Carta de Jonas Savimbi a Luís de Almeida

Cota
0034.000.031
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Jonas Savimbi
Destinatário
Luís de Almeida
Locais
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»


CÓPIA DA CARTA DO SAVIMBI [Nota manuscrita por L. Lara: a Luiz de Almeida], recebida a 24 de Maio
Lausanne, 21 de Maio de 1962
Meu caro irmão e companheiro de luta
É-me particularmente grato traçar-te estas linhas no âmago da serenidade que domina os nossos corações e espíritos uma vez apagada e esquecida a paixão maligna que tanto nos causou descarrilamentos. Hoje olhando para um ano de separação entre tu e eu noto atrás de mim um rasto que foi o percurso que fiz, voluntariamente, com consciência de ter feito alguma coisa para o nosso povo comum, com buracos mais ou menos profundos dependentes do jeito com que tentei delinear essa estrada. Com quedas lamentáveis de profunda repercussão que constituem os primeiros passos numa estrada política cujas curvas são imprevistas pelo facto de o caminho ser ­desconhecido. Só conta a vontade de acertar e a humildade de reconhecer as falhas. NO TODO RESTAM ACONTECIMENTOS QUE MARCAM INDIVÍDUOS PARA SEMPRE. NO MÍNIMO CONTAM PRINCÍPIOS QUE CONTINUAM INTACTOS PORQUE ALÉM DE PERTENCEREM À BAGAGEM DO NOSSO CRER E DO NOSSO SENTIR SÃO REALIDADES QUE NÃO CARECEM DE DEMONSTRAÇÃO.
A nossa separação seguida de cartas lamentáveis para a nossa estatura educacional, constituiu um fosso que permitiu mais quedas além da nossa. Se isso tudo foi uma experiência política infantil que serviu para alguma coisa há tudo a lamentar mas tudo a reconstruir pois é fácil o caminho já andado por mais penoso que ele tivesse sido.
Erros praticados pelos nossos dirigentes com maior ou menor culpa tiveram necessaria­mente influência no nosso trabalho. Nada pode desculpar nem justificar a divisão ­existente entre os dois Partidos que hoje toma o triste caminho duma rivalidade à morte para membros de partidos diferentes. Erros de palmatória estão tácitos num e noutro partido. Manifestações de prestígio pessoal na corrida do leadership estão patentes num e noutro Partido. Não vale nem adianta pedir satisfações a A ou B quanto ao seu compor­ta­mento passado pois ele está manchado pelo único facto de a unidade das forças vivas Angolanas não ser um facto. Ao escrever-te esta estou crente que o nosso concurso para a solução do problema Angolano é necessário. Mais vitórias ou derrotas apoiadas por tacto ou sentido de oportunismo não podem já resolver o problema Angolano. O MPLA, a UPA, o PDA e mais centenas que se criam à base de ambições e ignorância não podem resolver o problema pendente da Libertação Nacional. Só a mobilização inteira de todas as forças vivas do país enquadradas num só Organismo competente sinceramente consti­tuído pode responder devidamente à carência de meios materiais e filosóficos tornados inacessíveis pela luta de Partidos que, sem mercê, conscientemente encorajamos.
Quanto ao problema da mestiçagem que fez objecto duma polémica destrutiva e incoerente entre tu e eu não é um problema político. No meu parecer é ­essencialmente humano. Seja qual for o sentimento que nos anima ao entrarmos nessa discussão seremos obrigados a concluir que a solução deste problema não reside numa vitória política ou militar em Angola se quisermos responder a necessidades prementes de formação do nosso povo. Atribuiremos a causa deste problema ao colonialismo inimigo contra o qual nos batemos. Mas a derrota do colonialismo não faz desaparecer esse problema que depende do esclarecimento dos espíritos dirigentes para uma educação do povo em consequência. A sua negação ou o seu afastamento não resolve de forma nenhuma a questão. Mas sim o seu exame directo, a adopção de soluções que ele reclama. Não há indivíduos bons ou maus mediante a pele da cor [sic]. Os há sim mediante os meios ­frequentados. A sua solução consiste em amelhorar os meios que os geram para uma nova etapa dum arranque definitivo. O problema da representatividade deixaria de existir por ser político. Um só povo de cores diferentes VIVENDO NO MESMO MEIO veria nas capacidades e vontade de solucionar problemas os eleitos. Mas se à primeira vista a solução do problema da mestiçagem é mediato, far-se-á imediato desde que questões políticas tivessem a sua solução. Estou consciente que continuas o mesmo Luís de ontem com espírito esclarecido. Não fui afectado pelo oportunismo que é a submissão aos factos nem pelo verbalismo que é crença na realidade dos slogans. Aqui encontrarás a resposta aos problemas que se levantam pelo momento.
Tenho mantido contactos com o Viana desde que isso me foi possível para uma aproximação que o momento crucial da nossa história exige e reclama. Ao partir para ACCRA onde conto participar na Conferência dos Países não independentes faço-o esperançoso que a razão triunfará às ambições. O meu prazer será enorme se puder receber uma carta tua dentro de uma semana. Se não, quero que encontres aqui a expressão do meu sentir no que de bom ou de mau pratiquei e firmeza aos princípios que partilhamos nessa vontade inquebrantável de vencer. Um abraço extensivo a todos os camaradas de luta é dirigido ao KALENGA e mana. Para ti vai isto: A LUTA PASSA POR VALES E MONTANHAS. QUANDO FOR DAS MONTANHAS CLAMEMOS BEM ALTO A ORDEM DE MOBILIZAÇÃO.
Sem mais teu de coração
Jonas Malheiro Savimbi

Cópia de carta de Jonas Savimbi (Lausanne) a Luís de Almeida

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