Relatório da Comissão política sobre a situação geral do nacionalismo angolano

Cota
0058.000.047
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Comissão Política da Conferência de Quadros do MPLA
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
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 ACTA DAS SESSÕES EFECTUADAS PELA COMISSÃO ESPECIAL (DISCIPLINA E UNIDADE NO INTERIOR DO MOVIMENTO) DA CONFERÊNCIA DE QUADROS DO MPLA REALIZADA DE 3 A 10-1 1964 EM BRAZZAVILLE MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL: Agostinho Neto, Lúcio Lara, Adriano Pedro, Flávio Fernandes, Pedro Manuel, Ciel, Carlos Alberto Monteiro (Totoy), Miguel Baya, Cadete, Floribert, Inácio, Revº Filipe Martins, Maria Santos, Spencer, Cirilo, Roque PRESIDENTE – Revº Filipe Martins SECRETÁRIA – Maria Santos Relator – Aristides Cadete 1ª Sessão – Dia 7-1-1964 às 9 horas Presentes todos os membros da Comissão excepto Agostinho Neto e Spencer Presidente – Abre a sessão fazendo a chamada e pede ao cª Lara para dar indicações sobre a ordem do dia. Lara – Ontem já ficou esboçada a ordem dos trabalhos: a) Disciplina no interior do Movimento b) Unidade " " " " A disciplina é um ponto muito importante. Não é esta comissão que vai fazer o regulamento mas apenas alguns princípios que sirvam de base. Assim teremos: a) Disciplina: 1 – Princípios disciplinares b) Unidade : 1 – Análise da situação no interior do Movimento a) Divisinismo, suas causas e consequências b) Atitude face aos divisionistas c) Atitude face aos que abandonaram o Movº. Floribert – Ponto de ordem. Os racistas devem ter uma alínea à parte porque é diferente do divisionismo. Lara – Quem vai estudar o racismo é a Comissão Política mas cada camarada (cª) que diga o que sente sobre isso. Há ainda a acrescentar uma alínea sobre a Unidade: d) Medidas a tomar para fortalecer a Unidade do Movº. Presidente – Alguém se quer pronunciar sobre o que foi dito? Totoy – O Cª Lúcio tem a lista dos Cas. divisionistas? Lara – Tenho, mas não completa. Baya – Esta ordem é aceitável. Quanto à disciplina do Movº, temos já princípios basilares. Quando se trata de disciplina é no campo militar ou de todos os outros militantes? Ou se não temos nada vamos começar com um trabalho que sirva de base? Presidente – Por isso pedi que permanecesse nessa Comissão um membro do Comité Director cessante. Só eles sabem quais são as bases da disciplina. Para o EPLA era uma e para os civis, outra. Mª Santos – No regulamento interno já vem um capítulo destinado à disciplina e que pode servir de base ao trabalho. Lara – No regulamento Interno há a lei de disciplina do EPLA e as sanções que vêm no Estatuto: Lê o artº 6 do Regulamento Interno. Isto são princípios gerais que podem ser considerados por nós mas não basta. Há o aspecto do tratamento entre os membros do EPLA e os seus chefes: – Camarada–. Quanto à disciplina do EPLA também não é muito rica. Havia quem sugerisse a substituição desse termo por “Mano”, hábito de Angola. Lê o artº 10 do Regº Intº. Lê algumas leis do EPLA. Cada camarada deve dar a sua ideia sobre o assunto. Presidente – Cada Cª deve apresentar as suas ideias. Floribert – Ontem pedi ao cª Lara para trazer o relatório do CD para lermos o que diz respeito ao trabalho da nossa Comissão. Roque – A disciplina deve abranger todos os escalões do Movº. Inácio – A disciplina tem que nos unir a todos e ser cumprida como com os militares. Deve haver uma disciplina para os militares e outra para os civis. Floribert – Gostaria que o Cª esclareça bem o que acabou de dizer. Ontem na Conferência disse-se que a disciplina tem de ser única para todos os militantes. Cirilo – Acho que temos vontade de instaurar uma disciplina para todo o Movº. Os que não têm preparação militar têm certo medo de cumprir certas ordens e missões. Deve haver cláusulas para os que não têm preparação militar. Deve ser difícil enquadrar todos os militantes na disciplina político-militar. Cadete – A disciplina deve ser única num Movimento revolucionário. Para uma cooperação mútua devemos basear-nos numa disciplina única. Adriano Pedro – Todos os militantes são político-militares por isso só deve haver uma disciplina única. Talvez com os artigos 3, 10, 11, 13, 23, 29, 32 da lei e disciplina do EPLA. (Procede-se à respectiva leitura). Presidente – Esses artigos são para uso do Movº ou só do EPLA? Floribert – Sobre o que