Relatório sobre a estadia no Ghana

Cota
0033.000.042
Tipologia
Relatório
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Autor
Monimambo?
Data
1962
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

[Sem data – depois de Março de 1962] 1 A vida no Ghana Chegadas: Uma hora depois da nossa descida de avião no aeroporto de Accra, levaram-nos até Winneba, grande aldeia situada a 30 kms da Capital. Aí fomos bem recebidos, num ambiente de grande fraternidade, animado por colegas vindos de diferentes países de África. Depois de cerca de 4 dias, fomos transferidos de Winneba e levados para muito longe, a cerca de 275 kms de Accra, perto de uma pequena aldeia chamada Mankrong; e aí vivemos uma semana inteira de desolação. Instalados em plena floresta, dormíamos em tendas onde fazia muito calor no interior (dado o clima deste país), o solo não capinado e muitos mosquitos que não nos permitiam pregar o olho durante a noite. A água que bebíamos provinha de um pequeno rio ao lado, não era potável e era insalubre para a saúde. Raramente comíamos bem. Qual não foi a nossa alegria, no dia em que vieram nos buscar para voltar a Winneba e aí esperar um segundo grupo de Angolanos que devia vir, enquanto eles aproveitariam esse tempo para encontrar um lugar definitivo para o nosso Treino. Foi assim que no dia 14.12, um grupo de 11 jovens Angolanos vieram ter connosco ao instituto NKRUMAH de Winneba onde esperámos juntos a decisão final do governo. E finalmente, a 27.12, vieram-nos apanhar, a nós e aos guineenses (portugueses) e conduziram-nos até Accra ao bureau African Affaires. Eles tinham esperado a noite para voltar a embarcar-nos no mesmo grande camião, sem que fôssemos informados do local para onde nos conduziam. De caminho, tomados de grande inquietação, ­começámos a pôr-nos questões cujas respostas continuavam a não ser convincentes. A viagem foi longa e penosa, numa estrada esburacada e poeirenta; muito tarde à noite, pelas 2 horas da manhã, tínhamos chegado ao paraíso menos esperado “Mankrong”. Esta visão provocou um descontentamento geral e protestos que, apesar de tudo, não deram em nada. Treino: Começou então a vida difícil que conseguimos, apesar de tudo, suportar corajosamente durante três longos meses que nos pareceram 3 anos. Como os instrutores só deveriam vir depois das festas do ano novo, nós, enquanto esperávamos, éramos obrigados a trabalhar duramente, mesmo nos dias feriados, para tornar o lugar mais habitável e preparar um local para as aulas. Essas festas passámo-las muito aborrecidos, sem satisfação nem alegria. As aulas teóricas, práticas e o treino foram em geral bons apesar da falta total de materiais necessários que entravava e sobretudo paralisava a acção desses pobres instrutores que, dia após dia, se lamentavam para que se resolvesse a questão; mas enquanto por seu lado a administração fazia-se de surda de propósito, espalhava promessas quase irrealizáveis. Mas essa boa gente (honras lhes seja feita) não se deixou desencorajar por isso; graças à sua grande experiência e consciência de trabalho, eles tinham-se esforçado e dado o seu melhor para nos ensinar tudo o que podiam apesar das muitas condições que não favoreciam essa instrução. Porque esses instrutores viviam a 20 kms do campo (se é que se podia chamar campo), vinham às 8 horas e voltavam para casa às 14 horas, mas era impossível que nos ensinassem diversas outras actividades militares durante o dia. Foi assim que dois camaradas sul-africanos “que tinham concluído, na altura, 8 meses de estudos militares no Cairo, vieram ter connosco ao Ghana, precedendo os seus colegas que deviam vir em seguida mas que acabaram por nunca vir, parece que lhes tinham mudado o destino”. Eles apresentaram-se de bom grado e pediram o nosso consentimento para nos ensinarem algumas particularidades militares. A coisa foi ­decidida de