Tradução de uma Entrevista com Agostinho Neto

Cota
0106.000.050
Tipologia
Entrevista
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Idioma
Conservação
Bom
Entrevista à «Revue de la Politique Internationale» - 20.11.68 (traduzido do francês) Angola em luta pela liberdade e a independência Pergunta (do colaborador da revista Milos Dromnjak): A luta de libertação do povo angolano dura à perto de sete anos. Queira expor-nos, à intenção dos leitores da nossa revista, os desenvolvimentos actuais da vossa luta. Poderia igualmente fornecer-nos algumas precisões sobre a colaboração do vosso movimento à luta de libertação em Moçambique e na Guiné dita portuguesa? Resposta: A luta do nosso povo tomou uma amplitude nova, nestes últimos meses. Quero lembrar contudo que no princípio de 1966 o MPLA abriu uma nova frente no sud-este de Angola. Ela não cessou de se desenvolver de modo que controlamos hoje um território de mais de 500 mil quilómetros quadrados, ou seja um terço do país. Este desenvolvimento não é só devido à determinação, à vontade firme do nosso povo em fazer tudo o que lhe é possível para conquistar a independência completa, mas também a certas circunstâncias favoráveis. Estas permitiram-nos, no princípio deste ano, de transferir a nossa sede para o interior do país e de transportar para lá a Direcção do nosso movimento afim que ela possa exercer as suas funções no próprio terreno, em Angola. Dos 15 distritos que formam Angola, nove são actualmente o palco de uma intensa luta armada. Precisamos pois desenvolve-la ainda em seis distritos. Podemos desde já prever que a luta ganhará muito brevemente todo o nosso país, tanto o campo como as cidades e que o inimigo será atacado por todos os lados. Os territórios que controlamos estão situados no Sul e no Norte de Angola. As tropas inimigas que aí estão acantonadas estão numa completa impossibilidade de se deslocar pelas vias de comunicação terrestre. O abastecimento das bases portuguesas efectua-se portanto por via aérea. Os ataques das tropas colonialistas limitam-se, por assim dizer, exclusivamente a bombardeamentos aéreos contra aldeias e bases dos guerrilheiros. Por outras palavras, o controlo do nosso movimento nestas zonas é total. Mas abrimos frentes novas. Ao passo que em 1966 tínhamos três regiões militares, agora temos cinco. E todas estão activas. Consideramos que a luta do nosso povo não pode ser separada daquela que é travada nas outras colónias portuguesas – na Guiné dita portuguesa e em Moçambique – nem mesmo do combate do povo português contra o fascismo. É por essa razão que formamos a Conferência da Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) onde procuramos coordenas a acção das três colónias em luta e promover as trocas de experiências para melhor combater os colonialistas. Esta organização já deu bons resultados. Desde a sua fundação, em 1960, tornou-se um instrumento muito útil que nos permite intensificar a luta dos nossos povos. A cooperação é perfeita e esperamos que continue a sê-lo. Também existe o problema da África Austral. A situação que aí reina exige uma cooperação seguida dos movimentos de libertação da Rodésia, da África do Sul, de Angola, de Moçambique, assim como das forças dos países independentes tais como a Tanzânia e a Zâmbia. O perigo é a colusão da África do Sul, de Portugal e da Rodésia que ameaçam a luta libertadora dos povos do Zimbabwe, de Angola e de Moçambique. Angola é já palco de uma intervenção armada. A África do Sul enviou para lá tropas e é notório que ela fornece aos colonialistas portugueses material de guerra, aviões e helicópteros. Não é menos notório que a África do Sul ajuda Portugal financeiramente e por outros meios na repressão do movimento patriótico angolano. O nosso movimento está firmemente decidido a luta até a independência completa, sejam quais forem os meios postos em acção pelo inimigo. O MPLA mobilizou cerca de 4000 jovens no Norte e mais de 7000 homens no Sul. Infelizmente, estes combatentes não estão todos armados. A nossa força ofensiva encontra-se reduzida por este facto e não podemos desfechar golpes tão fortes ao inimigo como desejarmos. Nas regiões que controla, o MPLA organiza as populações não somente para que possam sobreviver mas também para que progridam nos domínios da instrução, da educação sanitária, etc. Recebemos do estrangeiro uma ajuda em medicamentos e em material sanitário, mas, nas condições em que nos encontramos, a tarefa principal do nosso povo é a de lutar pela sua liberdade. Uma milícia popular assegura a defesa das aldeias e ocupa-se em organizar a produção agrícola. Constituímos também diversas organizações: sindicatos, organizações de mulheres, de jovens e de pioneiros aos quais é preciso dar, desde a infância, uma educação revolucionária, em previsão de uma luta que se pode prolongar. Pergunta: Gostaríamos de conhecer a sua opinião sobre as perspectivas da vossa luta, a luz das decisões tomadas na última sessão da OUA e dos acontecimentos na Europa: intervenção na Checoslováquia, mudança dos meios dirigentes em Portugal, etc. Resposta: Se no plano interno as nossas perspectivas melhorarem, posso afirmar que no plano internacional o nosso Movimento – o MPLA que guia o nosso povo na luta contra os colonialistas portugueses goza agora de um prestígio que facilita o cumprimento da sua missão. Com efeito, a maioria dos países africanos