disse o Cª Cirilo todos os militantes devem seguir uma disciplina militar para chegarmos ao fim da nossa luta. Cadete – Queria fazer uma observação aos artigos do EPLA lidos. Nas leis do EPLA não se faz referência aos que sabem de coisas e não as comunicam aos chefes. Há ainda os sabotadores e os que propagam as missões de que são incumbidos. Há sempre quem defenda certos elementos acusados (parentes, amigos, etc.). No EPLA há camaradas que são encarregados de missões de responsabilidade sem o seu carácter ser estudado. Ciel – Os militantes boateiros deviam ser sancionados. Por vezes estes mesmos vêm de missões e aumentam o que viram e ouviram. Todos devem estar sob controlo: O Movº devia ter um dossier sobre o aproveitamento e comportamento dos ­estudantes e em caso negativo serem punidos. Floribert – O Movº deve chegar a um entendimento sobre os carros e chauffeurs. Deve haver uma medida concreta sobre esse assunto. Inácio – É preciso manter uma disciplina forte entre os militantes. Baya – Está-se a falar duma maneira muito geral e o trabalho ainda não começou. Temos de estabelecer normas que regulem o bom funcionamento dum organismo. Vamos basear-nos em coisas que se notem à primeira. Assim podem prever-se os casos de suspensão, expulsão, princípios que permitam julgar as atitudes dos companheiros. Vamos ver bem já os casos previstos. Vamos fazer um esboço de princípios que possam contribuir para a nossa luta. Totoy – Há o problema de acolhimento. Os indivíduos que fogem da UPA são postos a trabalhar num Depº do MPLA. Nós não sabemos as condições em que eles fugiram da UPA. Cometeu-se um erro com um Cª que saiu e foi para o Depº de Informação e outro para as Finanças. Estes dois sempre tiveram contactos com os membros da UPA. Nós não sabemos as condições em que eles saíram da UPA. O indivíduo que foi para o Depº de Finanças está aqui mesmo em Brazza e é preciso tomar medidas seguras contra ele. É o Cª Horácio que trabalha no Depº de Finanças em Léo. Pode prejudicar a passagem dos Camaradas que se encontram aqui. O Horácio quis vir cá buscar o cartão provisório. Veio dia 6. Mª Santos – O órgão máximo do Movº deve proceder sistematicamente à consulta dos militantes de forma a conseguir associá-los às suas decisões. Essa consulta deve ser realizada através dos vários órgãos do Movº e recolhida pelo órgão máximo. Uma vez obtida a decisão, ela deve ser obrigatório para todos os militantes. As infracções devem ser imediatamente punidas. O militante deve guiar as suas acções dentro do Movº pelo Estatuto, linha política aprovada e programa. A infracção deve ser rigorosamente punida. Os órgãos do Movº devem actuar de forma a desenvolverem no seio do Movº o espírito de camaradagem, solidariedade e respeito mútuo. O órgão máximo do Movº deve destacar por meio de louvores e outras medidas deste tipo os militantes que se distingam no cumprimento das suas tarefas. Combater implacavelmente o divisionismo, o oportunismo, o dogmatismo e a demagogia. O único critério para a apreciação do militante deve ser o seu trabalho diário. Cadete – O cª Horácio informou que a cª Deolinda mandou dizer que em Léo se diz que a Confª de Quadros está a decorrer sob o controlo dos militares do Congo-Brazza. Lara – Dá-me a impressão de que a opinião geral deve ser a da disciplina única do Movº, embora sujeitos ao regulamento de cada departamento. Controle dos dirigidos sobre os dirigentes e vice-versa. Submissão dos militantes à organização. Resumo das intervenções feitas: Capítulo financeiro: não entra ou sai dinheiro sem se entregar ou receber um papel. Castigos e sanções. Missões e sua distribuição cuidadosa. Combate ao boato e à intriga. Pontualidade. Dossier sobre o aproveitamento dos estudantes. Comissão disciplinar composta por um elemento de cada organização. Favoritismo e protecção (parentes, amigos, conterrâneos). Responsáveis pelos bens do Movº (máquinas, carros, etc.). Penas e louvores a aplicar. As decisões devem ser tomadas através duma discussão preliminar e com a participação dentro do possível dos militantes. Combate ao divisionismo, oportunismo, dogmatismo e demagogia. As infracções devem ser imediatamente punidas. Cadete – Vigilância sobre os militantes e militares desertores que regressam às nossas fileiras. Floribert – Esse problema é rigoroso mas também devemos ser vigilantes com os novos recrutas e aderentes. Inácio – Não podemos admitir os que saem e querem regressar de novo ao EPLA. Presidente – O órgão máximo é que devia decidir dos julgamentos e o Conselho Disciplinar julgar, para que [o] órgão máximo pudesse ser a última instância a recorrer. Baya – Este órgão disciplinar será só legislativo ou executivo? Lara – Esse órgão julga e o órgão máximo executa. Essa comissão não devia ter nenhum membro do Comité Director. Baya – O CD nunca poderá tomar medidas decisivas sem o pronunciamento da dita comissão Disciplinar. Lara – A actividade de Viriato da Cruz e Matias Miguéis. Fizeram sabotagem precisamente porque não estavam ainda expulsos, mas sim suspensos. Baya – No caso citado pelo cª Lara deve estar englobado o caso especial. Lara – Esse é um caso que põe em risco a unidade e a vida do Movº. Ciel – Estes casos ficam sob o controle da Com. Disciplinar. Lara – Os casos especiais urgentes são resolvidos pelo CD e ratificados pela Com. Disciplinar. Baya – Para os casos especiais não deve ser precisa a aprovação da Com. Disciplinar. Mª Santos – A Com. Disciplinar tem poderes para julgar decisões do CD? Lara – A Com. de Controle é que devia funcionar como Com. Disciplinar. Nós não podemos formar o Conselho Político Nacional neste momento e donde este sairia. Mas devemos tentar sair desta Confª com uma comissão que seja formada por membros que possam julgar decisões do CD e superintender este órgão. Ficava então essa comissão com o poder supremo dentro do Movº. (Procede à explicação dos vários graus de penas a aplicar por estes órgãos). Até ao afastamento temporário poderiam ser aplicadas pelo CD. Baya – Proposta – que se estude o processo de nomear uma comissão reduzida e que facilite o trabalho. Lara – Que se constitua sempre que necessário uma comissão AD HOC pedida pelo CD, constituída por um representante de cada órgão do Movº e se possível com os representantes eleitos pelos respectivos órgãos. Quem aplica a pena deve ser o CD. Formar a Comissão de controle superior ao CD e que sirva sempre de recurso. Floribert – Como haverá uma Com. Disciplinar, quando está em causa um membro do CD a quem nos devemos dirigir, à com. disciplinar ou à Com. de Controle? Inácio – Devia haver prisão e não expulsão. Floribert – Já experimentámos entre os militares vários castigos que deram resultado e sob a sugestão do cª Africano Neto. Baya – A Com. disciplinar há-de julgar casos apresentados pelo CD por todos os órgãos? Lara – Todos os órgãos. Baya – Então penso que um membro do CD deve ser julgado pela Com. disciplinar, como militante pois já houve casos de elementos directivos desonestos. Presidente – A Com. Disciplinar deve ser instituída de todos os poderes. Com um membro do CD e a comissão de controle ser então o órgão superior. Baya – Quem deve executar é só o CD e por enquanto ser o órgão supremo. A Com. disciplinar deve ter execução. Poder de se pronunciar sobre as faltas mas não executivo. Presidente – Se esta Confª constituir uma Com. de controle, os membros do CD devem ser julgados por este órgão. Lara – Quanto ao problema posto pelo cª Floribert, devem existir possibilidades de um controle directo em cada órgão do Movº sem haver necessidade duma reunião da Com. disciplinar ou do CD. Quanto à prisão isto é crime e num país estrangeiro não nos é permitido fazer isso. Os camaradas engajados numa organização militar devem ter uma lei especial de guerra. A com. Disciplinar é uma instância inferior ao CD e como tal não pode julgar nenhum membro do CD. O que pode é apresentar essa queixa ao CD para que este entregue à Com. Disciplinar que decide se esta deve ir ou não à Com. de controle. Cirilo – Estou de acordo com o parecer do Cª Lara. Roque – Os responsáveis militares estão sujeitos também ao julgamento da Com. disciplinar? Lara – Se é crime de militante está sujeito à Com. Disciplinar, se é crime de guerra será julgado pelo Conselho de Guerra do EPLA. Floribert – Quanto às prisões devemos saber que não vamos ficar aqui ou ter aqui uma base. É preciso citar a hipótese de prisão para que possa ao menos ser mencionada um dia quando for possível executá-la. Baya – Estou de acordo com o cª Lara quando diz que o CD é uma instância superior. Qualquer órgão do Movº é superior a outro na sua função. Esta Com. Disciplinar deve ter poderes legislativos para julgar mesmo um membro do CD. Mª Santos – O membro do CD tem o recurso à Com. de