Carta de Savimbi ao MPLA

Cota
0019.000.003
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Jonas Savimbi
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 1º volume de «Um amplo movimento…»


Suíça, 3/3/61
[Acrescentado à mão: Rec 7.3.61]
Caros compatriotas

Acuso a recepção da vossa carta de Fevereiro que agradeço e passo a responder:
Na carta que enviei à UPA cuja cópia vos fiz pervenir, não tive a menor intenção de criticar seja quem for. Em segundo lugar, a carta se dirige especificamente aos dirigentes da UPA com os quais tive discussão acalorada quando da visita do Sr. Holden aqui. O meu objectivo é simples: Creio que está explicitamente contido na cópia que vos mandei. Como a UPA me propôs a ida para os EUA para dirigir um escritório de informação da situação em Angola no quadro da UPA, podendo continuar os meus estudos numa Universidade de Nova-York, achei necessário aproveitar a ocasião para indagar sobre rumores que me chegaram quando em Portugal, de divergências existentes entre a UPA e o MPLA. Efectivamente a conversa tomou rumo desejado e confirmei o sentimento anti-MPLA que se enraíza cada vez mais nos espíritos dos dirigentes dessa organização. Antes da vinda do Sr. Holden, a UPA enviou-me um missionário americano que conheci muito bem em Angola para fazer pressão sobre mim para no caso da UPA me fazer uma proposta a aceitar sem demora. Como deveis saber, os missionários utilizam o mesmo cinismo dos «trusts» americanos. Ele não foi explícito, mas depois da vinda do Sr. Holden compreendi muito bem quais eram as intenções que animavam o «bom» do missionário. A vossa carta numa certa medida reflecte uma resposta às «acusações indirectas» que creio pensais que eu teria formulado contra o MPLA. Sinceramente este facto se não for a minha observação que me traiu choca o meu espírito. Conheceis-me muito pouco. As cartas não podem de maneira nenhuma dar a conhecer o fundo dum ser humano embora através delas possamos fazer ideia do pensamento de quem escreve. A MINHA CARTA DIRIGE-SE EXCLUSIVAMENTE À UPA. E não creio ter formulado qualquer acusação mesmo contra a UPA. Não tenho, nunca tive a menor pretensão de aconselhar seja quem for. As minhas sugestões foram e serão sempre postas duma maneira vaga. Quando assim for não significa falta de convicção, mas certeza da maturidade de quem as recebe. E creio que se eu tivesse precisado a minha posição quanto à UPA eles teriam toda a razão em pensar que eu pretendo anexar a UPA como filial do MPLA. Certamente o que vai no meu espírito é isso mesmo. Não pode haver alguma dúvida que a UPA dará na maior escala possível os Kalondjis, Tchombés e mesmo Kasavubus de Angola. Homens sem personalidade, homens ambiciosos, homens sem critério. O tempo trabalha a nosso favor e temos que tomar medidas para que sem dar a conhecer as nossas verdadeiras intenções, termos quase na mão os dirigentes da UPA. Amanhã dar-se-lhes-á o destino devido. Se não posso, por desconhecimento intrínseco do problema do Congo, criticar o grande africano que foi LUMUMBA cujo espírito e convicção deixam para a África uma dádiva infinita, permito-me dizer que ele contemporizou com os seus maiores adversários. Não creio que a política de confiança deve ser praticada antes de se ter a certeza da ocupação dos pontos estratégicos e vitais da política interna por homens convictos. Nunca pus em dúvida as boas intenções do MPLA de procurar um entendimento com as demais organizações. Só uma organização sem programa determinado pretende chamar para si uma missão que requer a força conjunta. A UPA fez uma propaganda suja aqui na Suíça por intermédio de um jornal mais reaccionário e o resultado é que estou empenhado em demonstrar a falta de fundamento de tais afirmações. A primeira pessoa a ser colocada como comunista fui eu. O sr. Holden chegou em minha casa na minha ausência pois concentro as minhas actividades em Lausanne onde há maior liberdade de acção pois Fribourg é a vila mais católica que conheci. Chegou no meu quarto e viu fotografias de Njomo Kenyatta para quem tenho uma devoção cega, um cartão editado em Bruxelas pelo MPLA em que se vê três pretos que preparam as suas armas para o «abaixo o colonialismo português». Ele mostrou o seu cartão de membro da Igreja e toda a família fanaticamente cristã, acreditou nele quando ele disse que eu era comunista. A notícia espalhou-se como fogo favorecido pelo vento. As consequências serão incalculáveis pois a Universidade cá é anti-comunista como poucas cá na Suíça. E do outro lado a Suíça, país capitalista por excelência tem mais medo do comunismo que a própria América. Se vissem os convites que recebo para visitar Caux onde está situado o movimento do rearmamento moral, se vissem