Carta de António Rebelo Macedo Júnior a Luís de Almeida

Cota
0058.000.002
Tipologia
Correspondência
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Remetente
António Rebelo de Macedo Júnior
Destinatário
Luís de Almeida
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
7
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 Lausanne, 3 de Janeiro de 1964 Camarada Luís d'Almeida Mais um ano acaba de passar. Que todos nós saibamos aproveitar as lições que os acontecimentos desse ano nos proporcio­naram, de maneira que em 1964 possamos alcançar vitórias cada vez mais decisivas contra o colonialismo português retrógrado, e contra todos aqueles que tal como o lobo vestido de pele de cordeiro, fa­zem coro com todas as forças empenhadas na exploração e na opressão do Povo Angolano. Tais são os meus votos para todos os Angolanos e neste caso contra ti em particular. Posto isso, passo a responder à carta que me envi­aste a 16 de Dezembro do ano findo. Ficámos bastante aborrecidos ao sabermos que não te deslocarias até cá onde teríamos a oportunidade de discutir com mais precisão todos os problemas que constituem hoje a nossa maior preocupação. Tanto mais que as razões que tu invocaste não nos conven­ceram: em 1 lugar a tua ausência por um ou dois dias da Alemanha não ia de maneira nenhuma influenciar o estado de saúde da tua fi­lha, em 2 lugar nós prometemos pagar‑te as despesas da tua deslocação, em 3 lugar tal como disse na carta que enviei ao Jorge, as ac­tas ou relatórios que vocês nos enviarem serão insuficientes na me­dida em que eles não podem substituir o diálogo; este diálogo que em 4 lugar poderei afirmar, merece um bocado de sacrifício para ser en­tabulado. No que diz respeito às conclusões apresentadas na carta e que dizes terem sido tiradas após uma longa e profunda aná­lise da nossa situação política, tenho muita coisa a dizer. Para começar, lamento que tu me não tenhas enviado essa tal análise, e me tenhas enviado apenas as conclusões; é muito possível que determinadas conclusões a que tenhas chegado sejam falsas porque pre­cisamente o raciocínio que presidiu a essa análise estava errado. Em 2 lugar, a maneira como tu expões as tuas conclusões pecam por falta de objectividade; importa não só citar as conclusões, mas também exemplificá‑las, com dados concretos do nosso problema; ca­so contrário, entraremos num jogo de palavras em que cada um poderá reivindicar, segundo o seu interesse, este ou aquele sentido. Fiquei portanto com a impressão de que pretendes apenas estabelecer a dú­vida e a confusão, sem teres a coragem para abordares o problema no seu verdadeiro contexto. E isto é tanto mais grave, quando eu tive a oportu­nidade de verificar que vários camaradas hoje em dia procuram agi­tar o espectro dos erros dos nossos dirigentes, metendo‑os todos no mesmo saco (erros e dirigentes) sem procurarem fazer um estudo so­bre esses mesmos erros, de maneira a descobrir os verdadeiros res­ponsáveis, ou se se trata efectivamente de erros ou não. Os camara­das que assim procedem acabam por (ou pretendem mesmo) desmoralizar os outros militantes, tentando com uma subtileza especial, pôr mes­mo em dúvida o valor das nossas convicções e a certeza da Vitória Final. Uma vez esta tarefa concluída, o caminho estará aberto para a deserção, a capitulação e [o] oportunismo. Eu estou absolutamente de acordo (quem é que não es­tá?) que erros importantes foram cometidos e que portanto uma revi­são da nossa táctica em determinados sectores se impõe, sem que por outro lado o princípio da nossa estratégia (revolucionária e anti-­imperialista) possa ser posto em dúvida. Mas só quem está cego, ou quem não quer ver, é que ainda não se apercebeu do esforço despendido pelos nossos actuais dirigentes (do MPLA) no sentido de se evitar a repetição dos erros que vierem