Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»
Carta a Mário de Andrade [dactilografada] Ffm. [Frankfurt/Main], 12.10.59 Caro Mário Como me pediste que não te escrevesse mais do que uma vez por semana, estive aguardando a ver se te podia dizer alguma coisa sobre a n/ possível viagem pª Áf. Infelizmente, até hoje, apesar de ter telegrafado pª lá em 7, pedindo que dessem qualquer resposta o mais tardar até treze não veio nada hoje e nada me permite supor que venha precisamente no último dia do prazo que marquei, por necessidade de ter de saber algo com antecedência pª poder avisar a tempo o V. [Viriato da Cruz]. Tive notícias deste, que continua naqueles sítios, simplesmente sem a bolsa e esgotando os últimos níqueis que possui. Verdadeiramente não percebo esta pouca pressa de responderem às nossas cartas, tendo eu explicado que a demora de qualquer solução colocar-nos-ia numa situação algo melindrosa. Inclusivamente nas duas últimas cartas que lhes escrevi dizia-lhes que se vissem que uma situação definitiva levaria ainda tempo a solucionar, que nos concedessem ao menos vistos a título turístico, resolvendo nós depois em conjunto com eles os problemas que se levantassem. Bem sei que é possível que a morte do Padmore contribua pª complicar ainda mais o caso, mas o certo é que me parece que a resposta pelo menos ao telegrama de 7 já cá devia estar. O telegrama era concebido nestes termos: CAN WE RECEIVE VISA BEFORE THIRTEENTH OCTOBER? Entretanto continuarei a aguardar... As coisas que me enviaste não recebi, como dizias, o texto ao Davidson. Ou será que ainda não ias mandar? Recebi hoje uma Gauche de 26 de Setembro, mas não é a que contém o artigo TERRREUR POLICIERE EN... Esses anunciados números até hoje ainda cá não chegaram. Ainda pensei escrever directamente ao Gl. [E. Glinne], mas acho que é mais conveniente seres tu a fazê-lo. Não sei é quanto tempo demorarão a vir os jornais. Tentando ser ainda optimista, é possível que em breve me vá embora e não daria tempo de fazer a distribuição. Para África tenho aqui umas moradas a quem posso enviar, mas não são seguras. Para Portugal, daqui é relativamente fácil enviar jornais. Posso lá fazer chegar uns quatro ou cinco, pelo menos os recortes. Questão do HM [Hugo de Menezes] – Estou de acordo, pessoalmente, com as observações por vocês feitas; creio porém que é necessário frisar bem que decisões que possam envolver princípios de modo algum podem ser resolvidas individualmente. Comuniquei ao V. a m/ opinião e espero a dele pª mandarmos dizer o que mais se nos oferecer sobre a questão. A propósito, convém-nos ter cá o endereço dele, não pª escrever daqui (o que faremos por v/ intermédio), mas pª comunicarmos quando lá estivermos. Recebi uma carta de Conakry, de um Adriano Lima Araújo que diz ter sido informado pelas estâncias oficiais da R.G. o n/ endereço, que pertence a um «grupo de Guineenses de todas as cores que em épocas diversas foram compelidos a emigrar... Somos uns trinta ou quarenta, mas depois dos acontecimentos de Agosto o número cresce rapidamente...». «Adresso-me pois ao vosso movimento (não diz o nome e a carta é endereçada ao sr. Camillo Sitteweg 71) rogando-lhe de ter em consideração este pequeno núcleo em luta pelo mesmo alvo, e lhe peço de nos ajudar moralmente com as instruções e directivas em vista de uma melhor orquestração da n/ campanha anti-portuguesa, dirigida especialmente para a G. sob ocupação portuguesa através da RADIO Con. que amavelm/ nos concede 15 a 20 min. todos os Domingos pª emissão em nosso crioulo. De nossa parte poderíamos fornecer-lhe as raras informações etc..». Depois conta o que se passou em 4 de Agosto, de um modo coincidente com aquilo que sabemos. A carta parece de um tipo honesto, mas postas as reservas do HM não lhe respondo directamente. Peço pois que vocês daí escrevam ao HM e lhe digam que averigue quem é o senhor e no caso de ser de confiança lhe digam que recebemos a carta e que ele HM dará os primeiros passos pª estabelecer o contacto, que eles próprios – guineenses, devem decidir qual a forma que tomará. Creio em todo o caso que nunca deve ser a de uma absorção, mas admito a de uma filiação. Aliás convém que comecemos já a discutir um estabelecimento de princípios que prevejam essas situações e que delimitem os poderes individuais dos Membros e os das Secções. Antes que me esqueça a morada do Lima Araújo é B.P. 24, tel. 27-43, Kon. Também estou de acordo que se deve voltar a escrever pª a G. lembrando o memorando. Foi mesmo pena que o não tivéssemos já feito. Mas sendo a nossa situação aqui aparentemente provisória, convinha talvez ou que vocês aí o fizessem (estranhando a ausência de uma resposta até hoje) renovando os pedidos feitos, ou que nós o fizéssemos uma vez que estivéssemos em Áf. Dos meus arquivos estamos a extrair o nome das organizações africanas existentes e respectivos líderes. Logo que esteja devidamente ordenada e passada a limpo enviarei pª confrontares com a que porventura tenhas feito ou venhas a fazer, ficando assim mais completa. Deixa-me dizer-te que são bastantes. Como ficou enfim resolvido o caso ES [Guilherme Espírito Santo]? O Senghor sempre deu a ajuda prometida? Porque não aproveitaram vocês falar com ele como ficara combinado a respeito dessas individualidades? A propósito, convém que toda a correspondência por vocês encetada em nome do Movimento passe a ser referenciada, como é costume pª as cartas oficiais. Uma simples sugestão, fariam preceder o nº da carta de SP (secção de Paris). Não sei se o HM transmitiu cumprimentos por motivo do I aniversário. Eu não o fiz pª não haver sobreposições... Parece-me que por hoje nada mais há a dizer. Vê portanto as coisas da Gauche, do Lima Araújo, diz algo sobre o ES. Gostava também de saber se o Marc. [Marcelino dos Santos] se tem interessado pelo problema do Rocha. Escrevi-lhe há dias, há semanas aliás, pedindo que me desse uns esclarecimentos sobre a questão, e nada recebi... Talvez lhe escreva hoje se tiver tempo. Ciente de que já fizeste a assinatura do Interafr [InterAfrique]. Logo que recebas e que tenhas lido, manda. Manda-me também se possível o Monde Diplomatique pois cá é impossível encontrá-lo. Seguem as cópias pedidas. Creio que vão 4. Saudades nossas para vós ambos. Um grande abraço ass.) Lara [Acrescentado à mão]: P.S. – Segue junto uma notícia dada pela agência Chinesa indicada, que tem um bureau na Tchecoslováquia. Vá lá a gente perceber alguma coisa... Parte hoje para Paris o L. [Lima] de Freitas que esteve cá na Feira do Livro. Ele conhece as minhas intenções de ir pª África. É difícil aqui esconder esse aspecto. Claro que aprova quaisquer questões partidárias. Incluso – Cópia da notícia da ag. chinesa sobre o Ventura [Holden Roberto]. 5 cópias do artº do M.
Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Mário de Andrade