imediato, apesar de algumas abstenções. (a maioria é às vezes enganosa, porque aqui foi à minoria que se tinha abstido que foi dada a razão por ter previsto o golpe). Uns cinco dias depois desse acordo, estávamos todos decepcionados com o comportamento deles. Começavam a tornar-se cada vez mais duros, insolentes e algumas vezes brutais; por fim, acabaram por elaborar um programa insuportável que nos exigia uma disciplina que não era militar mas sim esclavagista. Daí em diante, toda a gente se opôs à sua conduta e decidiu não frequentar mais as suas aulas. Como resultado, o governo decidiu enviar-nos uma pessoa com conhecimentos militares e que pudesse orientar-nos. Que surpresa! Em vez de um militar, foi um oficial da Polícia que nos foi enviado, com um título ridículo de Comandante do campo. A vida desgraçada que levávamos, a falta total de dinheiro que nos poderia ajudar nas nossas pequenas necessidades (para informação: durante os quatro meses, até à nossa partida, só recebemos três £ [libras] cada um, e que partimos do Ghana como chegámos), a insuficiência da alimentação, as partidas sucessivas de vários camaradas todas as semanas para o hospital de Accra, que ficavam doentes demasiadas vezes por causa da subalimentação, da água insalubre que bebíamos, e das picadas dos mosquitos, provocou protestos que acabaram numa resolução de não prosseguir o treino até que o mau tratamento que nos infligiam fosse moderado. Razão pela qual, a 11 de Janeiro, o secretário Mister Ansen foi expressamente encarregue de vir resolver a questão. Mas como é que ele a resolveu? Era mesmo horrível ouvir pronunciar tais palavras na boca de pessoas pertencentes a um país que pretendia não ser independente enquanto todos os países irmãos de África não o fossem ainda, e por outro lado reclama por todas as vias a UNIDADE DE ÁFRICA (chic). [sic] Essas palavras, traduzidas em francês pelo intérprete ghanense que tínhamos no campo, foram as seguintes: A razão pela qual vocês se revoltaram é muito vaga, os gastos que podem ajudar à despesa daquilo que nos pedem não são nada, zero e não põem problemas face à grande riqueza do Ghana e saibam bem, se ainda não o sabiam, que o dinheiro com o qual vos alimentamos aqui não nos é dado pelo vosso movimento e ainda por cima, isso não provém de nenhum outro país, seja ele de África ou de outro lado. Vocês procuram entrar pelas janelas enquanto a gente vos deixa uma porta largamente aberta. É pela boa vontade do próprio Presidente Nkwame Krumah [sic] que vocês vieram aqui, para o bem do vosso próprio país e ele não recebe nada em paga. Nós ghanenses, somos independentes e livres há muito tempo; por isso não permitiremos nunca mais que quem quer que seja, vindo de qualquer lado, nos force ou nos obrigue a extrair à força alguma coisa que nos pertença. E no entanto, a alimentação que comem durante três dias os vossos irmãos refugiados na fronteira do Congo não vale nem sequer o que vocês engolem diariamente aqui. Para terminar, faço questão de vos avisar que a partir de hoje, tomaremos a severa medida de expulsar os que se comportam mal e aliás se há entre vocês alguém que não queira continuar, que levante o seu dedo e então, provar-vos-emos imediatamente que os ghanenses sabem cumprir a sua palavra. Quando essa chuva de insultos cessou, tinha-nos molhado da cabeça aos pés; um dos nossos mais jovens camaradas chorou e levantou o seu dedo, apesar das ameaças de despedimento que acabavam de ser pronunciadas. Nesse mesmo dia, Moses [sic] deixou-nos definitivamente, depois de ter restituído tudo o que lhe tinham entregue e até reclamaram o calção e a camiseta já usados e os acessórios de higiene. Esse não foi o único dos nossos camaradas que nos deixou; depois dele partiram o Gustódio [sic] e o Xavier por motivo de saúde. Dois outros camaradas Joaquim e Domingos por terem pedido o reembolso