aumentar as nossas dificuldades. E quais foram esses erros? Eles foram vários. Uns por oportunismo de esquerda, outros por oportunismo de direita. Assim por oportunismo de esquerda, os nossos antigos dirigentes refugia­ram‑se em Conacry (Conacry era nesta altura a capital da África re­volucionária), e aí se mantiveram até Outubro de 1961, quando preci­samente a sua presença no Congo, a partir de 4 de Fevereiro, era uma necessidade imperiosa. E hoje em dia, sobre os camaradas que procu­raram limitar os desgastes, evitar o tempo perdido e assim preparar as bases para um verdadeiro e novo trabalho, recai a acusação de a­venturismo, política de desespero etc. Não meus amigos, não devemos desdenhar o trabalho heróico dos outros só porque nós não temos a coragem de o levar a cabo, ou nos sentimos incapazes. Heróis não se fabricam, é certo; nem todos temos as mesmas qualidades; procuran­do a todo o custo aperfeiçoar-nos e não sermos invejosos, destruidores, estigmatizando o trabalho dos outros só porque nós não somos capazes de os imitar. O trabalho valoroso levado a efeito pelos nossos camaradas em Léopoldville não pode ser considerado como simples aberração ou casmurrice pelo simples facto de que ele comporta um certo número de riscos. É fortuito afirmar‑se que o sacrifício do Chipenda e outros é em vão. O actual Comité Director do MPLA, presidido pelo camarada Agostinho Neto teve o condão de demonstrar e mostrar a to­dos os militantes que o caminho que nos conduzirá à Vitória Final, passa por uma luta sem tréguas contra o imperialismo e o colonialis­mo. Efectivamente, o grande debate que hoje se instalou no MPLA é o seguinte: sob o pretexto de "souplesse" alguns camara­das entendem que devemos adoptar uma atitude mais "souple" vis à vis dos nossos inimigos, ou melhor, de alguns dos nossos inimigos. Recusando a única via que logicamente nos oferece alguma garantia de sucesso na luta contra esses inimigos (única via ‑ luta sem tré­guas) certos camaradas pretendem fazer crer que com a sua astúcia ou esperteza poderão enganar os nossos inimigos. Os camaradas que assim pensam ou são mal intencionados, quero dizer não pretendem nada enganar esses inimigos mas sim os seus próprios companheiros, ou então são ignorantes. Aos mal intencionados eu quero lançar um aviso: acho que o melhor que têm a fazer é parar com essas esper­tezas porque também há outros mais espertos que vocês. Aos ignoran­tes, vou explicar‑lhes porquê que é perigoso pescar em águas turvas. Como disse atrás há camaradas que se pretendem tão, tão, tão inteligentes que só com uma simples esperteza ou astúcia liquidarão os nossos inimigos. Brincalhões! No nosso caso especial qual é a astúcia que eles apregoam? - Deixemos de atacar os imperia­listas e os neo‑colonialistas, ou sejam os americanos, o Governo Congolês e a UPA, e lá dentro vamos liquidá‑los. Estes camaradas raciocinam como crianças; eles não sabem que os nossos inimigos nos conhecem suficientemente bem para não se deixarem enganar: a UPA, é um instrumento do imperialismo americano destinado a combater em Angola as forças progressistas que se batem pela independência do país. Eles, os da UPA, sabem muito bem que os progressistas somos nós, que é contra nós que eles combatem. A UPA possui mesmo um exército que nós sabemos que não é um exército de libertação, mas sim uma futura força de repressão dirigida contra os revolucionários angolanos. Está-se mesmo a ver a que ponto nos conduziria semelhante esperteza: entrávamos todos para o FNLA, o Holden recebia‑nos de braços abertos com o pretexto ou sem ele liquidava‑nos imediata ou lentamente antes mesmo que pudéssemos pôr em marcha o nosso plano. E isto sem que alg­uém pudesse intervir de fora, porque se tratava já duma questão interna entre militantes do FNLA. Acho que o raciocínio é claro. Um