Extracto de um relatório da Comissão Executiva da APEU

Cota
0089.000.038
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Data
Jan 1967
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
*[Manuscrito: ANEXO ÀS FICHAS 01’67 - Jan.1967»]

NUM RELATÓRIO DIRIGIDO AO PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DAS EMPRESAS DO ULTRAMAR POR UMA AGÊNCIA ESPECIALIZADA DE INFORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA DA C.E.E. EM OUTUBRO DE 1966, ERAM DESCRITAS AS OPINIÕES DE UM GRUPO DE JORNALISTAS ENVIADOS A ANGOLA E MOÇAMBIQUE. EIS ALGUMAS PASSAGENS:


1- Opiniões recolhidas acerca da situação política em Angola

Ao chegarem em Angola os participantes na viagem puderam verificar que uma extrema atenção era prestada pelos seus interlocutores ao facto de se verificar uma vaga no cargo de Governador Geral da província. Na realidade eles teriam posteriormente a oportunidade de encontrar o Governador potencial - viria a ser nomeado pouco tempo depois - Tenente Coronel Rebocho Vaz.

1.1- No decurso da viagem de Imprensa, os participantes adquiriram a firme impressão de que no campo prático, a rebelião já não representava um perigo real para a integridade da província. Os rebeldes já não aparecem como elementos de uma organização estruturada: quando muito nota-se a sua existência em certas regiões como por exemplo no interior da zona delimitada do triângulo de vértices em Luanda, Salazar [Ndalatando] e Carmona [Uíje] onde vigora ainda o banditismo como resultado da acção dos grupos rebeldes desorganizados.

Alguns quadros da Petrofina informaram o grupo de Imprensa da prisão de um grupo de rebeldes, semanas antes, no campo petrolífero de Tobias, relativamente próximo de Luanda.

Continua entretanto a verificar-se a presença de um forte dispositivo militar em toda a província.

Verifica-se é claro que a população indígena não apoia o banditismo, como o prova um rebelde que fora hospitalizado em Carmona no dia anterior ao da chegada do grupo de Imprensa. Descoberto por aldeões aquele fora violentamente espancado e devia a sua salvação à intervenção de uma patrulha militar.

O auscultar de opiniões acerca dos chefes da rebelião, junto de quadros superiores de grandes empresas, nomeadamente, confirma que a opinião geral acerca de Holden Roberto e Mário de Andrade, é extremamente desfavorável. Uma só excepção: Amílcar Cabral, a respeito do qual se reconhece tratar-se de uma pessoa de efectivas qualidades.

1.2- Portugal membro de uma Federação da África Austral

Os relatórios transmitidos pelos nossos escritórios correspondentes noutras capitais fazem referência a um interesse crescente da imprensa europeia e nomeadamente francesa, pela eventualidade de uma Federação da África Austral: isto levou o Senhor Toussaint, jornalista belga, a perguntar a cada português que encontrou se tal aliança seria possível ou desejável. Interessa estabelecer aqui uma nítida diferença entre as respostas dos angolanos e as dos moçambicanos. Em Angola, esta opção é manisfestadamente repelida, segundo as opiniões recolhidas entre os funcionários do estado. Os princípios do multiracialismo português são demasiado diferentes daquilo que se verifica nos outros países África Austral, dizem.

Alguns gostariam mesmo que os meios oficiais marcassem nitidamente sua posição relativamente à política de segregação racial.

Em Moçambique, o ambiente deparou-se radicalmente diferente. As opiniões recolhidas não deixaram dúvidas quanto à profunda simpatia que os moçambicanos nutriam pela África do Sul e pela Rodésia. É característico, e convém assinalá-lo, que a grande maioria dos moçambicanos oferece a quem deseje, pequenas vinhetas geralmente aplicáveis sobre os para-brisas dos automóveis e que representam as bandeiras de Portugal, Rodésia e África do Sul ligadas por uma divisa «Junto venceremos».

2- Impressões recolhidas acerca do dinamismo interno das economias de Angola e de Moçambique.

Antes de tentar descrever em pormenor os sectores mais importantes da economia parece-nos essencial uma observação prévia. O problema de base da economia angolana, sobretudo, e, se bem que em menor medida, da economia moçambicana, é o problema dos investimentos. Ora ao que parece, verifica-se nesse campo uma crise aguda.

As dificuldades de transferências de capital e lucros que se deparam neste momento aos cidadãos portugueses nas suas transações África-Europa constituem o travão essencial dos investimentos metropolitanos.

2.1- Por outro lado no que respeita aos investimentos de origem estrangeira, chocamos incontestavelmente com uma barreira: a falta de confiança no futuro. Angola, sobretudo, poderia constituir uma terra prometida para os capitais estrangeiros mas o futuro político do país encontra-se de tal modo mergulhado num ambiente de incerteza que os capitalistas estrangeiros consideram todo e qualquer investimento neste território, como uma cartada.

Ao analisar pormenorizadamente a evolução económica destes últimos anos, verifica-se um enorme esforço do Estado, que realizou incontestavelmente uma notável infraestrutura rodoviária assim como algumas obras de arte de notável envergadura.

As bases existem, portanto, para um excelente desenvolvimento industrial. Todavia, salvo raras excepções, o sector privado marca passo. Comecemos pelas excepções.

