Mensagem da delegação do MPLA à Conferência

Cota
0023.000.018
Tipologia
Declaração
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Delegação do MPLA à Conferência
Data
Jul 1961
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
7
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»


MENSAGEM DA DELEGAÇÃO DO MPLA À
CONFERÊNCIA DAS MULHERES DA ÁFRICA OCIDENTAL
Camarada Presidente,
Caras irmãs,
É a primeira vez que a mulher angolana tem a oportunidade de se dirigir às suas irmãs de África e é com profunda emoção que, em nome de Angola combatente, saudamos esta Conferência.
Não se deve ver na nossa ausência aos diversos Congressos Internacionais uma falta de consciência dos problemas relacionados com a mulher africana. Sabemos como a opressão colonialista portuguesa manteve o nosso país numa “zona de silêncio”.
Mas a mulher africana sempre combateu o colonizador desde a penetração europeia em Angola. Se os primeiros contactos dos Portugueses com o nosso país datam de 1484, é preciso notar que as guerras ditas de “ocupação” e de “pacificação” se prolonga­ram até 1922. Isso prova que o povo angolano, longe de se submeter à dominação estrangeira, sempre combateu para salvaguardar o seu direito à liberdade.
O papel desempenhado pela mulher ao longo dessas lutas teve uma importância particular, tendo em conta o lugar que ela ocupava na sociedade tribal e a sua participa­ção directa nas guerras. O caso da rainha Jinga é disso o exemplo mais ­conhecido. Esta extraordinária figura da história de Angola, ciosa da liberdade do seu povo, lutou contra os portugueses, ao longo do século XVII, durante mais de 40 anos. Vejamos o testemunho de um historiador português: “Nenhum chefe foi tão audacioso e tão obstinado, tão hábil e tão resoluto como ela. Nenhum foi para nós tão nocivo e indepen­dente. Na história de uma nação em projecção, numa evolução lenta mas segura, esta excepção merece um lugar de relevo; esse lugar é já em si uma homenagem significativa à soberana, à raça negra e ao seu esforço defensivo”.
Já empobrecido por quatro séculos de guerras constantes e por um comércio intenso de escravos que lhe fez perder mais de quinze milhões dos seus melhores filhos, o povo de Angola viu, ao longo destes últimos trinta anos, o seu sofrimento aumentar com a instauração do regime de ditadura fascista em Portugal.
Antes da ocupação administrativa portuguesa em Angola, a mulher africana jogava na sociedade angolana um papel primordial, tanto pelas suas atribuições na vida ­familiar como pelos direitos e pela protecção de que gozava.
O sistema colonial português, com o fim de melhor explorar as massas angolanas, dividiu o povo em duas categorias: os “indígenas” de um lado, e os “assimilados” ou “civilizados” do outro.
Os “indígenas”, que constituem 99,3% da população, não gozam de nenhum direito, nem mesmo os mais elementares.
Não têm direito de associação; os seus interesses são supostamente “defendidos” pela Curadoria dos Negócios Indígenas. É essa Curadoria, tendo um Administrador branco como responsável em cada distrito, que substitui o advogado em caso de ­julgamentos, que emite os salvo-condutos indispensáveis para qualquer deslocação, etc.
O ensino que lhes é dispensado e que tem o nome de “rudimentar” é, desde 1940, monopólio das missões católicas. Os professores devem ensinar apenas rudimentos da religião, da língua portuguesa e da história de Portugal. O emprego de línguas ­nacionais é formalmente proibido.
Um Código de Trabalho especial para os “indígenas” obriga-os ao trabalho forçado, forma moderna de escravatura. Os trabalhadores são alugados pela autoridade administra­tiva a empresas agrícolas ou mineiras onde eles trabalham nas piores ­condições, com um salário médio de 1.000 FG [Francos Guineenses] por mês.
Após quatro séculos “de acção civilizadora”, os Portugueses podem gabar-se de ter ‘civilizado’ 0,2% das mulheres africanas...
Podem então perceber, caras irmãs, nestas circunstâncias, toda a amplitude da dominação que pesa sobre o povo angolano.
