidente da República Democrática do Congo
K I N S H A S A

Sua Excelência
Diallo Telli
Secretário Geral da Organização da Unidade Africana
P.O. Box 3243
Addis-Abeba - E T H I O P I A

Sua Excelência
Justin Bomboko
Ministro dos Negócios Estrangeiros
Da República Democrática do Congo
e
Presidente do Conselho de Ministros da O.U.A.
K I N S H A S A

E ao Exmo Senhor
A. MAGOMBE
Secretário Executivo do Comité de Libertação da África
P.O. Box 1767
Dar-Es-Salaam - T A N Z A N I A


Excelência:

I - O Comité Director do Movimento Popular de Libertação de Angola, - M.P.L.A. - tem a honra de se dirigir aos organismos da Organização da Unidade Africana e a Sua Excelência Presidente da República do Congo, com o fim de esclarecer todos os Responsáveis e a opinião pública africana, a sua posição concernente a realização, em Kinshasa, da Décima Sessão do Comité de Libertação da África, fixada para 28 de Janeiro de 1967.
Um Memorandum contendo o balanço das nossas actividades e outros aspectos da nossa luta foi já entregue ao Secretariado Executivo do Comité de Libertação da África, em Dar-Es-Salam.

II - O MPLA viu em 1963, toda sua actividade proibida na República Democrática do Congo, tendo sido então invocado o pretexto que a OUA tinha reconhecido um «governo no exílio». Foi assim que o MPLA foi obrigado de instalar a sua sede provisória em Brazzaville perdendo assim a possibilidade de desenvolver qualquer actividade ao longo da extensa fronteira congo-angolana.
No entanto, o MPLA soube manter nas condições difíceis criadas por esta decisão, a actividade patriótica da sua Organização no interior do País, desenvolvê-la como nenhuma outra conseguiu fazê-lo, para chegar a etapa actual com três frentes de combate nos distritos de Cabinda, Moxico e Cuanza-Norte.
Da mesma maneira que o MPLA tomou a responsabilidade de passar à acção directa, a 4 de Fevereiro de 1961, contra o colonialismo português, ele voltou a tomar a responsabilidade de manter a luta armada na região sul do nosso País. Isto, porque o MPLA se continua a afirmar uma organização enraizada no Povo, uma emanação da vontade popular e uma organização verdadeiramente patriótica. O MPLA defende e defenderá sempre os verdadeiros interesses do nosso Povo e continuará a enriquecer o conteúdo revolucionário da luta armada para a Independência completa.
Foram as suas características políticas e profunda análise feita pelos organismos da OUA em 1964, que levaram o MPLA a ser reconhecido, assim como o pseudo «grae». O prestígio do MPLA como organização capaz de conduzir a luta armada do nosso Povo não pára de aumentar nos Países africanos e no mundo inteiro.
Todavia, apesar de todos esforços, petições, pedidos e cartas enviadas ao Governo da República do Congo, este ainda não reviu a sua posição no que diz respeito à retomada das nossas actividades na República Democrática do Congo. Por outro lado, dezenas de militantes do MPLA, ente os quais JOÃO GONÇALVES BENEDITO, membro do Comité Director, foram presos no Congo-Kinshasa por indivíduos envergando uniformes do Exército congolês. Os nossos camaradas foram levados para a «base» de Kinkuzu, donde nunca chegaram notícias até a data.
Enquanto estas prisões se efectuavam regularmente, a Câmara dos Deputados da RDC tomou a decisão de inscrever o problema angolano na sua Ordem do dia. Uma Sub-Comissão dos Negócios Estrangeiros da dita Câmara foi nomeada para inquirir sobre as actividades dos nacionalistas angolanos. Uma delegação composta de doze membros deslocou-se a Brazzaville para encontrar o Presidente do MPLA e quis visitar as bases operacionais do MPLA no distrito de Cabinda.
Como resultado do trabalho da Câmara dos Deputados, uma recomendação foi feita ao Governo. Fazemos salientar um ponto da recomendação feita ao Governo propondo a libertação imediata dos angolanos presos - cuja existência pode ser verificada - e que os «angolanos não podiam ser presos nem perseguidos senão de acordo com as leis congolesas».
O MPLA lamenta que esta recomendação não seja aplicada e que os nossos camaradas continuam a sofrer nas prisões de Kinkuzu sem instâncias - o Governo congolês ou a Organização da Unidade Africana possam vir em seu socorro.