Tivemos a oportunidade de estar com os Senhores Breugnion e Amaury da Petrofina e da Petrangol. Não nos esconderam as grandes esperanças que depositavam na extração de petróleo. Estão prontos a desenvolver este sector económico que é um dos mais ricos e promissores da África Portuguesa.

Do mesmo modo, pudemos verificar um evidente optimismo entre os industriais de papelaria do Alto Catumbela mas, aqui também tratava-se de esperanças directamente ligadas a uma extensão das instalações industriais e portanto a um apoio de capitais externos. Ao visitarmos a fábrica verificamos que esta produzia a metade do seu ritmo normal: havia problemas de reparação de máquinas, disseram-nos. Tocamos aqui, em minha opinião, outro problema, que é o de incrementar o mercado nacional e desenvolver tanto quanto possível as trocas com o exterior fora do quadro de uma submissão estreita à Metrópole.

Um outro sector que quanto a mim parece esperar apenas uma oportunidade para se desenvolver é o da carne congelada para a qual a procura é bastante importante. A capacidade de produção é neste manifestamente insuficiente.

É inútil falar no desperdício que se verifica na barragem de Cambambe nem da lentidão dos trabalhos do porto mineiro de Moçâmedes. O que é mais grave é que num caso como o das minas de ferro de Cassinga todas as pessoas contactadas tenham exprimido reservas acerca do acordo realizado com a Krupp. Ora, é evidente até para um leigo, que um minério de ferro com 62% de teor pode constituir, ainda que situado a 600km de distância da costa, uma riqueza de primeiro plano se for rapidamente iniciada a sua exploração com meios modernos e escoado por uma via férrea e um ponto utilizando técnicas aperfeiçoadas.

Finalmente e no que respeita aos dois grandes sectores tradicionais, ou seja, o café e os diamantes deparamos com problemas que desta vez ultrapassam de certo modo a capacidade de decisão exclusivamente portuguesa. Estamos perante mercadorias submetidas a um severo regime de quotas no plano internacional - caso do café - ou voluntariamente limitadas na sua difusão por preocupações de manter o nível dos mercados, como é o caso dos diamantes.

3- No plano social o esforço realizado por Angola é visível. Existem no entanto importantes problemas de população escolar que terão de ser resolvidos o mais rapidamente possível.

4- Conclusões

Sob a influência, por um lado, da reserva que se verifica na Europa relativamente aos territórios do Ultramar e por outro lado, atendendo à rarefacção de capitais que neste momento se verifica no Velho Continente, as perspectivas de um afluxo de capitais a Angola e Moçambique são, a curto prazo, pouco favoráveis. Por outro lado os investidores estrangeiros contam os recursos monetários próprios da Zona do Escudo, para os seus investimentos.

Através dos dados de que dispomos, que nomeadamente transparecem do estudo Economia Portuguesa do Doutor Xavier Pintado, do Banco Português do Atlântico, verifica-se a existência, até em Portugal, de um problema de investimentos, dada a vontade dos investidores estrangeiros de utilizar os recursos locais. Nestas condições aparece como evidente que o desenvolvimento económico de Angola e Moçambique, nos próximo anos, estará ligado às iniciativas dos operadores económicos portugueses.

Uma análise rápida da situação mostra-nos que a procura de investimento em Angola e Moçambique por parte de empresas portuguesas se encontram em regressão. Deve-se procurar nos entraves criados à livre circulação de capitais entre Portugal e as suas províncias Ultramarinas, a causa deste facto.

Não nos compete formular recomendações no que respeita à política económica de Portugal. Mas podemos tirar as conclusões necessárias no que se refere ao nosso programa.

Em nossa opinião é necessário começar por reanimar, nos países de Europa Ocidental, a confiança no futuro político dos territórios portugueses de África, delineando a perspectiva a longo prazo de constituição de largos conjuntos multiraciais portugueses na África Austral, cultural e economicamente evoluídos, cujo papel de intermediário entre os dois tipos de cultura e dois níveis de civilização aparece cada vez mais importante, tendo em conta a evolução que se verifica presentemente em África.

Em segundo lugar cumpre-nos dizer que os investimentos industriais directos no Ultramar português, realizados por grandes empresas industriais europeias, nos parecem actualmente bastante improváveis. Conviria actuar junto dos grupos financeiros no sentido de permitir a obtenção, por parte das empresas portuguesas e dos grupos de desenvolvimento no quadro dos Plano de Fomento, de capitais a longo prazo.

Finalmente, uma acção particular deveria ser levada a cabo junto das mais importantes instituições cuja actividade influencia a opinião pública assim como junto de todos os organismos do Estado e de coordenação económica que tenham um papel a desempenhar no que se refere a investimentos no Ultramar.

A amplitude dos problemas e das acções a desenvolver é tal que se nos afigura extremamente importante liga-las estreitamente com tudo o que é feito nos gabinetes portugueses que tratam do desenvolvimento económico, o que permitiria actuar com meios mais poderosos, sem grandes acréscimos de despesas.
«Num relatório dirigido ao presidente da Comissão Executiva da Associação portuguesa das Empresas do Ultramar por uma agência especializada de informação da opinião pública da CEE em Outubro de 1966, eram descritas as opiniões de um grupo de jornalistas enviados a Angola e Moçambique» (Anexo às fichas 01)
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