do valor de uma galinha que tinham comprado com o seu próprio dinheiro a um dos sul-africanos acima citados, que tinha atirado essa galinha para a floresta com um pontapé. Foram expulsos a 15 de Fevereiro com a chegada do secretário Ansen. Depois de muitas reuniões, decidimos ajuizadamente persistir em suportar essa vida até ao fim das nossas aulas, considerando o resto das questões como sendo secundárias e de menor importância para a causa da nossa querida PÁTRIA que temos de libertar a qualquer preço. Aproveitando a grande experiência dos nossos instrutores sobre a guerrilha, a nossa instrução não foi muito difícil, corria bem apesar do atraso da requisição de ­materiais importantes para as aulas que vinham aos poucos. Aprendemos sucessivamente o manejo das armas de fogo. Espingarda, metralhadora ligeira, pistola e metralhadoras pesadas, montá-las e desmontá-las, fazer pontaria e disparar; o explosivo e os seus ­diferentes meios; em seguida teorias e práticas sobre os temas tácticos e orientação militar. Todas as coisas têm um princípio e um fim e foi a 30 de Março que as nossas aulas chegaram ao fim. Mas esse fim foi lamentável de ambas as partes. Da parte dos instrutores, eles lamentavam profundamente, depois dos grandes esforços que fizeram durante três meses para nos ensinar o que tínhamos aprendido e em condições não favoráveis, ter como ­resultado terem tomado conhecimento à última da hora, através da ­administração local, das calúnias segundo as quais “a massa angolana não estava satisfeita com a instrução recebida.” Nós, por nosso lado, estávamos mesmo chocados com essas palavras mentirosas porque não nos recordávamos onde nem quando tínhamos pronunciado essas palavras; sim, tínhamos protestado contra o tratamento que nos infligiam, mas nunca chegámos ao ponto de criticar a acção dos instrutores. Em todo o caso não éramos cegos, conhecíamos bem a posição deles assim como eles conheciam a nossa. E no entanto, ao ser verdade, não seriam os instrutores que seriam acusados, mas pelo contrário, a culpa deveria ser automaticamente atribuída à administração incoerente que geria esses assuntos. O último Adeus, nesse dia, não era de franca compreensão, as palavras de despedida foram tristes. Impressões: Por isso rogamos e pedimos aos nossos dirigentes que entrem em contacto com esses ditos instrutores, mesmo que se tenha de passar por intermédio das Embaixadas ou enviar directamente uma carta ao governo de Moscovo para resolver esse litígio e ao mesmo tempo testemunhar-lhes a nossa afeição e a nossa gratidão. Em geral, temos a nítida impressão que uma vez em Angola, faremos grandes coisas, desde que sigamos à letra os conselhos e reparos que nos transmitiram os nossos instrutores; e sobretudo na condição de termos em nossa posse os materiais necessários para essa obra. Uma única ideia nos ficou na mente é que: acreditamos com convicção que o próprio Presidente Nkwame Nkrumah nunca foi informado da situação que vivemos no seu país e está totalmente por fora, mas quem está mergulhado até ao pescoço é aquele a quem se deu a gestão dos assuntos e os seus subordinados que executavam mal as ordens do Presidente e de seu governo. Conclusão: Depois de serem libertados os poucos países Africanos que ainda não o são, esperamos com grande optimismo que a unidade de toda a África seja possível e fazemos um último Apelo aos dirigentes do nosso Partido para continuarem a seguir o mesmo caminho, a terem cada vez mais conversações e entrevistas com países que tenham uma tendência para essa ideologia salvadora. Viva Angola independente, viva o MPLA e viva a África Nós O Comité

Relatório sobre a estadia no Ghana (Ghana). (Lúcio Lara escreveu numa (fotocópia) sobre Henda «Relatório sobre a revolta do gr angolano no Ghana (Wineba, Inst. KN)» em 11/1/62).

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