Carta de Matias Miguéis a Viriato da Cruz

Cota
0050.000.064
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Matias Miguéis
Destinatário
Viriato da Cruz
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

B.P. 2434 – Léopoldville
Léopoldville, 31 de Maio de 1963
Meu Caro Viriato,
Folgo pela melhoria do teu estado de saúde. Boa saúde à Maria Eugénia e à v/ pequenina Marília.
Recebi a tua carta feita em Roma e as duas outras enviadas de Bandung e de Alger.
Felicitações pelo convite que te foi feito e pela posição atribuída a Angola, na tua pessoa, aquando da fundação da Associação do Jornalista Afro-Asiático.
O atraso na conversação que, em princípio, devemos ter está sendo prejudicial à nossa acção. Encontramo-nos na situação de jogadores frente à baliza do adversário, descoberta, mas sem possibilidades de finalizar – de meter golo.
Os Comités de Acção de Léopoldville se encontram em pronunciada rebelião contra o Comité Director, actual. As nossas divergências estão tendo reflexo no Interior da nossa Terra com pendência do fiel da balança para o nosso lado. É o que nos dizem todos quanto de lá vêm e nos têm procurado.
Há uma série de questões a atacar com toda a urgência.
As discriminações e as injustiças sucedem-se diariamente.
Foi há dias convocada uma reunião de militantes para os dias 4 e 5 com vista à “reorganização do MPLA em Léopoldville e à eleição dos responsáveis de Zona”. Alguns militantes foram para tal reunião, que resultou em fracasso, com o direito de voto e o de serem votados coartado pura e simplesmente. Segundo o Lara que nisso superintende, não podiam “eleger e nem a serem eleitos”, por serem “funcionários(?) do Movimento” ou por “residirem nos lares do MPLA”. Não há nisso qualquer ponta de exage­ro de nossa parte. A “coisa” ficou escrita em convocatória que se encontra em nosso poder.
Com a criação da Escola de Quadros cujo funcionamento não passa quase do papel, a propaganda do CD no tocante à politização das massas redobrou. Dizem que a politização jamais fora feita pela Direcção anterior do Movimento. E que só agora se estaria fazendo em Léopoldville, nas fronteiras e no Interior de Angola!! Os cursos políticos anteriormente elaborados foram todos recolhidos. Consideram-nos nocivos. Presentemente como politização se está martelando aos ouvidos dos camaradas do EPLA a necessidade duma colaboração com a FUA que dizem pretender ajudar o MPLA como se aos colonos e aos filhos destes interessasse uma verdadeira independência de Angola. Isto tem feito cres­cer a desconfiança do povo e dos camaradas do EPLA vis-à-vis ao MPLA. Para a Organização ­de Quadros o nacionalista angolano é só o Neto, o único capaz de fazer a revolu­ção como se tal fosse possível!! Está-se convencendo as massas de que sem Neto não se faz a revolução!!!
Alguns camaradas têm deixado o EPLA. Os que ficam, ante a nossa insistência, o fazem mas prometem deixar a Organização se a situação do Movimento não se modificar até fins de Julho próximo.
A Juventude continua desorganizada. Ela não pode reunir sem autorização do Lara. Tudo ali, à semelhança do que se passa com as Associações em Angola, terá de ser homologado pelo Departamento de Organização e Quadros!! Pensam dotar a Juventude duma Direcção mas só depois de “desmantelarem” o que eles chamam “o pequeno grupo de “descontentes”: José Miguel, Borges, Santos, Amaro e Luíz Miguel”.
José Miguel e Luís Miguel já se encontram arbitrariamente e injustamente suspensos por doze meses, sem direito a alimentação, casa e assistência médica do CVAAR!! O Neto está esquecido em tão pouco tempo do tratamento que lhe foi dado pela PIDE no tocante a casa (cadeia) alimentação e assistência médica!! Estes tipos conseguem ser mais fascistas que o próprio Salazar! Borges e Santos estão em vias de serem suspensos. Inventou-se de que teriam tido atitude de indisciplina durante o seminário da Juventude realizado cá sob os auspícios da WAY. Quanto ao Amaro o estão levando, por provocações, a demitir-se dos trabalhos do MPLA.
O n/ Bureau cá deixou praticamente de suscitar interesse das massas. É muito pouco visitado. Os compatriotas vindos de Angola raramente para lá se dirigem, como então.
O Comité Director sabe do movimento pro-realização duma Conferência Nacional extraordinária. Tem feito pressões sobre os militantes. E até ameaças. A Direcção do MPLA, pela boca do Neto, não aceitará, por momento, a realização duma Conferência Nacional extraordinária. Não cai nisso, no dizer do mesmo Neto!! Há certa dureza da parte deles no sentido de se conservarem à frente do Movimento.
Muitos factos mais apresentaria se me quisesse tornar fastidioso.
Torna-se pois necessário e urgente uma conversa.
Dos 21 camaradas há dias enviados a Nambuangongo com indicação de entrarem pelo Norte, 16 deles foram barbaramente assassinados pela UPA. Um dos nossos pupilos da Academia Militar, o Gonçalves, lá ficou. O Jacob só por milagre conseguiu salvar-se. O envio dos dois no mesmo pelotão, pelo Lima, foi intencional. Quanto ao ataque a Cabinda não passa de uma operação criminosamente conduzida pelo Lima!!
Começaram a espalhar boatos segundo os quais tu terias feito parte da Delegação do MPLA que esteve em Addis Abeba e que tua vinda para Léopoldville estava eminente. Diz-nos alguma coisa. Apresenta, por mim, recomendações à Maria Eugénia e beijos à vossa Pequerrucha.
Escreve-nos e aceita um aperto de mão cordial.
do [rubrica de Matias Miguéis]
P.S. – Vai uma carta do José Domingos. O Chipenda tem estado a fazer um trabalho de divisão entre a Juventude. Fá-lo com muito tacto...
[rubrica de M. Miguéis]

Fotocópia da Carta de Matias Miguéis (Léopoldville) a Viriato da Cruz

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