exemplo simples pode ainda ajudar a melhor compreender: se nós qui­sermos matar um tubarão, devemos combatê-lo de fora, quero dizer, e­vitando de nos aproximarmos demasiado até que tenhamos uma boa oportunidade para dispararmos a nossa arma, ou devemo‑nos deixar pri­meiro engolir para uma vez dentro do seu estômago desferirmos os gol­pes mortais? Todos os camaradas que por ignorância da natureza e da força do nosso inimigo admitem falsas soluções, devem meditar um pouco mais. Esta teoria da simples "souplesse" é tanto mais perigosa, quanto ela pode facilmente encontrar adeptos em certos ca­maradas desprevenidos, e sobretudo naqueles que hoje [estão] dominados por um estranho complexo derrotista. Antes de nos apressarmos em experiências deste género, procuremos ver e analisar o que se passa no res­to do mundo, colhendo exemplos que nos possam ser úteis. O exemplo do Gisenga e dos seus nacionalistas congoleses que caíram na história do Adoula e do seu governo de união nacional que é digno de reflexão. O exemplo dos patriotas venezuelanos que prematuramente se tinham deixado enganar pelo Bettencourt ou a burla dos americanos que tenta­ram enganar os patriotas do Pathet‑Lao com a história do neutralismo do souvana‑Phuma, são outros tantos exemplos que não nos podem esca­par. Mas não é preciso ir tão longe; vejamos o que se passa e o que se passou em relação ao MPLA no Congo: Desde a instalação do Comité Director em Léo, os nossos dirigentes procuraram por todos os meios atrair as boas gra­ças das autoridades locais; várias foram as vezes em que os nossos dirigentes, em conferências de imprensa ou comunicados, enalteciam e elogiavam a hospitalidade de que dava provas o governo congolês, quan­do os nossos soldados eram espancados, um campo de treino recusado e os nossos próprios dirigentes ameaçados. Quais foram pois os resul­tados dessa tal "souplesse"? Foram nem mais nem menos o de facilitar a tarefa dos nossos inimigos. - Espezinhados, maltratados e ameaça­dos. Em vez de pedirmos socorro elogiávamos os nossos carrascos. E hoje quando o nosso Comité Director procura esclarecer a situação e pôr as coisas no seu devido lugar, os fascistas, os derrotistas e seus ajudantes invocam a falta de realismo político a "gaucherie" a baixa política. Que todos fiquemos cientes desta realidade: nenhuma esperteza nossa poderá por si só desarmar os nossos inimigos criados precisamente para nos vigiarem. Nenhuma "souplesse" poderá fazer nascer a dúvida dos nossos inimigos, quanto às nossas verda­deiras intenções, a menos que efectivamente estas não sejam boas... Se efectivamente queremos ser "souples", porquê que não o seremos em relação aos portugueses? Porquê que não volta­mos para Angola? Porquê que não participamos nas eleições para o Conselho Legislativo, para mais tarde podermos mudar a situação? É lícito afirmar‑se por exemplo que as jornadas heróicas de 4, 5, e 6 de Fevereiro em Luanda, constituíram simples manifestação de aventurismo político, pelo simples facto de que a­queles que a levaram a cabo se encontravam perto ou ao alcance do monstro a liquidar? Faço esta pergunta porque a dado momento da tua carta afirmas: "de nada vale acusar‑se a África de maioria de neo­‑colonialista quando a política angolana faz precisamente parte desse conjunto que é a África". Como já disse no princípio da carta as tuas conclusões pecam por falta de objectividade. No entanto eu desconfio que tu pretendes com esta crítica atingires o actual Comité Director do MPLA. Se assim é, enganas‑te redondamente. O Comité Director do MPLA não precisa de acusar a África como sendo de maioria neo-colonialista; mas o que ele tem feito, e esse é o seu dever, é denunciar a conspiração neo‑colonialista contra as forças progressistas de Angola, evitando assim que no espírito dos seus militantes