Relatório de viagem de Johny Fletcher Nkumba (Benedito)

Cota
0068.000.015
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Johny Fletcher Nkumba (Benedito)
local doc
Léopoldville (RDC)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 [Acresentado à mão: Organização e Quadros. 30 Dez 1964] RELATÓRIO DA MINHA VIAGEM A BAS CONGO Parti do Léo no dia 24 de Novembro de 1964 em companhia do camarada Nelumba. Postos no Songololo, o responsável daquela zona “José Pascoal” estava ausente tendo ido a morlite em missão de politização. Partimos para Matadi, onde nos instalámos na casa do camarada João Capita, responsável do Comité de Acção daquela Zona. Como todos os elementos do MPLA desconheciam a nossa chegada, nada fizemos do melhor e partimos para Boma onde tínhamos assuntos importantes a tratar com o camarada Eduardo Kiano. Infelizmente este estava ausente, indo à pesca no Moanda. Dormimos na casa do camarada Augusto de Azevedo Sami, outro militante do MPLA. Dada a ausência do camarada Eduardo Kiano e como o assunto que íamos tratar era só com ele e com mais ninguém, resolvemos seguir a Moanda onde por infelicidade não o encontrámos. Mas soubemos que estava numa das ilhas ao lado de Bula Mbemba. Escrevemos duas cartas mandando-lhe chamar. Aguardámos a sua chegada durante cinco dias, mas não apareceu. Entretanto procurámos o camarada Mendes Roger para que nos fizesse entrega dos bens do Movimento “CVAAR e EPLA” em seu poder. Mas este fora transferido para Matadi. Enquanto não houvesse transporte, fazíamos esclarecimentos às massas e esse esclarecimento nos foi ajudado pelo camarada Neto, quando acabava de falar ao povo pela Rádio. Distinguiu-se nesta acção o camarada Nelumba por ser do Zaire e os refugiados que vivem nesse sector, são da mesma Região. Um secretário regional da UPA está do nosso lado e com ele alguns militantes do “grae” que desistiram trabalhar com HR [Holden Roberto] e ainda desanimados pela notícia dada pelo jornal presença congolesa em que dizia Hol: “grande comerciante?” E nós completámos a obra. Esses militares resolveram alistar-se nas fileiras do MPLA. Ficaram sobre [sic] a responsabilidade do camarada Magina, desertor do EPLA, agora arrependido, que com eles procurará o caminho que surge pelo Kimongo. Comunicar os nossos elementos que se encontram nessa Zona, para sua recepção. Ainda em Moanda fundou-se uma organização que se intitula: ASSOCIAÇÃO e ORGANIZAÇÃO DOS ASSORONGOS DE ANGOLA. Esta organização é fundada pelo Alberto Gomes; compõe-se de “directores, técnicos, presidente, conselheiro, secretários, propagandistas, cobradores, tesoureiros, etc. Os 50 membros são todos responsáveis. Tivemos grande discussão com o dito fundador, que procurou resistir; mas a nossa resistência fez-lhe curvar a proa e acabou de nos dizer o seguinte: – Fundei esta Associação com a base de que os upistas são difíceis de convencer, e eu como mossorongo fiz isto para formar um grupo maior para depois levá- -los ao Movimento. Com esta não nos levou porque os moços desertores, da upa estão decididos a seguir-nos. No dia 2/12 partimos para Bannana, onde encontrámos com os refugiados que nos apoiaram inteiramente. Na noite deste mesmo dia, recebemos uma carta do camarada Kiano em resposta da nossa na qual nos dizia que estava com sede de conversar connosco mas que lhe era impossível deslocar-se em virtude de encontrar- -se doente. Dia 3/12 regressámos a Boma. A nossa missão em Boma dizia respeito à compra de um “pau flutuante” para os nossos trabalhos, isto é complemento da missão empreendida por primeira Delegação, Quarta e Lengue. Éramos portadores de dezassete mil francos congoleses (17.000f.c.) para compra do pau e subornar as autoridades. Vimo- -nos obrigados a entrar em acção com o camarada Augusto de Azevedo Sami, por falta do Eduardo. Ora fugiu do Noqui um Angolano alfandegário, com um “pau flutuante” bem grande que ele quer vender por treze mil francos congoleses (13.000) mas que esse mesmo pau tinha sido levado à pesca pelo Kiano. Não entregámos o dinheiro por não termos visto o objecto, resolvemos encarregar a questão ao camarada Azevedo que em colaboração com Eduardo arrumarão o assunto, e depois disto escreverão para nós lhes enviarmos o dinheiro. O mesmo Azevedo ficou encarregado da seguinte missão: 1º – Despachar pelo Tshela os elementos militares que fogem da upa; 2º – Sondar o ponto do desembarque das tesouras para o continente nas duas margens. Quanto o envio ele encarregar-se-á de gastar o que for possível e mandar-nos a nota da despesa e nós devolveremos, mas depois que os nossos do outro lado telefonem a anunciar a chegada dos referidos elementos. Fim do trabalho BOMA, BANANA e MOANDA. (MATADI) Em Matadi reunimo-nos com o Baptista e João Capita. 