Relatório do sargento Filipe Puaty à Presidência da Junta Milita

Cota
0103.000.024
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
Filipe Puaty «Lumumba» - Sargento
Data
Mar 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
*[Carimbado: JUNTA MILITAR DE CABINDA - NO EXILIO J.M.C.E. - PRESIDÊNCIA] RELATÓRIO PRESTADO A PRESIDÊNCIA DA JUNTA MILITAR, PELO SARGENTO FILIPE PUATY (LUMUMBA) ... EU TAMBÉM ESTIVE LÁ ... - Se o mundo africano para se firmar, carece de verter mais sangue, eu tomei parte numa das mais sangrentas, das mais cruéis, das mais desumanas e das mais trágicas batalhas que jamais vi entre duas forças africanas, durante os meus sete anos de luta, na “U.P.A” e agora na JUNTA MILITAR. - As agitações provocantes, feitas aos cabindas pelo M.P.L.A., SANGA PLANICIE e SANGA MONGO, em 4 e 15 de Fevereiro findo, forçaram o nosso Comando Militar a determinar uma série de operações para acalmar a tensão dos "Mplelistas"... - Eu fui numa dessas, a mais difícil até à data. -Assim, larguei do meu núcleo mais o meu grupo ao local indicado no telegrama que, 8 horas antes tinha recebido e que conservava cuidadosamente num dos bolsos do meu camuflado, pois, era a nossa "FEUILLE DE ROUTE".- - Apesar da marcha ser penosa, fomos os primeiros a chegar ao ponto “X”, para o “ressemblement”. Este, não se fez demorar; dentro de duas horas, estávamos prontos e aguardávamos, com impaciência, as últimas instruções do nosso Chefe do Estado Maior Geral. - Ninguém sabia para onde íamos, qual a missão e quando. Em circunstâncias semelhantes, cada homem engendra hipóteses várias. Houve mesmo quem jurasse saber a operação que íamos fazer. O CONDE, por exemplo, sonhou com um chinês que veio atacar um dos nossos aquartelamentos para experimentar uma arma moderna do seu país. - Estivemos cerca de 3 horas nessa inacção irritante, até que chegou um dos nossos Comandantes de Zona, que imediatamente convocou uma reunião com os oficiais que nos iriam comandar. - Eram 9 horas (21 horas) quando largamos do lugar onde tudo isto se fez para chegarmos ao local onde só os oficiais sabiam, às 23H30. Aqui, informaram-nos que “tínhamos que impedir a entrada de um numeroso grupo de “Mplelistas” que desejava forçar umas das linhas da zona Nordeste, defendida por dois quartéis nossos, às 7 horas da manhã do dia seguinte. Oficiais cubanos, chineses e russos, convidados propositadamente para o efeito, enquadravam o dito grupo.” - O lugar onde recebemos a ordem de nos aprontarmos, seria ali mesmo onde o destino, no dia seguinte, decidiria a nossa sorte ou a deles. - Tomadas que foram as necessárias disposições, emboscamo-nos, embora a coisa não fosse fácil - esperar durante 6 horas. Repetir, aqui o nervosismo que nestas alturas se nos apodera, mesmo após uma longa experiência, como é o meu caso, é desnecessário.- - Eram cerca das 4 horas e 55 minutos quando nos foi transmitido o sinal convencional de “ESTÃO AO NOSSO ALCANCE, A TERRA É NOSSA”... - Tinha chegado o momento... - Vi passar, em fila, diante do seu nariz, aqueles que segundos depois, seriam o pasto das balas da minha automática. Não sei descrever o meu impulso ao secundar a voz que nos foi dada pelo Chefe do Grupo de “POR CIMA DELES, RAPAZES”... - Vi cair homens em posições indescritíveis, ceifados pelas balas. O crepitar das “STERLINGS”, os estrondos ensurdecedores dos “OBUSES” de bazookas e dos roquetes, o estalar de granadas, etc, etc; era tal que me julguei estar no inferno. - Os gritos de “MINHA MÃE É DE PERDÃO O CABINDA”, eram, involuntariamente, abafados pela metralha das automáticas. - O cabinda, deve ser das tribos africanas “bantus” mais paoicas e humanas, mas que excede, “in extremis”, quando provocado. - Quando recebemos a ordem de retirada, ainda ouvi mais gritos suplicantes e gemidos, seguidos de um silêncio eterno... - A luta que durou cerca de uma hora foi, como atrás fica dito das mais duras e hostis de que jamais me esquecerei. Porém, não me é permitido fazer narrações detalhadas sobre esta retumbante Vitória dos cabindas. - Sempre que tropas estranhas, vindas do diabo, quiserem medir a força e o valor dos filhos do MANGOIO, MACONGO e MALOANGO, estes dar-lhes-ão a resposta de que precisam, como foi naquela manhã do dia 23/2/68 em que: ... EU TAMBÉM ESTIVE LÁ... FILIPE PUATY (LUMUMBA) Março de 1968.- *[Carimbado: JUNTA MILITAR DE CABINDA - NO EXILIO J.M.C.E. - PRESIDENCIA]
Relatório prestado à Presidência da Junta Militar, pelo sargento Filipe Puaty (Lumumba) «Eu também estive lá» (Março 1968)
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