ou simpatizantes, possa subsistir qualquer dúvida quanto à natureza política das dificuldades que atravessamos. Teria por exemplo algum significado político válido o deixarmos de criticar a política co­lonial‑fascista de Salazar, só porque nós fazemos parte desse mesmo conjunto político? Para melhor explicar todos estes factos acho ne­cessário fazer uma alusão a determinados princípios que considero importantes. As revoluções sociais são historicamente inevi­táveis nas diferentes etapas da história da humanidade e elas se produzem em função de leis objectivas independentes da vontade do homem. Ora a história nos ensina que não há revolução que tenha chegado ao fim sem certos sacrifícios. O papel a desempenhar pelo partido revolucionário é o de analisar em bases seguras e honestas as condições históricas concretas, elaborar uma estratégia e tácticas justas, para evitar os percalços ou os sacrifícios inúteis. Mas é possível evitar completamente os sacrifícios? Mesmo no caso em que as directrizes revolucionárias sejam justas, ninguém poderá garantir completamente o êxito da revolução sem determinados percalços e sa­crifícios. Renunciar à luta revolucionária sob o pretexto de evitar os sacrifícios, é na realidade pedir ao povo para continuar escravo e manter assim indefinidamente os seus sacrifícios e seus sofrimen­tos. Ora se existe quem tenha feito prova nestes últi­mos tempos de realismo político, ele é nem mais nem menos a actual direcção do nosso movimento. - Por um lado evitando os oportunismos de esquerda, quero dizer: de lançar os nossos militantes cegamente na aventura sem um estudo prévio da verdadeira situação e combatendo por outro lado, sem desfalecimentos todos os oportunismos de direi­ta, por exemplo: o de se entregar deliberadamente e sem condições nas mãos dos nossos futuros carrascos (UPA e Holden), ou o de se fazer ilusões quanto a uma possível ajuda dos países reaccionários tal como pretendeu fazer Mário de Andrade em relação a Addis‑Abeba. E aqui é que reside a tua confusão: o MPLA não pretende acusar ninguém, mas sim fazer compreender aos seus militantes como é supérfluo e ilusório contar com a ajuda de países que pela natureza da sua po­lítica (reaccionária) estão condenados a serem nossos inimigos, e como tal se manifestarão, cedo ou tarde. E aqui está também um outro aspecto do nosso problema que merece ser meditado. Precisamente quando a Comissão de Conciliação acabou por considerar o FNLA do Holden como o único representante válido do nacionalismo angolano, uma sensação de pânico se apoderou dos militantes do MPLA que se consideraram então completamente perdi­dos; eu mesmo também conheci em parte essa sensação. E porquê essa sensação de pânico? Nem mais nem menos porque os nossos dirigentes até lá, criaram em nós falsas esperanças fazendo acreditar a ideia de que mesmo com uma Addis-Abeba dominada por países reaccionários nós poderíamos isolar os nossos inimigos imediatos - o Congo (Léo) e a UPA. Mesmo que isso fosse possível até uma certa altura, nós nunca deveríamos exagerar as nossas possibilidades nesse capítulo, a tal ponto de canalizar quase todas as energias nesse sentido. As respon­sabilidades do Mário de Andrade nesta questão são grandes, pois ele na sua qualidade de chefe do departamento das relações exteriores, dirigiu a sua secção duma maneira irrealista, na medida em que não se apoiava sobre as realidades específicas do nosso problema, e tin­ha uma visão errada da conjuntura política internacional, acabando por caucionar teoricamente uma arbitragem que dificilmente nos pode­ria ser favorável. E o resultado está à vista. O grande sucesso di­plomático que todos aguardávamos, transformou‑se numa derrota im­placável de cujas consequências todos nós somos vítimas. E então é fácil compreender porquê que Mário de Andrade