1º – Procurámos saber o fim da mobília do CVAAR e EPLA: os camaradas disseram- -nos que a Deolinda mandara vender tudo tendo ficado apenas a marquesa e o material cirúrgico. 2º – Sob ponto de vista político, Matadi é um ponto morto. Não se sente o entusiasmo. O Baptista não sabe nada de política e nem se esforça idem o João Capita. Hoje o camarada Baptista trabalha num dispensário particular do Sr. Magalhães refugiado. Ainda em Matadi combinámos com um camarada angolano motorista de um padre lá por lado do LUALI, para que sondasse o caminho que vai dar a Kimongo ou a outro ponto de Brazza. Este foi mas antes de executar a missão, falou ao padre de que tinha parentes que queriam passar-se por lado de lá. O padre aconselhou-o de que teria de subornar a guarda, porque neste momento a situação do Congo é perigosa. Deu ao rapaz um volume de cigarros para oferecer aos militares antes de entabular a questão. Feito isto o rapaz pôs mãos à obra. Os militares mostraram dificuldades alegando que do lado deles não era impossível e que só receavam do lado de lá, porque poderiam ser dados como espiões do Congo Léo e serem mortos. Mas o camarada em questão esclareceu de que desejam passar porque são angolanos e que não haveria perigo nenhum e que serão recebidos por angolanos. Está se tratar do caso e uma vez que esteja assente, nós contribuiremos com o dinheiro para tal missão. Do Matadi via Boma despachámos 4 camaradas com direcção a Kimongo por experiência, e dentre eles um combatente exímio natural de Luanda e que também foi upista. Os militantes de moanda, boma e matadi, admiram-se por saber que a Deolinda ainda continua no Movimento, dada a desmoralização que ela inculcou nos seus espíritos. Nós dissemos a eles que tal camarada é simples militante de base e não membro de direcção. Péssimo trabalho realizado por essa camarada, na sua última viagem que fizera ao Bas-Congo sem autorização dos responsáveis máximos! Dizia ela aos militantes que o Movimento acabara e que nada esperassem dele. O nosso grande amigo e grande homem influente pela liberdade do nosso país sobre a direcção do MPLA é o VITA ANDRÉ. Este conseguiu do Ministro de Saúde, a autorização da reabertura do nosso dispensário. Ele mesmo encarregou-se de procurar a casa para os trabalhos do dispensário em Matadi. Até o mês próximo será reaberto o dispensário e espero que o Movimento diga alguma coisa de agradecimento ao ilustre homem. Mas será necessário substituir o enfermeiro pelo outro que seja mais activo, mais corajoso e com conhecimentos políticos e ao mesmo tempo agitador como o pequeno José Pascoal do Songololo. Sou da opinião que a escola de monitores políticos prossiga a sua rota, porque é indispensável. O responsável pelo envio de novos filiados é o camarada Carlos, natural do sul e bom militante mas não é o Carlos Gouveia. Todas as quartas e domingos é ouvido com entusiasmo a voz de angola combatente, mesmo pelos inimigos do MPLA. Há já na base de Kinkuzu uma grande agitação, e por causa disso o HR enviou para um controlador de notícias. É Gourgel o ca[r]niceiro. Prosseguindo a nossa viagem de regresso para o Songololo, encontrámos uma multidão à nossa espera. É incrível, mas a verdade é que os dois camaradas José e Graça fizeram um trabalho digno de louvar. Apresentámos nossas felicitações aos novos militantes do MPLA e hoje colaboradores do camarada Pascoal. O nosso dispensário sempre cheio de gente, angolanos e congoleses. É o único dispensário preferido apesar de não haver outro que não seja nosso e o hospital congolês que nada tem. Muito trabalho fizemos no Songololo, de onde partiram três camaradas de exploração do caminho no BLOOC 100, Maianga, Jacob no Congo B/ville. Dias antes, quando nós em Matadi ouvíramos dizer que muitos dos elementos nossos teriam sido presos no blooc 100, por terem sido encontrados numa reunião clandestina. Isto foi verdade, porque o caso foi o seguinte: – O camarada José P. fazia suas viagens nessas localidades, para dar vida àquilo que vida não tinha. Ora aconteceu que uma parte dos angolanos