Carta de Lúcio Lara ao Comité Director do MPLA sobre viagem à Nicósia

Cota
0105.000.016
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2a via)
Suporte
Papel Comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Comité Director do MPLA
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Brazzaville, 20 de Julho de 1968 AO COMITÉ DIRECTOR DO MPLA Caros Camaradas, Aproveito o Fula-fula de hoje para vos enviar o final do relatório da minha viagem, coisa que não tinha feito pelo correio, por ter sabido que haveria esta possibilidade que é em todo o caso mais segura. Esta tem apenas por finalidade focar meia dúzia de pontos actuais que vos peço que respondam com a maior urgência, mesmo por uma mensagem telegráfica se for possível. Agradeço que caso não esteja presente o c/ Presidente me informe também, bem como se receberam os relatórios enviados da Europa, dois. Não sei se o c. Boavida já está aí, ele era portador de um deles, e o outro tive que o enviar registado de Berlin, antes de sair para a US. 1- O primeiro ponto diz respeito à nossa saída, minha e dos cs. Pedalé e Mingas. Fui informado pelo Simon, que agora havia quatro lugares e que esperavam por nós em princípios de Agosto, para um período de seis meses. Ora por um lado ignoro quem é o quarto camarada e se aí estão ao corrente deste facto. Por outro lado aguardava que o c. Dibala trouxesse indicações sobre quem virá daí para cá, para completar a omissão directiva na ausência dos dois camaradas citados. Parece-me que o c/ Roque não poderá dar conta do recado sozinho, e que dada a ausência que o c. NDZI fará na próxima semana, será necessário que haja alguém que assuma o Comando na ausência do Mingas e até que alguém seja nomeado definitivamente. Creio que deveremos precaver-nos quanto ao espírito que se está a criar quer no seio dos nossos militantes, quer no seio dos congoleses que estamos a deixar cair Cabinda. E agora mais do que nunca em que a situação política interna está um pouco abalada com o complot abortado e de que falarei depois. Eis porque sugiro que alguém venha daí, com a missão com que estava para ser investido o nosso saudoso HENDA, pelo menos durante a ausência seria de dois o máximo três meses e parecem agora com uma coisa de seis meses que não entendo, nem me parece estar de acordo com a necessidade que temos de intensificar o nosso trabalho. Aguardo pois que me respondem a este assunto, para estabelecermos a data da nossa saída. 2- Recebi um telegrama da Mme Bissarides em que me pede resposta ao pedido que fez de visitar o maquis. Soube pelo cam. Barros em Moscovo que o c. Presidente lhe tinha dado o seu acordo, mas ela ignorava ainda isso. Peço pois que lhe enviem a resposta directamente para MME BARBARA LYSSARIDES CARE AFROASIAN SOLIDARITY ORGANISATION NICOSIA ou se preferirem ma enviem para eu lhe comunicar. Em todo o caso agradeço que me comuniquem a vissa decisão. 3- Depois do que vos relatei sobre a conversa com a Mme Assaf ALI acerca da visita à Índia, estou à espera de um contacto do Sr. TRIVEDI que é agora quem assegura o interior da Embaixada em Kinshasa, depois da transferência do Embaixador. Esse contacto foi anunciado para o próximo dia 28. 4- Por démarches efectuadas junto da Juventude Búlgara eles estão dispostos a assegurar o estágio dos três jovens nossos para se encarregarem de pioneiros. Eles deviam ir incluídos no grupo que vai ao festival. Pensamos enviar daqui o Damião BUNGO e o professor em BANGA, irmão do cam. 4-4 (Cristiano). Creio que seria bom nomearem aí alguém para esse mesmo fim, e recomendarem o caso ao chefe da delegação. Devem estar informados que o avião especial passará aqui no dia 25, não sei se vindo daí, ou se indo passar depois aí. O DIBALA deve ter enviado a lista. 5- Dado que o TUTU segue para aí, lembro que escrevam ao Bento Ribeiro dando-lhe instruções para a sua ida para Alger colocar a família. (se ainda não o disseram, claro). Se o c. Neto aí estiver seria bom que dissesse para cá como é que fica a questão do estágio deles na Roménia, pois eles volta e meia perguntam. 6- Antes da minha saída, o SIMON, tinha-me dito que havia uma oferta de dez lugares para o Konsomel e possivelmente (sic) de dez para férias de pioneiros em ARTEK. Disse-lhe que o problema devia ser posto para aí, não sei se o fez e gostava de saber o que foi decidido. 7- Sobre a reunião da OUA que está decorrendo em Alger, no intuito de esclarecer aqueles que ficaram confusos com a resolução adoptada pelo comité dos 5 em matéria de prisioneiros, fez-se um telegrama à OUA, creio que o c/ Dibala enviará cópia. O telegrama foi ao Comité de Libertação em Alger, e informou-se a nossa representação sobre esse telegrama e sobre o facto de ainda haver no que diz respeito à armas de Kinshasa, ao contrário do que afirmara o embaixador do dito país em Addis-Abeba. 