Relatório de Aristides M. Cadete

Cota
0063.000.010
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Aristides Mateus Cadete
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
5
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 RELATÓRIO Dia vinte e um do mês findo, fui à Léopoldville levando dinheiro para alimentação dos camaradas residentes naquela cidade e ao mesmo tempo encontrar-me com a família que vinha de Bas-Congo para lhe dar instruções acerca dos conflitos que se desenrolam na mesma cidade. Dia seguinte, cerca das seis horas e quarenta minutos, os camaradas Job [Job Manuel Francisco "Lumumba"] e Arsénio [João Lourenço Mesquita "Sihanouk"?] pediram-me dinheiro de passagens para o seu regresso à Brazzaville, tendo sido presos alguns minutos depois pelas autoridades da Sûreté National junto do do Porto Fima, por simples facto dos nossos camaradas não serem portadores de laissez passers, e serem portadores de alguns documentos políticos, cuja sua origem os camaradas responsáveis desconhecem. Camarada Arsénio era portador dum relatório feito pelo camarada Benedito, no qual narrava os acontecimentos da morte do camarada Manuel Carnoth. Conduzidos no edifício da Sûreté National sito na avenida Tombeur de Tabora, foram visitados pelo camarada Benedito acompanhado pelo camarada Salvador para este último fazer um pedido nos agentes da dita Sûreté National Congolesa, para soltura dos nossos camaradas. Os tais agentes responderam ao Salvador que os vossos irmãos eram portadores de documentos políticos contra o Chefe do Governo Angolano no Exílio que eles reconheceram como o único representante do Povo Angolano. Que iriam perguntar ao Holden Roberto, o destino a dar aos prisioneiros. Como tivessem sido interrogados aonde moravam e responderam que era na casa do camarada Lourenço Ferreira, o camarada Benedito teve de dar uma saltada à casa para esconder os documentos do Movimento que se encontravam às vistas, na residência do camarada Ferreira. Voltando novamente na Sûreté para saber da decisão dada pelo Holden, já não os encontrou, tendo sido transportados para uma outra cadeia. No dia seguinte vinte e três, Benedito e eu saímos à procura dos mesmos em várias cadeia e fomos informados pela referida Sûreté que nossos camaradas se encontravam sob o controle dos Para-Comandos, visto que se tratava de elementos cujo assunto é da competência dos militares. Comunicámos o acontecimento ao camarada Traça, o qual deslocou-se até ao Binza, infelizmente esteve mal informado e não chegou ao Binza dos Para-Comandos. Três dias depois, o camarada Frederico nos informou que tinha sido chamado pelo senhor Gourgel perguntando- -lhe sobre as suas actividades junto do Movimento Popular de Libertação de Angola. Frederico responde que nunca esteve com elementos do MPLA e por isso desconhece suas actividades. Depois o Gourgel acrescentou que nós da UPA, temos montado uma grande espionagem a qual nos informa tudo que se passa ocultamente. Que Frederico tinha sido incumbido duma grande missão de sabotagem ao nosso Bureau e seguir para Angola em companhia dum grupo militar do MPLA. E por último, Gourgel puxava pela fotografia que foi apreendida juntamente [com] certos documentos que camarada Arsénio era portador. Na fotografia figurava os seguintes camaradas: Azevedo, Joaquina, Frederico e Arsénio. Gourgel apontando para Arsénio dizia que já estava fuzilado pelas autoridades militares do Governo congolês, porque este rapaz levava alguns documentos muito comprometedores. E aconselhou ao Frederico que andasse pouco, que o Sr. Holden estava à sua procura e com desejo de lhe mandar enforcar. Que não tentasse seguir para Angola, visto que ordem de fuzilamento para sua pessoa já tinha sido enviada para os Quartéis em Angola. Esta notícia nos tinha preocupado bastante e dia vinte [e] quatro andámos de cadeia a cadeia à procura dos referidos camaradas porque até aquela data era desconhecido o paradeiro do Arsénio e Job. Só na sexta-feira passada que recebemos um bilhete do camarada Arsénio vindo do Binza, informando que suas vidas eram ameaçadas, que têm sido torturados e mal alimentados. No Sábado, camarada Benedito nomeou dois camaradas encarregados de levar comida e uns trezentos francos para camaradas no Binza. Chegados no Binza os para-Comandos interrogaram nossos companheiros o que os levava