Para a mulher dita indígena, toda a estrutura familiar está destruída por causa, por um lado, da prática corrente do trabalho forçado, e por outro, da emigração clandestina dos homens para os países vizinhos onde os salários são mais elevados. A administração colonialista obriga os homens a afastarem-se dos seus lares, em princípio por seis meses, mas na realidade esse afastamento é muito mais longo quando não é eterno; ­constata-se mais de 30% de falecimentos entre os trabalhadores forçados (contratados). A própria mulher é obrigada ao trabalho forçado, sobretudo para a escolha do café e para a apanha do algodão porque o seu salário, assim como o das crianças, é ainda inferior ao dos homens (que é aproximadamente de 750 FG por mês para os trabalhos agrícolas e para 12 horas de trabalho diário)... Como diz o capitão Galvão “só os mortos estão verdadeiramente isentos do trabalho forçado”.
Mas ainda há pior: a administração colonial portuguesa não poupa nenhuma mulher no trabalho de reparação das estradas e das fazendas da Administração; mesmo as mulheres grávidas são obrigadas a fazer esse género de trabalho e não recebem nenhum salário. Não se lhes dá nem alimentação, nem utensílios.
A camponesa africana deve por isso geralmente encarregar-se sozinha da cultura dos campos para prover às necessidades da sua família. As culturas são portanto muito fracas, a produtividade é reduzida e a subalimentação é regra entre a população angolana.
Quando a mulher dita indígena mora na cidade, o seu trabalho é sobretudo o de lavadeira, vendedora de produtos agrícolas, auxiliar na construção civil, etc., mas na maior parte destas ocupações ela sofre a concorrência dos brancos, provocada pela forte imigração portuguesa. Muitas delas caem na prostituição.
Em Angola, a assistência social nos campos praticamente não existe, porque os médicos se concentram sobretudo nas cidades. A assistência dada à mulher e à criança ditas indígenas é nula, como prova a taxa de mortalidade infantil que atinge 60%. Para cada 28.000 mulheres de 14 a 50 anos, existe em Angola uma parteira.
30% dos alunos “indígenas” que frequentam as 1.008 missões católicas existentes são do sexo feminino. 99,8% das mulheres angolanas são analfabetas.
As cerca de 14.000 mulheres africanas ditas civilizadas gozam teoricamente de direitos de cidadania iguais aos da mulher portuguesa – e essa já tem muito poucos. Nos três sindicatos “oficiais” que existem em Angola, a mulher africana não tem nenhuma participação. Os partidos políticos assim como todas as organizações femininas são proibidos.
A discriminação racial faz-se sentir tanto mais quanto a concorrência económica se torna mais aguda. Com a grande afluência de emigrantes portugueses para Angola, consequência da política de colonização massiva, a mulher africana dita civilizada é vítima de uma evidente discriminação de salários e encontra enormes dificuldades para obter um emprego e mesmo para estudar.
Assim, em 1955, para cada 97 estudantes brancas nos liceus de Angola havia uma negra. No ensino primário apenas estavam inscritas 1.459 meninas africanas. Em contrapartida, entre as mulheres portuguesas em Angola consideradas “civilizadas” pelo nascimento, 57,5% não tinham o nível primário de ensino...
A comunidade racial tão gabada pelos portugueses, baseada num número elevado de mestiços, não significa de maneira nenhuma a ausência de discriminação. Bem pelo contrário: os mestiços, geralmente filhos de um branco e de uma negra, são na sua quase totalidade filhos ilegítimos e são geralmente abandonados pelos seus pais.
Tais são as condições opressivas nas quais vive a mulher em Angola.
Longe de se deixar enfraquecer, o povo de Angola organizou-se em movimentos clandestinos.
Os jovens Angolanos manifestaram-se inicialmente no plano cultural. A mulher jogou o seu papel participando por exemplo no grupo africano Ngola Ritmo, que se dedicava a renovar o folclore angolano.