abandonou as activida­des políticas para se lançar em pesquisas culturais. Mas tudo isso não foi senão um percalço: per­demos uma batalha mas não perdemos a guerra. A nossa política não foi à falência, os nossos princípios continuam de pé válidos, e a bancarrota que os pessimistas gritam exageradamente não tem signifi­cado político. Aqueles que pensam na falência são incapazes de fazer uma análise exacta e científica do processo de descolonização e das lutas de libertação em geral. Se por um lado é certo que devemos participar nas lutas de interesse imediato, nós devemos sempre ligá‑las à luta de interesse geral, quero dizer: à luta geral dos povos oprimidos contra os seus opressores e no nosso caso em especial. A luta de longo termo que culminará não só com derrocada do colonialismo português, como a de todos aqueles que prevendo a falência deste últi­mo, se apressam a ocupar o seu lugar neo‑colonialistas, e imperia­listas. Só assim verdadeiramente nós poderemos desempenhar o papel histórico que nos assiste. Mas se nós assim não procedermos, se nós tomarmos um movimento imediato pelo todo, se nós pretendermos ti­rar apenas os proveitos momentâneos, nós acabaremos por sacrificar os interesses vitais do nosso povo, deixaremos de ser revolucionários, passaremos a ser simples reformistas. E só assim, analisando o nosso problema nos seus objectos particulares, bem como num enquadramento global da estraté­gia anti‑imperialista dos povos oprimidos e seus simpatizantes, nós poderemos adoptar uma linha política capaz de fazer face a todas as dificuldades. Então agora podemos compreender melhor, porquê que o MPLA se sente na obrigação de denunciar os nossos inimigos, quer sob o ponto de vista interno, quer sob o ponto de vista inter­nacional. No 1 caso, como já disse antes, impõe‑se o dever [de] esclarecer os seus militantes quanto à natureza dos seus inimigos, evitando as­sim, julgamentos errados e surpresas de mau gosto. No 2 caso o MPLA denuncia ainda as forças imperialistas e neo‑colonialistas que nos tentam atrofiar à opinião pública internacional, porque ele tem consciência do interesse universal da nossa luta, ao contrário daqueles que são guiados por um nacionalismo estreito e retrógrado, e ainda porque lhe compete (a ele MPLA) reforçar as nossas alianças e as nos­sas amizades com os países ou organizações políticas que lutem pelo mesmo ideal. Antes de nos lançarmos à caça de supérfluas amizades, devemos reforçar as nossas alianças com todos aqueles que pela afi­nidade da sua linha política com a nossa, deverão estar sempre ao nosso lado, esclarecendo‑lhes sobre os nossos problemas e sobre as nossas verdadeiras intenções. Efectivamente, hoje em dia, as forças que lutam pela libertação dos povos são extremamente poderosas e devemos antes de tudo merecer a sua simpatia. O monstro de que me falas na tua car­ta, e ao que parece tanto te amedronta, tem sofrido derrotas incalculáveis nestes últimos tempos. Isto no entanto não significa que estejamos isentos de perigos. O que importa é desprezar o inimigo sob o ponto de vista estratégico, não criar complexos exagerando a sua força e as suas possibilidades, mas, por outro lado, no aspecto táctico tê‑lo sempre em conta. E é assim que os nossos actuais dirigentes têm procedido ou procuram proceder. No decurso da luta revolucionária o partido de vanguarda‑progressista revolucionário, deve preparar duma maneira independente um programa combatendo até ao fim os imperia­listas e reaccionários, lutando pela independência nacional e pela democracia popular, ele deve fazer um trabalho independente no seio das massas. Aumentar as forças progressistas, ganhar as forças intermédias, enfim, isolar as forças reaccionárias. Compete ainda ao partido ­de vanguarda unir todas as forças susceptíveis de serem unidas e organizar uma