Carta do CEA ao CD do MPLA

Cota
0110.000.033
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2a via)
Suporte
Papel Comum
Remetente
CEA - Centro de Estudos Angolanos
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
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CENTRO DE ESTUDOS ANGOLANOS 20, Av. Dujonchay – ALGER Alger, 29 de Março de 1969 D/14/69 Comité Director do MPLA Caros Camaradas Estávamos a elaborar as fichas de informação sobre o distrito do HUAMBO, quando nos vimos na necessidade de vos escrever imediatamente, dado o aparecimento de aspectos que nos parecem de extraordinária importância e que trazemos ao julgamento dos camaradas: A) Começaremos por expor alguns factos: a construção iminente da barragem do GOVE por Portugal e África do Sul, que parece ser um projecto bem amadurecido, preocupava-nos; o empobrecimento constante da agricultura africana no distrito e o assalariamento acelerado dos africanos que partem para o contrato parecia-nos em contradição – aliás expressa nos próprios jornais – com os interesses imediatos dos colonos no HUAMBO; não víamos como é que os colonialistas pensavam resolver estas contradições no distrito e, no entanto, é certíssimo que o HUAMBO é distrito-chave para os colonialistas – como se depreende do que se conhece e do que eles próprio têm afirmado. B) Ao iniciarmos a descrição da situação económico-social no HUAMBO e o estado do projecto do GOVE, apareceram elementos que nos parecem ajudar a ver os objectivos estratégicos dos colonialistas nestas regiões do CENTRO-SUL do país. C) Os elementos existentes são os seguintes: 1 – o solo do HUAMBO esta cada vez mais empobrecido; as colheitas cada vez mais fracas; os preços pagos pelo Grémio do Milho ao produtor africano continuam baixos. Os agricultores abandonam as terras e vão para o contrato, parecendo que se oferecem mesmo. 2 – a produção de milho tem decaído extraordinariamente, mercê dos factores citados: o Grêmio de Milho comprou 93 mil toneladas em 1964, 68 mil em 1965, 39 mil em 1966; as compras de 1967 foram de 62 mil toneladas porque o ano agrícola foi excelente; o HUAMBO deixou de ser o primeiro distrito produtor de milho; a produção de trigo e de feijão também têm decaído, assim como outros produtos. Estas quebras enormes na agricultura africana e a emigração constante de africanos para outras regiões do país onde vão trabalhar assalariados irritam os colonos do HUAMBO, como se vê pelos jornais. 3 – o governo português não toma medidas para encorajar a agricultura africana no distrito, como faz em certas regiões. Compreende-se porque as fazendas do Noroeste Angolano têm necessidade de mão-de-obra; mas também há uma contradição: a ocupação colonial no distrito poderia correr grande perigo se o comércio caísse ainda mais, até porque não havia culturas altamente lucrativas que incitassem os colonos à ocupação maciça de terras. 4 – o grupo étnico umbundu tem interessado vivamente as autoridades colonialistas pela sua importância no conjunto angolano e por certas características que lhe são atribuídas. Um autor colonialista, Gonçalves Coelho, preconiza a utilização dos ovimbundu como “cimento” de unidade entre os vários grupos étnicos angolanos, através duma colonização interna feita pelos ovimbundu em vários pontos do país. Ele diz que o grupo umbundu é o grupo étnico mais integrado nos padrões de vida e de cultura portuguesa, o mais dinâmico e o que revela maior tendência para a aculturação dirigida; portanto o autor preconiza que o grupo umbundo seja objecto de uma aculturação dirigida e seja utilizado para se preceder ao reordenamento das populações africanas de Angola. 5 – as autoridades colonialistas temem extraordinariamente que a luta armada atinja as regiões ocupadas pelos ovimbundu. Anunciaram que, particularmente no que toca ao HUAMBO, não deixarão que este distrito seja atingido. Entretanto, já há muito tomaram medidas preventivas. No Bié estão a agrupar as populações africanas em terrenos escolhidos e em aldeias novamente construídas e concentradas para melhor vigilância, mas dotadas de água, escola e posto sanitário, muitas vezes; assim como a pecuária; o esforço das autoridades colonialistas é particularmente desenvolvido nas regiões de MUNHANGO, CAMACUPA, NOVA SINTRA, CAPOLO, CHITEMBO, ANDULO E NHAREA; nesta última região já estão “devidamente concentrados” 2/3 da população em aldeias de 250 a 1000 pessoas cada (A P.A. de 18/6/68). No Cuanza-Sul há reordenamento rural em TENDE e PANGA. NO HUAMBO, na região particularmente visada é o BAILUNDO. Pode dizer-se que o “reordenamento rural” no Centro do país cobre uma região geográfica que engloba todo o distrito do CUANZA-SUL. (Chamamos também a atenção, sobre o reordenamento rural, para as FI de Outubro passado, série VIII, capítulo 11.3) 6 – por outro lado, e mesmo antes do reordenamento rural, as autoridades colonialistas implantaram colonatos de europeus e de cabo-verdianos no distrito do Bié (SANDE, MISSENE e CHICAVA), no distrito do Huambo (MUNGO, BELA VISTA, S. JORGE DO CUBANGO, ATUCO e BENFICA) e no distrito Cuanza-Sul (CELA, TENGO e PAMBANGALA) – ver F.I. de Outubro, série VIII, capítulo 11.2.3. 