Controle deve-se justificar e apresentar as suas razões. Floribert – Se a queixa for contra um membro do CD manda-se para quem? Lara – O CD não pode julgar um membro do CD mas sim suspendê-lo. Só uma entidade suprema o pode fazer. O CD pode dar o caso à Com. de Controle para dar o seu parecer sobre o caso. Por isso em qualquer partido um órgão dirigente deve ser sempre julgado por uma instância superior. Presidente – Nas igrejas um membro não pode julgar um Ministro mas sim pelos bispos. Floribert – Agora estou bem esclarecido. Lara – Estou de acordo que acrescente a pena de prisão nas sanções para previsão. Roque – Dentro da Comissão de Controle se um dos seus membros for transgressor quem o julga? Lara – É a própria Comissão de Controle que o suspende até a próxima Confª Nacional do Movº. Floribert – Senão vai acontecer o mesmo com a Com. Disciplinar. Cirilo – Os membros da Com. de Controle devem ser, em princípio indivíduos idóneos. Presidente – O povo não pode julgar um ministro, mas sim os outros ministros. Lara – Discuta-se o ponto seguinte da ordem do dia – Unidade. Floribert – É preciso pormenorizar o significado das sanções. Baya – Deve-se alargar os casos de sanções para que os militantes possam compreender bem as penas em que incorrem. Lara – O texto que se puser será compreensível. O seu esmiuçamento obriga a um código penal. Presidente – Vamos então abordar a segunda parte da ordem do dia Unidade no interior do Movº. – Divisionismo, suas causas e consequências – Atitude para com os divisionistas – Atitude face aos que abandonaram o Movº – Racismo – Medidas a tomar para fortalecer a unidade do Movº Totoy – Deparou-se um certo oportunismo de alguns camaradas que levou ao desmembramento de um determinado grupo em virtude das suas ambições pessoais. Mas isso não impede a reconciliação com alguns camaradas (caso Mário de Andrade) que deixou o Movº precisamente na hora grave, em prol do seu amor próprio. A reconciliação com o cª Mário de Andrade é possível mas é conveniente que ele venha cá para discutir todos os problemas concernentes à crise do Movº, em pé de igualdade com os camaradas mas sem condições. Reconciliação com Viriato – A JMPLA não pode aceitar a reconciliação com os camaradas V. da Cruz, M. Miguéis, J. B. Domingos e José Miguel. a) Em virtude de decidirem demitir o CD eleito pela Confª Nacional em Dezembro de 62 e constituir um CD provisório; b) Por provocar distúrbios em 7/7 último com a intenção evidente de impedir o decorrer normal dos trabalhos que decorriam no referido dia; c) Por resolverem impedir o trabalho da Comissão de Conciliação criada em Dar-es-Salam; Estes factos não só provam as antigas ambições não satisfeitas de oportunismo e de flagrante traição à causa do Povo Angolano, mas também de manobras que beneficiam o colonialismo português. Adriano – Tem-se verificado que a partir da Confª Nacional para aqui, a unidade angolana no interior do Movº tem sido campo de grande produção aos inimigos da linha política do Movº e aos imperialistas interessados no nosso país. Por isso esta Confª deve decidir a chamada de todos os militantes conscientes e que eles devem pedir a sua reintegração no MPLA. Deve-se criar uma comissão de coordenação para estudar a sério a reintegração de todos os camaradas que pedirem a reintegração no seio do MPLA. Deve-se condenar energicamente todos os vestígios do racismo. Deve-se chamar por escrito o Cª Mário de Andrade e ver se ainda se justificam as suas razões e se podemos contar com ele. Deve-se condenar toda a acção praticada por contra- -revolucionários V. Cruz, M. Miguéis e todos os outros que assinaram a demissão do CD. Alargar as informações a todos os membros e militantes de maneira que se evitem hesitações tanto no exterior como no interior do país. Condenar todos os oportunistas, divisionistas ou tribalistas. Explicar aos estudantes que eles têm toda a obrigação de pôr em prática as estruturas desta Confª. Presidente – Não nos compete agora admitir novos membros pois [o] CD está demissionário e sairá desta Confª. Lara – (Lê a parte do relatório do CD que diz respeito ao assunto agora aqui tratado, ou seja, a Unidade no interior do Movº). Ciel – Houve na nossa organização indivíduos que a procuraram destruir. Outros separaram-se mas sem se manifestar no exterior. Para com estes últimos o Movº deve aceder ao seu regresso mas sob o que ficar