convites para jantar com sua Exa. conselheiro do Estado, etc, etc. Eu pessoalmente não tenho medo de nomes, sejam eles comunista, animista ou ateu. O que é verdade é que para mim o cristianismo não é mais que o companheiro fiel do colonialismo. Se luto contra o segundo pronto a dar a minha vida para essa luta, não posso desculpar o primeiro. Tenho uma bolsa de estudos de missionários americanos. Em Portugal tive sempre atritos quanta à minha fé cristã. E quando foi da minha saída toda cheia de mistério, os missionários foram unânimes em não me deixar partir mas na hora H nada souberam e alguns paternalistas que compreenderam a força que me anima em cortar pela raiz o mito religioso que complotou com o colonialismo seja através de concordatas com a Santa Sé, seja em tratados de paz com a América ou mais precisamente através da NATO, quiseram-me manter dentro da esfera missionária. Sei que não é fácil arranjar uma bolsa e por isso tenho suportado esse auxílio humilhante e insuficiente para se viver cá na Suíça. Mas precisei a minha posição quanto à religião e afirmei-lhes que podiam me retirar a bolsa se por não professar a fé dum cristo que falhou no plano de filantropia consideram-me fora das suas normas. A verdade é que a reacção imediata foi de me propor através de organizações duvidosas a minha partida para a América para me reeducarem «sur place». No plano económico nada pode nos negar a eficácia do marxismo. E a liberdade de um povo depende só e só da liberdade económica. Não compreendo porquê que me expuseram com sublinhado, o MPLA não ser comunista. Sei que não é, sei que há membros de todas as tendências, sei que há uma base de democracia. É por isso que trabalho para ele porque sei que assim estarei ao lado das figuras eminentes do país e servirei realmente o nosso povo. O sr. Holden quando veio cá, chegou no BUFFET da gare e sem conhecer as pessoas estabeleceu uma conversa política estúpida. Publiquei certos artigos nos boletins de informação: resultado, ou escreveram que o MPLA é das esquerdas ou não precisaram as minhas palavras quanta às organizações políticas existentes em Angola. Pensaram em ser mais ou menos de acordo com os artigos já publicados. É duro trabalhar com jornalistas. São na sua maioria mentirosos. Atribuem-nos por vezes declarações que nunca na nossa vida nos passou pela cabeça. O último artigo que escrevi e que vos mando o original, deve ser publicado este mês e espero que será reproduzido com exactidão. Há outro artigo sobre a CEI que está inserido numa brochura do MDE (mouvement démocratique des étudiants) enviá-lo-ei quando o receber de Lausanne.
Na minha luta por uma Angola livre, tenho multiplicado contactos e como resultado obtive uma bolsa de estudos para um angolano numa Universidade da Suíça. Pensei em fazer sair indivíduos de Angola mas é dificílimo. Há rapazes que contactam comigo por vias já conhecidas nas nossas condições. Eles estão animados a partir. Mas sabeis muito bem qual a diferença que vai entre o VOULOIR ET POUVOIR. Apresento-vos esta bolsa e se houver um estudante capaz de a preencher está à sua disposição a partir de 20 de Abril altura em que reabrem as Universidades. Há também no mesmo quadro 5 bolsas para os colégios suíços para indivíduos que ainda não têm o Bac. Este mês terei mais contactos pois há os que se interessam mesmo em nos dar certas dádivas para o Movimento. Espero que estudareis estas propostas e dir-me-ão alguma coisa. Estou interessado em ir à Alemanha para falar com o Luís de Almeida. Ele ainda não me deu resposta e não sei se está ausente.
Quanto ao meu caso pessoal, recebo cada mês 300 francos suíços para pagar 260 de pensão, roupa tratada e quarto. Fico com os miseráveis 40 francos que é escusado dizer que não me chegam. Podia pedir uma bolsa para mim cá. Mas como sabem isto seria menos sério se começasse por pedir uma bolsa pessoal. Não tenciono fazê-lo. E mesmo não é indicado proceder dessa maneira. Envio-vos um pedido urgente: não vos peço uma bolsa por enquanto até que em definitivo os missionários rompam comigo. Só queria ter uma ajuda mensal que me permita viajar todos os fins de semana para fazer a minha propaganda que tem tido certo acolhimento e para estar à altura de me desempenhar da minha função. Espero a vossa resposta.
Quanto ao programa que enviaram do MPLA escusado será dizer que estou plenamente de acordo. Não mais falei nisso porque achei desnecessário.
Pelo MPLA e pela UNIÃO de ANGOLA! Agradeço o cartão que me fazia uma falta doida.
Abraços do sempre ao dispor,
ass) Malheiro Savimbi

[Acrescentado a mão: P.S. Mando-vos mais uma foto que pode ser necessária.]

Carta de Savimbi (Suiça) ao MPLA

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