7 – Ultimamente foi assinado o acordo com a África do Sul para a construção duma barragem no CUNENE, na região do GOVE, ao sul do distrito do HUAMBO. Logo após a assinatura do contrato foram lançados anúncios para a adjudicação das obras para o seu começo imediato e tudo indica que o início da sua construção esta iminente. 8 – O esquema de aproveitamento do Cunene é muito vasto que o da construção da barragem do GOVE, parece ter sido minuciosamente estudado por Portugal e pela África do Sul e parece que vai entrar imediatamente em execução a vários escalões. Prevê barragens em GOVE (imediatamente), em MATUNTO (região de QUITEVE), em CALUEQUE e em RUACANA, todas no distrito da Huíla e já com estudos feitos e prontos a entrarem em execução dentro de 1 a 2 anos. 9 – imediatamente, os colonialistas portugueses pretendem a criação de condições para explorações agrícolas e criações de gado intensivas na seguintes regiões: metade sul do distrito do HUAMBO e metade norte do distrito da HUÍLA; portanto desenvolvimento intenso da colonização europeia através de densa ocupação de terras irrigadas; isto será feito sobretudo com a barragem do GOVE e pequenas barragens nos afluentes do CUNENE. Em fases posteriores será aplicado o mesmo processo para a região entre a MATALA e a fronteira sul, mas só ao longo do rio CUNENE, estando ao mesmo tempo previsto o fornecimento de água para os gados das populações africanas (cuanhamas sobretudo); parece haver a intenção de fixar as populações cuanhamas. Por fim o projecto prevê o fornecimento de água ao Sudoeste Africano (através das barragens em MTUNTO e RUACANA (aliás esta será a fase imediata depois do GOVE). D) Todos os elementos citados atrás levam-nos a pensar que os colonialistas portugueses, apoiados na África do Sul, têm um diabólico plano que visa uma modificação profunda no actual panorama populacional do CENTRO-SUL de Angola e que, em linhas gerais, poderia ser aproximadamente o seguinte: 1º - retiraram a grande maioria das populações africanas do distrito do HUAMBO e norte da HUÍLA, quer obrigando-se ao assalariamento em outras regiões, quer transferindo certos grupos, quer ocupando as suas terras por colonos agricultores. 2º - Concentrarem as populações africanas do BIÉ e do CUANZA-SUL em determinadas regiões vigiadas especialmente (isto está a ser feito) 3º - incrustar vários colonatos isolados nas regiões destinadas aos africanos (eles já existem no BIÉ, HUAMBO, CUANZA-SUL E HUÍLA). 4º - criarem uma grande região da população quase exclusivamente europeia (e talvez com participação cabo-verdiana); essa região começaria na CELA continuar-se-ia no distrito do HUAMBO, no norte da HUÍLA e ao longo do CUNENE até à geografia de largas centenas de quilómetros no sentido norte-sul e de dezenas a centenas de quilómetros de largura. E) Assim, a enorme potencialidade revolucionária que constituí no imediato o grupo umbundu seria quebrado das estruturas existentes e modificações da sua distribuição geográfica actual; 2) – pela implantação, em regiões vastíssimas, de colonos europeus e cabo-verdianos agricultores usufruindo de vantagens materiais muito importantes. F) Embora muitos dos aspectos dos projectos dos colonialistas não possam sequer ser postos em prática, é de notar que eles foram elaborados com minúcia por Portugal e África do Sul tendo o apoio maciço desta e foram acelerados ou definitivamente impulsionados com a chegada de Marcello Caetano ao poder. Estes são os elementos que queríamos trazer imediatamente ao conhecimento dos camaradas. Grande parte destes elementos virão pormenorizadamente descritos nas F.I. próximas. Gostaríamos que os camaradas acusassem a recepção desta carta porque não temos confiança nos correios desses países. Recebemos o último comunicado de guerra que nos encheu de satisfação pelos sucessos militares e políticos que revela. Recebam, Caros Camaradas, as nossas fraternais SAUDAÇÕES REVOLUCIONÁRIAS P´la Direcção
Carta do Centro de Estudos Angolanos ao Comité Director do MPLA (D/14/69, Argel) com reflexões sobre o Huambo (para as Fichas de Informação)
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