tratado nesta Confª. Deve haver fraternidade entre todos os militantes. Quanto aos divisionistas, não os aceitar mesmo que queiram voltar. Roque – Este divisionismo fez com que chegássemos à crise actual. O grupo do Viriato deve ser condenado pela sua atitude repugnante. Sobre o cª Mário de Andrade não podemos implorar. Sabemos que é um dos fundadores do Movº que não o expulsou e a sua consciência é que lhe deve dizer se ele deve voltar ou não. Cadete – Quanto aos que ficaram em Rabat (estagiários) que lhe sejam enviadas as resoluções da confª e lhes seja pedida a sua última opinião em relação à luta armada e se a sua resposta for negativa, o movº deve neutralizá-los no sentido de não serem beneficiados com qualquer bolsa. Sou contra a reconciliação com V. da Cruz e seus membros. Condenação imediata do tribalismo, regionalismo, racismo e abolição de ares de superioridade de alguns camaradas seja qual for a sua raça. Consoante aos camaradas que foram afastados temporariamente por crimes razoáveis, devem ser aceites no seio do Movº desde que hajam provas de mudança do seu antigo temperamento que lhes provocou o seu afastamento, mas devem estar sujeitos a uma vigilância rigorosa. Quanto aos divisionistas do Movº devem ser afastados definitiva/ para não afectarem a sua doença nos bons militantes. Inácio – Unidade com a UPA, Viriato, camaradas que abandonaram. A UPA nega a nossa existência. O Viriato, M. Miguéis, José Domingos, José Miguel e Borges não têm o direito de entrar. Aceitar apenas os não cabecilhas que queiram voltar e neutralizá-los. Totoy – (Faz um aditamento à sua intervenção sobre a Unidade). A JMPLA não pode aceitar reconciliação com os que abandonaram o MPLA sem darem uma prova da sua atitude ao CD. Não se deve mandar-lhe carta nenhuma. Se tiverem que voltar e uma vez voltando estão submetidos ao novo regulamento da Confª de Quadros. Inácio – Alguns que abandonaram e estão em Rabat disseram-nos que não estão de acordo com os partidos que estão com os portugueses. Floribert – Os inocentes da oposição do Viriato que o seguiram sem fazer bem uma análise, se voltarem deviam ser recebidos mas passando por uma comissão de estudo. Mário, Viana, Africano Neto. A Confª depois dos trabalhos manda uma carta a estes camaradas. O Ciel e eu fomos a casa do Africano Neto e disse-nos que está pronto a voltar para o Movº como simples militar. Os outros voltarão quando virem as actividades dentro do Movº. Quanto ao racismo é preciso acabar com isso dentro do Movº. É preciso acabar com a superioridade dos mulatos e dos pretos assimilados pensarem que os mulatos são privilegiados. Acabar com o regionalismo e o tribalismo. Acabarem a desconfiança e os boatos. Haver vigilância mútua. Baya – A unidade é sempre útil é a nossa força principal. Quanto aos casos de divisão: – deve-se ratificar a atitude do CD em expulsar os divisionistas: sobre o Africano Neto e os teleguiados que estão em Léo, deles é que deve partir a justificação da sua posição. O caso de Mário de Andrade está directamente ligado ao FDLA (comissão política). O Mário disse que não voltava enquanto existisse um FDLA e que trabalha para o MPLA e não para o FDLA. Na minha opinião, mesmo com um erro o FDLA não pode ser destruído porque seria a expulsão então dos dirigentes que ainda estão entre nós. O FDLA é uma força no interior, com a aderência de todo o povo que hoje fala nisso. No exterior não teve aceitação. Mas o povo é essencial nesta luta e assim o interno tem prioridade sobre o externo. Estes camaradas que abandonaram voltarão quando quiserem. A atitude destes camaradas deve ser condenada porque é uma cobardia o seu abandono. A condenação não indica expulsão. Quanto ao racismo, já tivemos uma reunião em que se levantou esse problema que é tão complicado como o próprio homem. Os maus hábitos duma existência não se mudam num dia e isso só depende da sua vontade. Exercício pessoal para podermos suportar a convivência de pessoas que por instinto nos pareçam incompatíveis com a nossa maneira de ser. Devemos fazer exercícios que nos levem a isso. Devemos fazer um apelo nesse sentido. Lamentamos os casos de má convivência. Temos que fazer esforço para vencermos este sentimento negativo. Interrupção até as 16 horas. 