reconhecem que o MPLA é o movimento principal que luta em Angola. Acrescentamos que na última sessão dos Chefes de Estado africanos que teve lugar em Argel, a Organização da Unidade Africana decidiu não reconhecer mais o “governo angolano no exílio” instalado em Kinshasa e de suspender qualquer ajuda a este organismo. É pois o MPLA quem deve receber toda a assistência do Comité de Libertação destinada ao povo angolano. Por conseguinte, no plano africano, o MPLA está hoje mais forte do que nunca. Estamos convencidos que esta atitude dos países africanos contribuirá para a intensificação das nossas actividades no interior. Também temos o apoio político, diplomático e moral dos países socialistas em geral, assim como das forças progressistas dos Estados capitalistas. Evidentemente, os problemas que se põem hoje no campo socialista não são de molde a permitir-nos esperar uma ajuda mais substancial, uma ajuda na medida das nossas necessidades, porque enfraquecem sensivelmente as forças anticolonialistas e anti-imperialistas em todos os planos – tanto no plano político como também no plano interno. No que respeita às mudanças que se produziram em Portugal, quero sublinhar que se limitaram à substituição de uma só pessoa, de Salazar, por um outro fascista e colonialista notório. De resto, a equipa que governa actualmente Portugal foi recrutada entre os colaboradores de Salazar e a estrutura do governo português não mudou. Não é a Constituição portuguesa que afirma que Angola, Moçambique e as outras colónias são “províncias de Portugal”? Se esta disposição constitucional não for revista, não vemos como o governo português poderá agir de modo a modificar a política portuguesa. Há ainda outros elementos que indicam que a situação não poderá mudar muito facilmente. Pensamos na África do Sul. Este país que, é governado por racistas, desenvolve actualmente em África uma propaganda muito intensa afirmando que defenderá as fronteiras do seu país a partir de Angola e de Moçambique. Como já o fiz notar, os racistas sul-africanos enviaram tropas para Rodésia e para Angola e dão uma ajuda muito importante aos portugueses no território de Moçambique. Assim pois, mesmo se se previsse uma mudança qualquer, a África do Sul tomaria certamente medidas para impedir a libertação completa do nosso povo. O seu governo tem medo que os patriotas sul-africanos, os africanos que lutam nos movimentos de libertação, tenham a possibilidade de conseguir os meios materiais necessários ao procedimento da sua luta para derrubar o regime racista de Pretória. Há também os colonos que gostariam de romper com Portugal. Mas não vejo como poderiam viver contra a vontade do nosso povo. Se se chegasse a isso é certo que em Angola a África do Sul tomaria o lugar de Portugal. Digamos, para concluir, que estamos persuadidos que nenhuma mudança importante intervir proximamente e que teremos que continuar a lutar pela nossa independência! Pergunta: Foi com uma grande compreensão e uma viva simpatia que as forças progressistas do mundo seguem a luta dos povos das colónias portuguesas. Poderia dizer-nos algumas palavras sobre a ajuda que vos é fornecida pelos diversos países assim como sobre a cooperação do vosso movimento com a Aliança socialista jugoslava? Resposta: Como já disse, beneficiamos do apoio de uma boa parte do mundo. Nesta assistência, um lugar de primeiro plano reverte à dos países socialistas e ao Comité de Libertação de África. As forças progressistas dos Estados capitalistas ainda não são muito activas nesta ajuda. Uma luta muito importante se trava hoje no Vietnam. É pois normal que a atenção do mundo se fixe na defesa do povo vietnamita. Estamos contudo muito felizes por receber a ajuda de certos países socialistas e do Comité de Libertação de África. Somos, a partir de agora, os únicos a beneficiar da ajuda deste organismo e pensamos que isto facilitará muito o nosso combate. Precisamos contudo de dizer que a ajuda exterior não é o único factor da nossa luta. Com efeito, é o nosso povo que constitui o elemento principal. Para continuar com o nosso combate devemos mobilizar todas as energias, todos os recursos humanos e materiais do nosso próprio País. A nossa política consiste essencialmente em contar sobre nós próprios, sobre as nossas próprias forças. Sem subestimar, evidentemente, a importância da ajuda externa. Para falar da colaboração entre o nosso Movimento e a Aliança Socialista jugoslava, com a qual temos desde há muito relações muito amigáveis, tenho a dizer que se trata de um dos factores mais importantes para a nossa luta. Sempre apreciamos a ajuda que a Aliança Socialista nos concede: ela chega sempre no momento oportuno; ela é-nos fornecida com uma boa vontade evidente e não se limita unicamente aos domínios político e diplomático. As relações do MPLA com a Aliança Socialista não cessam de se estreitar e, se bem que haja países mais ricos do que a Jugoslávia, nós recebemos dela uma ajuda proporcionalmente mais sustentável do que aquela que nos vem de Estados mais bem providos. Temos todas as razões para estarmos satisfeitos e esperarmos que as nossas relações prossigam e que a cooperação e a solidariedade do povo jugoslavo – através da Aliança Socialista - para com o povo angolano, se reforce.
Tradução da Entrevista com Agostinho Neto na Revue de la Politique Internationale
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