ali e disseram-lhes que vinham em visita de seus camaradas presos há já algumas semanas. Um dos Para-Comandos desloca-se para cadeia perguntar os nomes dos dois camaradas e de caminho encontra-se com um outro para-Comando que determina castigar aos nossos camaradas portadores. Foram barbaramente castigados e mandados regressar para casa. Camarada José Gomes, um dos portadores do Binza trazia as costas quase arrebentadas com chicotes e cara inflamada. Não chegaram de ver os camaradas prisioneiros. Na altura estivemos com o camarada Gentil Traça e o qual comprometeu ir ao Binza tentar comprá-los, ontem dia oito ou hoje nove do corrente. Os camaradas presos em Makala deixaram de receber comida depois do dia que se fez explodir algumas cargas de plástico junto da cadeia. Dia 25 de Maio fui a Lukala por ter recebido carta da família, informando que gozava pouca saúde. Estive com camarada Sebastião Pakato o qual encarregou-me informar a Direcção do MPLA sobre a demora do seu regresso a Brazzaville. Disse que depois de estar em Lukala, dias depois recebeu carta de seu pai e mulher informando que estavam prontos a refugiarem-se para o Congo. Pakato é portador duma casita de dois quartos construída antes da sua partida para o Estrangeiro. Em face da carta conforme me disse resolveu aumentar mais um quarto. Só depois da vinda da sua família a Angola é que regressará a Brazzaville. Que continua firme. Que tem sido interrogado por vários membros nossos o dia do seu regresso à Brazzaville e ele responde que sua missão de serviço ainda não acabou. Tive uma reunião com certos membros da área da Damba e Trinta e Um de Janeiro, que depois de lhes ter explicado sobre a situação e existência do Movimento e respondido suas perguntas, disseram que transmitisse cumprimentos ao Comité Director e que eles sentem-se tão solidários do MPLA como dantes. Que o Governo de Holden eles o reconhecem como um governo do Congo. Que Angola ainda não chegou na altura de formar um Governo. Perguntei-lhe sobre a existência dum partido denominado Cuna, eles me responderam que em Lukala existe algumas actividades desse partido e que os membros filiados nesse partido, que outrora eram membros fervorosos da UPA e que eram seus inimigos, agora já se falam connosco. Que desmentem a existência dum Governo Revolucionário de Angola. Pediram que o Comité Director não lhes esqueça de vez em quando enviar alguns comunicados. Ainda em Lukala, encontrei-me com dois camaradas vindos recentemente de Angola, naturais do Sul que assistiram os massacres do Norte de Angola por parte da gente da UPA. Disseram-me que gente do Sul e outras regiões têm sofrido muitas barbaridades até esta data. Que eles eram trabalhadores duma Fazenda Agrícola no Norte de Angola um grupo de cerca de 250 homens. Eles são únicos sobreviventes do grupo de 250 homens, mortos pelos homens da UPA. Que suas famílias ficaram em Nambuangongo e que vieram conhecer os caminhos e comprar alguns tecidos porque a família encontra-se nua. Que não podem viver junto da família, enquanto é dia porque as suas mulheres andam nus em piloto [sic]. Chegados a Lukala apresentaram-se à Secção da UPA e o presidente lhes tem obrigado seguirem para Base a fim de um estágio de três meses. Os homens nunca aceitaram esta proposta e anseiam vir até Léopoldville conhecer o chamado Governo e tentar falar com o camarada Daniel Júlio Chipenda seu conhecido. Encontrei com a família do camarada Domingos da Costa preso em Tysville. Nesse dia encontrei a família do tal Domingos ter enviado um portador a Tysville, a fim de atender uma chamada do camarada Domingos. Mas como a cadeia do Tysville também tinha sido platicada [sic] e descobertos os explosivos, proibiram a visita aos prisioneiros em dias de semana. O portador também voltou sem falar com o Domingos, ficando para ir novamente no domingo, dia 31 de Maio. Dia vinte e nove regressei à Léopoldville, para aproveitar passar a Brazzaville, conforme anúncio feito pelo Governo Congolês à Rádio. Mas como o comboio só chega a Matete, não foi possível apanhar o barco no qual vinham os camaradas Condesse e finado Cirilo. Cerca das vinte horas tivemos notícias pela Rádio Brazzaville da morte do camarada Cirilo. No dia seguinte estive com o sobrinho do finado de nome Dele, andando de baixo para cima e com [o] camarada Ramos junto das autoridades