2ª Sessão de 7-1-1964 Presidente – Vamos falar sobre racismo e sobre outras medidas tendentes a unidade do Movº. Mª Santos – Sou de opinião que se deve: – Recuperar os militantes que não saíram por questões muito sérias; – Fazer com que o cª Mário de Andrade volte de novo para o Movº; – Reconsiderar o caso do cª Gentil Viana; – Estabelecer contactos com os estudantes de forma a esclarecê-los sobre a situação. Impedi-los de apoiar o grae. Fazer uma política que os anime para a luta. Baya – Não é aqui indicado que se façam propostas para membros do CD. Sobre o cª Mário, acho que todos se devem pronunciar sobre isso. Eu falei com ele pessoalmente e os argumentos que ele alega não impedem que ele venha. Totoy – Os estudantes estão mal informados sobre os problemas do MPLA e talvez por isso os estudantes vindos da Argélia não vieram. Estes devem ter uma informação da JMPLA de 3 em 3 meses feita por uma delegação de 3 membros. Cirilo – Os componentes do CD não se devem sentir desertores por se terem afastado num momento de fraqueza. Que eles próprios se pronunciem e que não sejam para isso chamados. Que voltem como filhos pródigos. Quanto aos estudantes, a maneira mais positiva é informá-los convenientemente do que se passa no nacionalismo angolano. Esta informação devia ser feita por uma delegação que partisse daqui. Alguns países boicotam a correspondência; era bom que esta informação fosse dada pessoalmente. Roque – A unidade no interior depende das massas nas fronteiras. Havia uma delegação popular para contactar com o CD. Nenhum elemento do CD foi à fronteira para contactar com a massa. Devia-se nomear uma delegação especial para contactar periodicamente com as massas da fronteira. O cª Floribert falou no cª Viana, o CD leu na assembleia uma carta do cª Viana explicando a sua saída. Os camaradas nestas condições voltarão mais tarde se o quiserem fazer. Todo o militante consciente deve ser vigilante com os elementos traidores. Todo o militante tem um dever de sacrifício pelo povo e de esclarecimento aos companheiros. Cadete – Sou de opinião que os que saíram devem voltar por si e não com cartas a chamá-los. Como os casos do cª Boavida e Viana. Lara – Estes assuntos são mais complexos e talvez seja conveniente tomar decisões uma vez que já foram feitas apreciações. Vou dar elementos para a discussão, com documentos do CD. Sobre o V. Cruz e o M. Miguéis, temos aqui cartas que provam como o V. Cruz dava ordens ao M. Miguéis que por sua vez as transmitia àquele grupo. Fizeram difamação pessoal sobre os dirigentes do Movº tais como o Neto e eu próprio; incitavam ao racismo, etc. Sobre o cª Mário de Andrade – Nós (CD) condenamos a sua atitude e passo a explicar porquê. O cª Mário enviou-me de Dar-es-Salam uma carta pelo cª Boavida. (Lê a carta com data de 7-VI-63). (Em seguida lê a carta do Lima deixada antes de partir definitivamente). (Explica o percurso da demissão do cª Mário: – declaração no Cairo; oposição ao FDLA; lê a carta de 24-VI-63 em que este pede a demissão; Lê a carta de resposta do CD convidando-o a vir ao Congo discutir o assunto; lê outra carta de M. Andrade ao CD em que este cª o acusa de desviacionismo e colaboração com o inimigo; carta a um cª aqui residente; carta do MPLA em Novembro de 1963 para M. de Andrade; o MPLA propôs a vinda à Confª ao cª Mário, com bilhete pago, ao que este respondeu não poder vir antes de 15 de Janeiro). Há outros casos como o do cª Viana a que o CD não tem nada a acrescentar. Havia uma divergência de fundo; para o cª Viana o MPLA morreu e é preciso fazer uma coisa nova. Alguns camaradas pensam como o cª Viana. Mas o MPLA não morreu, está dentro de Angola. Este cª foi-se embora porque quis e demitiu-se pela sua própria cabeça e decisão. Sobre o Africano Neto: – Justificava a sua dissidência pela presença do Lima. Dizia-se discriminado. Veio a Léo e foi para o EPLA como responsável militar. O Lima chega de Cabinda e começam as dissidências. Faz-se o confronto entre os dois com o CD O Comité Político-Militar chegou à conclusão que era um problema puramente pessoal. O CPM atribuiu uma zona de responsabilidade ao Africano Neto dependendo ele Unicamente do CPM. Em princípio ele aceitou mas com reservas e acabou por aceitar depois dum dia inteiro de discussão. No dia seguinte pede um bilhete para se ir embora. Antes de sair lançou muita confusão devido ao seu estado nervoso. Foi também muito influenciado pelo M. Miguéis. O Lima propôs que o Af.