III - Todas as tentativas para se chegar à unidade de acção falharam, dada a recusa sistemática do pseudo «grae» de aceitar qualquer cooperação na luta, talvez para conservar o exclusivo dos benefícios de uma base logística preciosa - o território congolês - e também por estar seguro do apoio que lhe concede o Governo congolês.
Os Acordos do Cairo, que eram uma base válida para se tentar a cooperação, foram uma vez mais denunciados e violados pelo pseudo «grae» como todos outros no passado. Lembremos que o MPLA teve de esquecer os massacres, as prisões e as violações cometidas pela UPA no passado contra os militantes do MPLA, para chegar a este Acordo em nome e no interesse da luta do nosso Povo. A violação mais flagrante é a prisão e a manutenção em prisão de militantes do MPLA, nomeadamente, chamamos uma vez mais a atenção, a de JOÃO GONÇALVES BENEDITO, membro do Comité Director do MPLA, preso depois da assinatura destes Acordos.
Por esta razão, Excelência, o MPLA não vê a utilidade dos trabalhos da Comissão Militar de inquérito nomeada durante a última reunião dos Chefes de Estado e do Governos da OUA em Addis-Abeba. Esta Comissão pedida pelo MPLA para dar a OUA uma ideia objectiva da situação concreta existente em Angola e para ajudar a encontrar uma plataforma para uma Frente Unida, a qual deveria ser o resultado das perspectivas abertas pelos Acordos do Cairo. Dado que estes foram gravemente violados, o MPLA não vê a utilidade da visita [de] tal Comissão Militar às suas bases operacionais. Os Acordos do Cairo perderam todo o seu conteúdo e validade, dadas as violações do «grae» e o MPLA considera-os, por conseguinte, sem efeito.
Qualquer Comissão de inquérito da OUA será bem-vinda as zonas controladas pelo MPLA mas não, pelo momento, no quadro da procura da Unidade do Movimento nacionalista angolano.

IV - O Comité Director do MPLA manifesta a sua preocupação no que diz respeito à reunião do Comité de Libertação da África em Kinshasa, onde o problema da luta em Angola está à cabeça da longa lista de importantes problemas a analisar.
Dado que a protecção dada até a data pelas autoridades da RDC ao pseudo «grae» apesar do seu tribalismo manifesto, do seu carácter reaccionário e a sua incapacidade já demonstrada desde 1961, de dirigir a luta do nosso Povo, e apesar da acção positiva e patriótica evidentes do MPLA, as poucas acções de fronteira levadas a cabo pelo «grae» podem ser hipertrofiadas e apresentadas como a «verdadeira guerra de libertação», enquanto que o verdadeiro dirigente do Povo angolano - o MPLA - é relegado para segundo plano.
Devido às medidas políticas empregadas pelo «grae» em Kinshasa, sob a protecção de certas autoridades da RDC, os membros do Comité Director do MPLA não poderão deslocar-se a Kinshasa sem correrem o risco de serem privados da sua liberdade ou pelo menos da tranquilidade de espírito necessárias a uma discussão profunda e frutuosa. Por outro lado, o clima de perseguição existente em Kinshasa, obriga os militantes do nosso Movimento a viver cada minuto receando as violências do dito «grae».
O Comité Director do MPLA, tem a honra de comunicar a V. Excelência, dada as razões supracitadas, que será muito difícil aos seus dirigentes apresentarem-se diante do Comité de Libertação da África como é de sua vontade, visto as garantias de segurança serem inexistentes; que o MPLA se reserva do cumprimento de qualquer decisão tomada sobre a luta do Povo angolano pelo Comité de Libertação da África, sob pressão de um ambiente onde é evidente a falta de condições primárias para a organização que dirige a luta - o MPLA - goze de liberdade de acção.
Voltamos a insistir no facto do Comité de Libertação da África se reunir no mesmo momento e no mesmo País onde dezenas de patriotas, combatentes da liberdade, estão encarcerados pelo simples facto de quererem lutar pela Independência do seu País.
O MPLA está consciente da sua responsabilidade na luta de libertação do nosso Povo. Sente-se também seguro do apoio popular de que ele goza em todas as camadas populacionais do nosso País, do trabalho realizado e das novas perspectivas abertas pelo desenvolvimento da luta contra os colonialistas.
Dado isto, o MPLA, único dirigente capaz da luta emancipadora do Povo angolano, espera da OUA, dos Países africanos e de todos os Responsáveis africanos um apoio incondicional a nossa luta e está certo que todos nós conseguiremos resolver os problemas que, nesta etapa, parecem dividir o nacionalismo angolano. O MPLA está convencido que não é rejeitando, por razões subjectivas, uma força real da luta de libertação, que se contribuirá eficazmente para a desenvolver.
O MPLA aproveita esta ocasião para renovar a V. Excelência, os melhores Votos para o Ano Novo.
Queria aceitar, Excelência, a expressão da nossa mais alta consideração.

PELO COMITÉ DIRECTOR DO MPLA,
Dr. Agostinho NETO

Brazzaville, 21 de Janeiro de 1967.
DOC Nº
Jan.67.

«Carta enviada pelo Comité Director do MPLA a Joseph Désiré Mobutu (Presidente da Rep. Dem. do Congo), Diallo Telli (Secretário-geral da OUA), Justin Bomboko (Ministro dos Negócios estrangeiros da RD Congo, A. Magombe (Secretário Executivo do Comité de Libertação de África)» (Brazzaville)

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