fluviais e administrativas do Congo-Léo, no sentido de procurar o cadáver do Cirilo. Três dias depois foi apanhado junto do porto de Léo um cadáver e nos foi comunicado que era o corpo do nosso camarada. Fomos a casa mortuária e verificámos que era um outro cadáver vindo do Alto Congo. Na quarta-feira passada a família do finado deu missa e no sábado [a] camarada Antónia deu uma outra. [A] Oma dará outra missa na próxima semana e a última será a do Movimento. Na Quarta-feira tivemos uma entrevista com o camarada Milton, do Gwizako o qual no informou que no começo do mês de Maio foi enviada uma delegação composta por elementos de Gwizako e Ntobako ao Chefe de Estado Joseph Kasavubu, pedindo uma revisão do problema Angolano. Kasavubu respondeu aos camaradas que ele não reconheceu o Governo de Holden e nunca mesmo reconhecerá. Que a lei fundamental da sua República dava toda a autoridade ao Primeiro-Ministro e ao Presidente só tomava conhecimento dos assuntos tratados no Conselho Ministerial. Que aguardassem até ao fim do mês de Junho que a situação do Congo mudava. Que ele fará tudo para que os partidos mandados fechar pela ordem do Primeiro-Ministro voltariam a Léo, principalmente o MPLA. Que depois ele Kasavubu irá de obrigar a Holden entender-se com os dirigentes do MPLA e de outros partidos a fazer o Congresso e se ele recusar como dantes fechar-se-á o seu Bureau. Que o problema de Angola, disse o camarada Milton, atrasou porque eles os imigrados e quase 60 por cento nunca pisaram o solo pátrio é que querem governar a Angola deixando à margem os angolanos que conhecem os problemas de perto. Falámos sobre a ideia dum Congresso e ele disse que faria todos os possíveis de reunir os outros partidos filiados no FDLA para escreverem ao Comité Director sobre o que pensam sobre o Congresso. Dei-lhe a Direcção do camarada Câmara Pires em Paris, conforme recomendação do Comité Director. Também tivemos uma entrevista com os representantes do Cuna na pessoa do seu Vice-Presidente Pedro de Oliveira Dambi e João Cochi. Camarada Lengue tomou a palavra dizendo que os partidos de angolanos refugiados filiados no FDLA devem fazer uma reunião preparatória para atacar a UNTA membro do FDLA, porque os seus dirigentes estão ajudando o PDA em roupa e medicamentos. Que [a] UNTA está se desviando do caminho do FDLA. Que Pascal Luvualu e Dombele Bernardo vão algumas vezes no Bureau da UPA. Desconhece-se a finalidade dos contactos com os representantes do Governo de Holden e do auxílio que eles dão ao PDA. Na quinta-feira tivemos uma entrevista com camarada Savimbi, num hotel perto da embaixada dos Estados Unidos da América. Como o meu regresso estava previsto às dez horas, hora que a entrevista teria lugar, despedi-me do camarada Savimbi e ele me incumbiu transmitir aos camaradas Chipenda, Deolinda e Melo que podem contar e que era brevemente. Que sua posição é certa e não poderá recuar para trás. Como o barco não partia segundo me foi informado pela Sûreté National, dirigi-me ao local da entrevista e ainda os encontrei embora já bastante adiantados. Perguntámos ao ­camarada Savimbi se ainda tinha consigo a pasta dos Negócios Estrangeiros e se de facto tinha escapado um tiro de pistola no domingo passado na pessoa do Holden Roberto. Disse-nos que a Pasta se encontrava consigo, e que era mentira o boato que ele tinha escapado apanhar tiro. Que existe muitas divergências entre ele e Holden. Que o Conselho Ministerial do Governo é um club autêntico do sr. Holden. Que Holden Roberto fez uma carta à Sûreté National Congolesa, proibindo a saída de Savimbi e de mais outros angolanos para fora do território Congolês. Que ele pensa em dar um golpe político ao Holden antes do dia 17 de Julho data da Conferência dos Chefes de Estado de África. Perguntámos qual seria a finalidade do golpe que pretende dar e porquê e disse-nos que ele já assistiu muitos massacres de angolanos feitos pela UPA e não pode continuar assistir de braços cruzados. Dos massacres que assistiu referiu-se a dos dois grupos Ferreira e do Loge e terminou por João Baptista e de vários outros angolanos. Perguntámos se estava previsto um novo massacre e disse-nos que era o grupo dos Matias Miguéis. Acrescentou dizendo que ele conversou com o Holden e sabe de fonte segura que o dia que aqueles desgraçados do grupo Viriato tentar entrar em Angola, serão