º Neto saísse do quartel em face da situação insustentável. É procurador em Rabat do grupo V. Cruz (pede bolsas para os dissidentes do MPLA tais como o Amaro e outros). Em Rabat viola a correspondência do Movº para o cª Minga Antoine que é o representante do MPLA na CONCP). Para que o Afº Neto seja reintegrado no Movº terá de dar provas muito sérias. O M. Miguéis ficou com muitas armas do Movº e o Afº Neto está ligado com aquele grupo. Sobre os outros como Boavida, Boal, etc. que voltem quando quiserem. Deve fazer-se-lhes chegar as resoluções da Confª e mais nada. O cª Mário de Andrade devia ter cá vindo dizer que o FDLA foi uma asneira e não ter-se demitido como o fez, denunciando o FDLA internacionalmente com as suas declarações. Sobre os divisionistas estamos de acordo com o que se tem aqui dito. O CD vai apresentar uma lista sobre estes propondo a uns expulsão, a outros suspensão e aos restantes que fiquem se quiserem. Causas do divisionismo. Em todos os Movimentos e partidos há sempre querelas internas. Se a causa do afastamento de M. de Andrade fosse o FDLA, era um caso digno e político para o afastamento. O caso do cª Viana justificar o seu afastamento, dizendo que o MPLA morreu é uma causa séria. O caso do V. Cruz é um caso de ambição pessoal e de liderança. Sabe que não pode vir a ser o grande chefe de Angola por ser mestiço. Não foi honesto porque não devia ter partido para Rabat sem se confrontar com o CD dentro do Movº. Afirmou no dia do reconhecimento do “governo” de Holden que iria atacar o Movº. Faz a “reunião soberana”, completamente ilegal e de onde são expulsos os camaradas do MPLA que ali estavam a assistir. Apoiam o “governo” do Holden e do govº do Congo. Preferimos perder o bureau de Léo do que este ir parar às mãos do dito “CD provisório”. O dito grupo divisionista começa a querer minar os Comités de Acção do Movº e os membros do EPLA que vinham de missões de guerra. Viraram-se para a direita, fingindo que são anti-imperialistas. Fugiram às suas responsabilidades. Na situação difícil em que o MPLA se encontrava houve o “salve-se quem puder”. Num partido revolucionário não há pedidos de demissão. Veja-se o caso de Armindo de Freitas que já traiu levando segredos importantes do Movº. Há casos de falta de disciplina devido à falta de vigilância do Movº. Consequências – enfraquecimento do Movº; falta de confiança entre os militantes. Atitude para os que abandonaram – criar um clima são e disciplinar. Segredos que têm que ser respeitados. Baya – (pede uns esclarecimentos sobre o afastamento do cª Mário) Lara – (Torna a ler a parte da carta do cª Mário em que este faz menção do seu afastamento para ver se isso iria ajudar à formação dum Front Angolano). Floribert – Isso devia ser publicado. Lara – Não, porque hoje o cª Mário não pode fazer mal ao Movº porque temos connosco provas. Mas o cª Mário é muito mais útil dentro do Movº do que fora dele e hoje há diálogo entre nós. Todos estes documentos salvaguardam a nossa posição. Baya – Devemos pronunciar-nos sobre os casos de divisionismo. Lara – Faltou-nos ver os casos dos camaradas que estão em Rabat. Estou mais ou menos de acordo com a opinião do cª Cadete sobre este assunto. Estou mais ou menos de acordo com essa atitude. Este grupo de estudantes desacreditou a qualidade de estudante dentro do Movº e de futuro haverá sempre desconfiança desde que se trate de mobilizar estudantes. Este grupo mandou dizer que não vinha sem que o CD mandasse um relatório sobre a situação actual do Movº. Veio uma carta do Araújo e do Mateus. A deste último não foi tomada em consideração. O Araújo diz que não conhece a situação aqui e diz que não quer cair em aventuras. A este cª respondeu-se dizendo que ele e o H. Santos eram tidos em boa opinião pelos seus companheiros de Tlem e que não era justo estarem a perder esse conceito de boa camaradagem junto dos outros camaradas. Inácio – Alguns dos estudantes que ficaram em Marrocos disseram que não podiam vir porque não tinham garantias de boas condições de luta e desconheciam a situação actual do MPLA. Agora querem bolsas. Baya – Porque não se tentou obter uma caixa postal para o cª Minga Antoine em Rabat? Nós tínhamos uma que o Lima levou a chave. Veio uma informação em que nos dizem que ele já tem uma caixa postal. Cadete – O grupo de estudantes estava dividido em três. O Silvestre tinha correspondência com o governo de Holden e todos aqueles com quem lidava tinham as mesmas