contra o MPLA viu fugir-lhes a presa entre as garras, foram queixar-se às autoridades, de que 3 rapazes do MPLA no Blooc 100 vindos da URSS, estavam a estragar a população com ideias comunistas. O administrador mandou-os prender e levou-os a Songololo. Foram presos 13 camaradas, ex-combatentes da upa que tinham sido mobilizados pelo camarada Daniel da Costa, vindo de Alger, que pedira sua retirada do movimento. Este, arrependido pelo seu erro, e chamado à razão pelo José Pascoal, hoje tem sido bom agitador a favor do MPLA, com a mesma força do Graça. Também foi levado preso. Postos no Songololo, disseram que tinham como seu responsável máximo o camarada José Pascoal. Mandou-se o camarada, porque o Bourgoumestre e o chefe da justiça queriam conhecer tal homem Pascoal que muitos admiravam. Levado à presença das autoridades, estes ficaram admirados quando viram quem era, porque já o conheciam, como bom trabalhador enfermeiro e decidido, mas não sabiam se era ou não Pascoal. A presença dele remediou o caso e todos foram soltos mas pagando cada um 500 (quinhentos francos c/) incluindo o mesmo José. Isto tudo foi ouvido por nós da boca do magistrado que os julgou, porque nós postos no Songololo convidámos o Burgomestre, o seu adjunto, advogado e o chefe da justiça para um almoço. Apareceu apenas o Advogado, porque os outros estavam ausentes. À hora da refeição o nosso homem atirou-nos com esta: Qual é o vosso feitiço? Eu respondi que não somos feiticeiros. Ele disse: Faço esta pergunta porque há dias prendi 13 rapazes no blooc 100 que faziam reuniões clandestinas e agitaram todos os angolanos que lá se encontram, a protestarem contra a upa. Perguntei se eles eram de que partido, eles responderam, que tinham sido membros da upa, por falta de esclarecimentos, mas que hoje são possuidores do programa e estatutos do MPLA e tudo que neles está escrito está sendo executado. Perguntei-lhes o que tem sido executado por MPLA? Eles mostraram-me o Pascoal um Daniel instruído pelo MPLA e que são capazes de discutir consigo na política, não só do seu país mas também do Congo. Mandaram- -me escutar angola combatente nas Quartas e Domingos e perguntaram-me se estou ao corrente dos Combates em Cabinda. Fiquei um pouco aborrecido e tencionava enviá-los a Thysville, e mesmo assim eles disseram-me: escreva no seu livro o que vamos dizer: Nós antes fomos da upa, hoje somos do MPLA e mesmo que nos corte as cabeças nenhum de nós voltará atrás. Somos do MPLA até à morte. É por isso que perguntei ao sr.: qual era o vosso feitiço. Eu só completei o trabalho dos camaradas ampliando melhor possível, expliquei-lhe o mau trabalho do Comité dos nove, o erro dos países africanos em reconhecer um governo não representativo ao povo angolano, defini a posição do MPLA quanto à luta de libertação de Angola, a vontade inquebrável dos seus dirigentes, as dificuldades que atravessámos durante o governo Adoula, o roubo de vida e dinheiros que HR fez ao povo angolano e para finalizar dei-lhe por ler o presença congolesa onde vinha a escrita HR grande comerciante? O nosso homem como que petrificado, e disse-me que conhece Mário de Andrade de Casa Blanca e em Accra na Conferência Pan-Africana em 1962, perguntou-me quem eu era, dada a resposta recebida: em resposta: combatente angolano contra o colonialismo, imperialismo etc. e responsável do MPLA em Léopoldville. Ele disse-me queria ajudar o MPLA, mas que nós nunca abraçámos os seus conselhos. Pedi para que tornasse a dar os mesmos conselhos e disse: 1º – Comprar uma parcela vossa cá no Songololo e construir uma casa para os vossos trabalhos, porque os 800 (Oitocentos francos c/) mensais que vocês pagam nesta casita tão pequena é muito dinheiro. Ora com 750 (setecentos e cinquenta francos) compram um terreno construindo assim uma casa vossa para o dispensário e através dessa podereis fazer vosso trabalho na clandestinidade, porque a vós é proibido fazê-lo ao público1. Aproveitem o Bas-Congo porque em Léo jamais vos será fácil. Arranjem dinheiro, enviem-no ao vosso responsável cá, e eu como advogado irei com ele pessoalmente a Léo na presença do Ministro de Saúde e conseguir tudo que diz respeito ao dispensário e o resto é convosco. 