exterminados. Que ele anda bastante admirado com os homens do Matias Miguéis, vindos do MPLA, partido progressista e guerrea contra Savimbi. Que Matias numa reunião disse que à Revolução angolana é indispensável a pessoa do Holden Roberto. Savimbi preocupa-se com a saída para o Brazzaville da família do camarada Liauca. Pede garantias ao Comité Director e medidas para sua saída de Léo dele e seus companheiros. Disse-nos ainda que Holden não estava interessado em fazer revolução. E que aos seus Chefes americanos interessam que a luta de Angola seja feita pelo um grupo de pessoas para poderem dominar. Ele não nos deu nenhuma lista dos seus companheiros que pretendem dar fora, prometendo escrever uma carta no dia seguinte e discutirmos novamente sobre a sua saída. Nesse dia ficou combinado uma nova entrevista às quinze horas na Bucachica e não apareceu, tendo nos enviado um recado pelo camarada Carlos Gouveia dizendo que não podia escrever uma carta para Brazzaville com receio de cair a mão das autoridades da Sûreté National e dificultar ainda mais a acção que pretende levar a efeito. Que o Comité Director aguarde por ele e seus companheiros. Que se preocupe de arranjar vias o mais depressa possível. Que nunca Savimbi recuará perante a situação tão trágica que o País atravessa. Que ele tem todas as facilidades de sair do território Congolês, basta um recado de garantia do Comité Director. À tarde da sexta-feira enviou à minha casa um seu secretário de nome Fernando Dito, perguntar como nós temos saído do Brazzaville e Léopoldville e como conseguimos os documentos. Eu antes de responder às perguntas do tal camarada, perguntei se desejava alguma coisa. Disse-me que ele é um dos indicados na carta do Holden enviada à Sûreté National para não sair fora do Território Congolês, e que estava resolvido juntar-se ao MPLA dirigido por camarada Agostinho Neto. Que a sua saída é bastante breve porque ele é um dos que mais suspeita sofre do Holden. Respondi-lhe depois que a maneira como os dirigentes conseguem a documentação isso não interessa saber. Que nós viemos e regressamos a Brazza legalmente e pelas vias oficiais. Que se de facto estiver interessado em juntar-se aos militantes do MPLA, em Brazzaville, que me desse a sua identificação completa e entregar-me pelo menos umas quatro fotografias. Deu-me a sua identificação menos as fotografias que na ocasião não as tinha. Perguntei se conhecia o grupo que compõe o Savimbi e disse que era desconhecido. Mas que sabe os nomes que constam na carta. Além do grupo do camarada Savimbi que é de nove pessoas, ainda existe um grupo estudantil de 15 que também desejam se juntar ao MPLA em Brazzaville. A este grupo não me deu a lista ficando para me enviar por correio. De Angola vieram os três comandantes do Inga, José Lello, Manuel Gosmo e Caleia, os chefes de massacres que se tem cometido no interior de Angola nas regiões de Bembe e Caipemba. Informaram que a situação estava muito péssima e que a sua vinda a Léopoldville é para discutirem com o Chefe do Governo, senhor Holden. Mas sabe-se de fonte bem informada que eles fugiram e que já não voltam para Angola. Que a Mata do Inga foi descoberta pelos portugueses e já fizeram vários mortos e que o Povo não espera se livrar da morte. Léopoldville, 9 de Junho de 1964 Aristides M. Cadete [com assinatura] [Nota apensa ao relatório, manuscrita por L. Lara] Lista dos nomes que figuram na Carta do Holden enviada a Sureté National: 1. Alexandre Taty 2. Divengle – S. Salvador 3. Savimbi 4. Fernando Dito – Uíge 5. Pedro – S. Salvador 6. Dele – sobrinho do finado[?] Cirílo 7. Hilário – S. Salvador 8. Bernardo – “ 9. Tiago – “ 10. Gonzaga – Sul.

Relatório de Aristides M. Cadete, com nota manuscrita por Lúcio Lara com «lista dos nomes que figuram na carta de Holden enviada à Sureté Nationale» (Léopoldville). Relatório sobre os contactos realizados por Aristides Cadete no Congo Leopoldville com informações sobre: a prisão de Job [Venâncio «Lumumba»?] e Arsénio [Mesquita «Sihanouk»?] pela polícia congolesa e as tentativas para os libertar; Contacto com Jonas Savimbi que informa próximo abandono da FNLA e pede apoio para organizar a fuga dos seus apoiantes para Brazzaville; Morte de Cirilo da Conceição e Silva, Vice Presidente da JMPLA e outras informações.

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