grande frente contra o inimigo e os seus lacaios. A consolidação e o desenvolvimento desta frente exigem que o partido de vanguarda mantenha a sua independência ideológica, política e de organização e que ele mantenha firmemente a direcção da revolução. Tudo isto é claro e tudo isto demonstra ‑ assim chegamos a um outro problema capital ‑ que a formação do FDLA é uma vitória política dum alcance formidável. Mas assim o não pensam muitos camaradas que pretendem ver na formação do FDLA uma traição dos nossos ideais revolucionários. Isto sim, isto é que é "gaucherie", baixa política: recusar o contacto e o diálogo com as forças intermédias pelo simples pretexto de que elas não têm o mesmo programa político que o nosso é fazer o contrário daquilo que indicam as boas normas revolucioná­rias; em lugar de isolarmos os nossos inimigos, acabamos por ficar isolados: E este foi também um dos graves erros que cometeram os nos­sos dirigentes. Em vez de unirem as forças susceptíveis de serem unidas numa frente anti‑imperialista, os nossos antigos dirigentes especialmente Mário de Andrade e Viriato da Cruz, preocuparam‑se em reunir à nossa volta as forças tradicionalmente hostis à nossa cau­sa; aliadas do imperialismo, e que não queriam nem mais nem menos aproveitarem‑se do nosso "flirt" para melhor nos apunhalarem pelas costas. Assim se dissiparam as ilusões de Mário sobre Addis‑Abeba e assim se dissiparão as ilusões do Viriato (se é que ele as tem verdadei­ramente ou se pelo contrário nos pertence adormecer para melhor le­var a cabo as suas pérfidas manobras) sobre as intenções do Holden e seus amigos. Se o MPLA não tivesse realizado a união à sua volta das forças que constituem o FDLA, as forças pro‑imperialistas do Holden Robert tê-lo‑iam feito e com grande sucesso tal como acon­teceu quando da formação do FNLA (UPA+ALLIAZO). Os camaradas que não acreditam na importância considerável da formação do FDLA são aqueles que não têm uma formação política sólida, perderam a confiança na Vitória Final e fazem seus os julgamentos da Comissão de Conciliação; eles acreditam realmente que o Holden é o único representante válido do nacionalismo angolano. Daí a existência de um estranho complexo de culpabilidade nesses mesmos camaradas. Enfim, eles estão convencidos de que a vitória do neo‑colonialismo em Angola é inevi­tável e desesperadamente tentam a sua reabilitação. Ainda a propósito da formação do FDLA, aqueles que se espantam da pseudo simpatia manifestada pelo Abade Youlou pela dita frente, mostram uma ignorância muito grave das grandes contradições que têm estalado entre os diversos monopólios interna­cionais e as correspondentes correntes imperialistas. Se assim não fosse, como explicar a recusa da França em admitir a entrada da In­glaterra no Mercado Comum? Como explicar o desacordo das políticas americana e francesa na Indochina? Como compreender por exemplo o apoio que o fascista Franco dá aos Cubanos comunistas de Fidel de Castro e isto ante o desespero dos americanos? Os partidos revolucionários devem saber aprovei­tar as contradições entre os imperialistas. No nosso caso, é bem possível que os imperialistas franceses, no intuito de contrariarem os americanos, quisessem meter o bedelho nos nossos problemas por intermédio do FDLA. Mas isto não significa que o FDLA seja uma criação do imperialismo francês, ou um instrumento da sua política. Camarada Luís d'Almeida, é uma hora da noite; estou já bastante fatigado. Espero que a minha fadiga não tenha sido em vão, e que esta carta te possa ajudar a compreender deter­minados pontos do nosso problema. Sempre à tua disposição. Saudações nacionalis­tas do camarada, António Rebelo de Macedo Júnior.

Carta de António Rebelo Macedo Júnior (Lausanne) a Luís de Almeida

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