inclinações. (Indica os nomes dos três grupos.) Ciel – Deve-se esperar o prazo que o cª Mário dá para vir. Lara – Não se deve dar a entender que o Movº morre se ele não vier. Pois são os militantes que dão força ao Movº e não um chefe ou um CD. Nós ainda não estamos certos se o cª Mário de Andrade quer vir ou não. Ele ainda pretende justificar a sua saída. Totoy – (Faz referência à parte da sua intervenção sobre este mesmo assunto). Lara – Hoje não estamos na fase boa do MPLA, mas sim na fase em que precisamos de dar provas. É a fase dos duros e não sei se o cª Mário está disposto a colaborar com o Movº nesta fase. É bom que estejamos vigilantes. Se pudéssemos ganhar esse nome seria muito bom para o Movº. Nós queremos homens que estejam dispostos a lutar e não apenas nome e penas de pavão. Presidente – (Sugere a nomeação da sub-comissão de redacção). Vota-se em Lara, Cadete, Cirilo e Mª Santos. Presidente – Encerra a sessão que fica de continuar no dia seguinte às 9 horas. 3ª Sessão – Dia 8-I-1964 (10,30 horas) Presidente – Abre a sessão para emenda ao projecto da nossa comissão. Lara – Lê o projecto sobre a Disciplina. Flávio – Após a leitura a reclamação não deve ser colectiva mas sim individual. Lara – Do ponto de vista militar é correcto. No caso do Movº, existe uma democracia que apela para que os assuntos sejam discutidos em conjunto. Não sei como ­introduziremos essa alínea no projecto sem quebrar o ideal democrático do Movº. Flávio – Eu referi-me a esta alínea como prevenção para o futuro quando entrarmos em Angola. Roque – Deve-se combater o facto de um elemento para se evidenciar ir incriminar os companheiros junto do Movº. Abuso dos utensílios dos companheiros sob pretexto que é do povo. Floribert – Há camaradas que acham que todo o material do Movº é do povo e por isso podem estragar. Concordo com o ponto de vista do cª Flávio. É preciso evitar os grupos. Presidente – Dentro do Movº há camaradas que movem campanha contra determinado camarada. Lara – Isso já está incluído no projecto da Disciplina. Sobre a intervenção do cª Roque acrescenta-se ao parágrafo 19 – Respeito pelos bens alheios; parágrafo 18 – Combate ao espírito de grupo que leva à formação de fracções no seio do Movº. Flávio – (Exemplifica a sua ideia exposta anteriormente). Inácio – Há famílias divididas pelo MPLA, UPA e a oposição do MPLA. Cirilo – Acho que o facto de haver famílias divididas pelos partidos angolanos não devem fazer com que se cortem relações entre os seus membros pertencentes a partidos diferentes. Cada um tem as suas ideias. Pedro Manuel – Não se deve depreciar nos camaradas que têm menos educação e instrução que os outros. Presidente – No projecto da resolução não podemos incluir todos os pormenores. Lara – Modifiquei um bocado o projecto para tentar atender às sugestões dos camaradas. O projecto é aprovado. Lara – (Lê o projecto para a Unidade. Lê a lista dos propostos à expulsão. Recomenda ao próximo CD que aprofunde a lista dos acusados de roubo). Flávio – Cª Lúcio pode justificar a saída dos camaradas Nogueira, Zacarias e Serafim? Floribert – Zacarias e Serafim saíram porque pediram roupas para as mulheres grávidas e o Movº não quis dar nada. (Informação dada pelo 1º em carta para a Argélia). Flávio – Este caso pode dar aso a muitas coisas. É preciso saber se saíram por roubo ou por causa das mulheres. Totoy – Na reunião de 21 de Dezembro o cª Neto disse que os camaradas Nogueira e Zacarias foram suspensos por roubo. Flávio – Que o Sub-chefe do Depº de Guerra dê a certeza sobre este facto. Totoy – Que o Sub-chefe do Depº de Guerra dê a lista dos que fizeram o assalto ao EPLA. Presidente – Ainda não aprovamos o projecto sobre a Unidade. Flávio – Este assunto é importante pois trata-se da expulsão de camaradas. Eu queria aconselhar o afastamento de alguns e não a expulsão. Presidente – A Confª vai recomendar ao próximo CD para se encarregar deste assunto. Roque – Sobre os grandes conspiradores do assalto ao bureau, não deve haver contemplações para com eles. Presidente – (Põe à votação o projecto sobre a Unidade que é aprovado por unanimidade). Encerra-se a sessão.

Conferência de Quadros do MPLA (Brazzaville, 3 a 10 de Janeiro de 1964) - Relatório da Comissão política sobre a situação geral do nacionalismo angolano. Documento com emendas de Lúcio Lara.

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