8- Devem saber que há uma Comissão dos Direitos do Homem da ONU que está neste momento viajando por África para colher elementos sobre prisioneiros e atentados aos direitos do homem, etc. Eles telegrafaram para o Rev. Silva, na base da correspondência trocada durante a campanha de 1967 ela libertação dos nossos em Kinshasa, e querem encontrar testemunhas nos países que visitarão. Por telegrama recebido por Lamvu, eles devem cá passar em meados de Agosto, pelo que se preparará aqui um papel nesse sentido, quer dizer falando nos prisioneiros de Cabo verde, Luanda, etc, dos padres e aproveitando falar nos de Kinshasa. Creio que será o melhor método. O Rev. está a preparar qualquer coisa e a representação apresentará qualquer coisa. Creio que serão depoimentos escritos. Indicados como testemunhas as representações de Alger, Cairo, Dar, Lusaka e Brazzaville. 9- O GAMA voltou para se reabastecer. Houve uns desaires que segundo eles não abalaram a fixação. Não houve aliás perdas, salvo que houve alguns casos de deserção. Eles contam com apoio local e pedem uns avanços que parece não podermos satisfazer. Não é avanço de massas... 10- O c. Eduardo Santos perguntou-me como é que devia interpretar a circular sobre o estacionamento de famílias na Tanzânia, pois ao que parece teria sido combinado que enquanto ele seguia para as zonas, a c. Mariazinha ficaria em Dar. Como não lhe pude explicar o assunto, por não estar informado e por também não estar bem certo da interpretação que dou à referida circular, disse-lhe que escrevesse para aí. Por outro lado, dada a deserção de muitos médicos o Director do Hospital pediu-lhe que aguentasse ao menos até ao fim do mês de Agosto. Creio que ele vos deve ter informado disso. 11- Se possível agradeço que informem sobre situação FRELIMO. Sempre há o tal congresso a 31 de Julho? Queria também saber se as crianças já foram para o interior. 12- O famoso LAURENT que é efectivamente um agente francês (segundo confessou na m/ frente e do Dibala, na presença de certas autoridades daqui, disse nas suas declarações estar convencido que o mov. apoiaria um golpe da esquerda cá no país. Perguntamos-lhe diante das referidas autoridades o que o tinha levado a essa convicção e ele poude fornecer quaisquer esclarecimentos que o justificassem. Ficou sim demonstrado que ele não tinha conseguido convencer o Mov. da honestidade das suas funções, pois nunca lhe foi permitido visitar o maquis e as célebres cartas de recomendação não foram por nós aceites... Por outro lado, tendo aparecido num dos seus planos o prédio onde eu vivo, e para finalizar com equívocos perguntei-lhe a razão desse facto, se eu nunca lhe tinha fornecido a minha morada: ele respondeu que não era por mim que essa casa figura no plano, mas por alguma que seria susceptível de dar guarida a gente do “golpe” uma senhora do primeiro andar, esperta da ONU... As autoridades de resto louvaram nossa vigilância, dizendo mesmo que “alguns dirigentes aqui teriam evitado muita chatice se fossem vigilantes com o tal homem como nós fomos”. Oportunamente falaremos deste assunto mais em detalhe, dada a sua natureza delicada. 13- Faço finalmente notar que o c. Castro Lopo se vê em dificuldades para fazer funcionar a informação, por falta de mais alguém que possa dar uma ajuda na feitura dos programas e dos artigos. Sugiro que sem tardar se crie uma Comissão encarregada de redigir artigos e programas para as duas rádios. De resto falta-lhe uma certa experiência política. Impedi a distribuição do útil o número do V ou M que encontrei pronto no meu regresso, por causa de transcrição de um artigo da revista do Pablo, trotskista. Não só por se tratar de uma transcrição total que pode dar a ideia que não somos indiferentes à posição desse grupo, mas porque ainda por cima o artigo começa com um ataque indirecto ao Boumedienne... É um outro assunto que me parece ser urgente cuidar, o do conteúdo dos artigos e dos programas da nossa informação, até porque as publicações se estão fazendo em vários sítios o que pode, como no caso citado, conter “broncas” políticas que nos prejudiquem. Nada mais me ocorre. As melhores saudações a todos os camaradas e votos de novos êxitos. VITÓRIA OU MORTE A VITÓRIA É CERTA *[Assinado] Lúcio Lara
Carta de Lúcio Lara (Brazzaville) ao Comité Director do MPLA sobre viagem à Nicósia
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