Por causa da política de assimilação do governo português que se dedicava a destruir a cultura africana e por causa da falta de assistência social, as mulheres “indígenas” das cidades criaram desde há muito associações de ajuda mútua, que destacam um aspecto importante da cultura tradicional africana: a solidariedade da comunidade. Essas ­organi­zações têm, entre outros objectivos, o da assistência às viúvas e nestes últimos tempos, às famílias dos presos políticos.
Desde a fundação das primeiras organizações políticas clandestinas, e nomeadamente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em 1956, as mulheres tomaram parte nessa forma de luta. O MPLA tem uma grande actividade nas cidades e no campo distribuindo panfletos, criando bibliotecas e escolas clandestinas, nomeadamente em Luanda onde as mulheres também ajudaram a despertar a consciência nacional.
O recrudescimento da repressão portuguesa desde 1957 também se abateu sobre as mulheres nacionalistas que foram lançadas na prisão. No processo dos 50 encontrarão, entre os acusados, uma jovem angolana acusada de atentar contra a segurança exterior do Estado. Ela conseguiu exilar-se na América.
Como sabem, a 4 de Fevereiro de 1961, os militantes do MPLA atacaram as cadeias civis e militares de Luanda, onde estavam presos líderes nacionalistas. Esses ataques foram seguidos de outras acções militares a partir do mês de Março, no Norte de Angola.
Mais uma vez a mulher angolana está presente e luta pelo direito do povo angolano à independência.
Como devem saber, essa guerra reveste-se de um aspecto particularmente bárbaro por causa da política de genocídio levada a cabo pelos Portugueses que já fez em quatro meses mais de 50.000 mortos.
Cerca de 124.000 refugiados encontram-se no Congo, entre os quais numerosas mulheres que tomam parte activa nas organizações nacionalistas que se formaram no exterior do país.
É por isso que as mulheres angolanas não puderam, no interior do país, organizar-se em associações do tipo das que se encontram na maior parte dos países africanos. De acordo com a aspiração das suas irmãs que vivem no interior de Angola, as mulheres angolanas refugiadas no exterior perspectivam a criação de uma ampla união de mulheres angolanas.
É um facto que a mulher angolana luta pela sua emancipação total. Mas a realização dessa emancipação passa pela vitória do combate político engajado hoje por todo o povo angolano.
O Movimento ao qual pertencemos, o MPLA, inscreveu no seu programa: “Igualdade total de direitos, sem distinção de sexo – em todos os planos – político, económico, social e cultural – As mulheres terão rigorosamente os mesmos direitos que os homens”.
A solidariedade internacional das mulheres é-nos igualmente necessária para concretizar os nossos projectos.
Fazemos por isso apelo às nossas irmãs de África, e sobretudo às associações de mulheres dos países independentes de África, para que ajudem a desenvolver a organi­zação das mulheres angolanas dando-nos uma assistência política, moral e material; fazendo eco das reivindicações das mulheres angolanas nos seus respectivos países; pedindo aos seus governos para fazerem pressão sobre os aliados de Portugal – os EUA, a Inglaterra e a Alemanha Federal – que são cúmplices de Portugal nesta guerra de extermínio.
Chamamos a vossa atenção para as condições particularmente miseráveis nas quais estão mergulhadas as mulheres e as crianças vítimas da guerra colonial e pedimos às organi­zações de mulheres aqui presentes que manifestem a sua solidariedade à favor das nossas irmãs refugiadas no Congo, por todos os meios de que elas possam dispor, lançando um apelo a todas as mulheres de África para que organizem recolhas de medica­mentos, roupa, etc.
Reclamamos mesmo que seja instituída uma Jornada da Mulher Angolana durante a qual as mulheres do mundo inteiro se pronunciariam contra a guerra colonial em Angola e manifestariam positivamente a sua solidariedade actuante.
Juntas triunfaremos sobre a servidão, a miséria e a condição colonial.
Viva a solidariedade das mulheres do mundo inteiro!
Vivam as mulheres de África!
Obrigada.
Conakry, 21-28 de Julho de 1961

Conferência das mulheres da África ocidental (Conakry, 21 a 28 Julho 1961) - Mensagem da delegação do MPLA à Conferência

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