2º – Já falei cá com o vosso irmão do que pretendo fazer: rusgar todas as armas da upa que se encontram nesta região e eu sei onde estão e entregar-vo-las. Mas até hoje vocês não se decidem. É preciso andar rápido porque o revolucionário não faz se esperar. Vão estudar o assunto e quando o resolverem, a questão é entrarmos num acordo. Quando estiver tudo combinado, vocês põe aqui a vossa gente e partir de seguida para o interior do país, porque não queremos que vós façais o que fazem os bandidos da upa, atacam aqui perto os portugueses, e não aguentam o inimigo e fogem para o Congo e amanhã os portugueses podem querer atacar-nos também; vocês levam as armas lá dentro para evitarmos incómodos. Continuando, eu vos digo de todo o meu coração que Tshombé tencionava entregar-vos aos portugueses e foi o velhote Kasa-Vubu que o impediu em fazê-lo e assim procurou um lugar onde irão viver todos os refugiados, mas até Janeiro ou Fevereiro a upa será fechada. Andem depressa e tratemos de caçar as armas que se encontram paradas. De Angola: continua a vir angolanos e vieram camaradas dos Dembos que nos contaram que as nossas emissões da rádio são escutadas todos os dias marcados e eles transmitem-nas às bases do MPLA no Caje e Quipanzo, porque estes não têm rádio e esperam que o Castro leve algum. Ainda de Angola, a população do Bessa Monteiro estão para o MPLA. A razão é esta: Mateus da Graça tinha enviado para lá um dos parentes com os nossos panfletos; posto lá todos o leram na presença dos oficiais e estes quiseram executar o moço, mas o povo revoltou-se dizendo que o que estava escrito nos panfletos era verdade e que a upa roubara o povo e que até aqui nada fez. E se o MPLA fosse pelos brancos, nunca teria insistido na unidade, coisa esta que a upa não faz. O nosso camarada voltou são e salvo. Outro camarada do Bessa Monteiro mobilizado pelo Pascoal, enviou uma carta para sua região e esta foi recebida com calor e em vista, os ditos oficiais fugiram de lá e já cá estão entre eles o tenente Timotheo, fugiram à fúria do povo contra eles; pedem mais panfletos. Seguem relatórios vindos do Bas-Congo. [Nota manuscrita, face a esses parágrafos, por L. Lara: “Informação”] Falando do camarada Agostinho, este conheci-o pessoalmente e deve se aproveitar. Ele está preparado para dirigir uma Zona de Acção, definiu os princípios do MPLA melhor que muitos dos nossos. Mas o maior desejo dele é de ir para o outro lado para ter instruções revolucionárias onde poderá ficar um ou mais meses de estudos políticos. Ele é óptimo e já tem contribuído muito. O seu relatório é assinado também por um outro que assistiu à morte dos nossos no vale do LOGE como ele afirma e descobriu que teria feito parte porque afirma ter em seu poder fotografias da malta. Quer ir [para] as nossas fileiras e eu consenti, porque queremos apanhar os tigres vivos. Não é bom escaldá-los. De Lufu, pergunta-se se queremos continuar com a casa ou não. É preciso que o comité director tome medidas sobre este assunto. Paguei a renda dos oito meses incluindo o mês em curso. Digam alguma coisa sobre isso. Outro caso do Songololo. José Quingando na minha ausência para Europa, vinha cá pedir roupas e medicamentos para os refugiados. Posto no Songololo vendeu tudo e eu mesmo encontrei as roupas numa casa Comercial, e o proprietário afirma que é o José Quingando quem lhas vendeu. Abriu um Comité de Acção no Tari “Nambuangongo”, que antes era para nós uma Zona perigosa. Em Angola os Camaradas Lázaro, José Congo (Dembos), Fernando Mussunda Job (Nambuangongo) prosseguem com a missão de que o camarada Miramar era responsável. O comité que faça umas cartas para estes camaradas para não abandonarem o país. Foi queimado o nosso quartel do NGALAMO (Dembos) Piri. Conclusão – Para o cumprimento das missões a saber: conquista de armas, viagem do advogado e Pascoal a Léo, compra de terreno, abertura de caminhos ao longo da fronteira brazza-léo, compra de materiais escolares para o interior do país, precisámos de 300.000 francos (trezentos mil francos) fora da assistência dos militantes e famílias. O comité director poderá nomear um camarada dos melhores e sérios de entre os que lá se encontram para vir controlar esse dinheiro, para se evitarem desconfianças, se formos incapazes de trabalhar com os 300.000frs. Não temos medo do Tshombé nem de outros. Esperamos que o muro caia e continuaremos com o nosso caminho. VITÓRIA ou MORTE! Feito em Léo, 14/12/64 Jhony Fletcher Nkumba

Relatório de viagem de Johny Fletcher Nkumba [Benedito] (Léopoldville)

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