Memorandum ao Neo-Destour, assinado por Lúcio Lara

Cota
0008.000.041
Tipologia
Memorando
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
MAC, Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento…»

Memorando ao Neo-Destour [dactilografado – original em francês] [No canto superior esquerdo leva o carimbo do MAC] Túnis, 26 de Dezembro de 1959 AO BUREAU POLÍTICO DO NEO-DESTOUR TUNIS Caros Irmãos Encontro-me em Túnis, em representação do MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA, para tratar convosco problemas respeitantes à luta travada pelos povos dos Países africanos ocupados por Portugal, com vista à sua libertação. 1 – O colonialismo português é um dos mais terríveis de entre os que se manifestam em África. Por esta razão, as populações que lhe estão sujeitas encontram enormes dificuldades para porem cobro a esta ocupação despudorada que nunca admitiu sequer o princípio da autodeterminação dos nossos povos. As leis coloniais portuguesas (sem falar na própria Constituição Portuguesa) são, já por si, uma negação desavergonhada dos mais elementares direitos do Homem. Estas leis, de que o governo e os colonialistas portugueses proclamam o carácter «protector» para com o indígena, não têm por objectivo senão a destruição da personalidade dos Africanos, tornando-os incapazes de tomarem qualquer iniciativa em todos os domínios de actividade. Assim, todas as questões que digam respeito aos indígenas, quer sejam assuntos tribais ou familiares, quer sejam questões de trabalho, passam obrigatoriamente pela Curadoria dos Negócios Indígenas, nas mãos das autoridades coloniais, que também têm a seu cargo a administração de uma justiça especial para os nativos. A situação social do indígena é realmente terrível. O trabalho forçado constitui a base da economia colonial e o trabalhador não possui outros meios para a defesa dos seus direitos que a acima mencionada Curadoria, pois não existe nenhuma organização sindical para os trabalhadores indígenas. Os sindicatos existentes, destinados aos colonos e a um pequeno número de «assimilados», são aliás sindicatos fantoches, controlados pela administração colonialista. As mínimas reivindicações dos trabalhadores são afogadas em sangue. Foi o que se passou, por exemplo, em Fevereiro de 1953, na Ilha de S. Tomé, onde centenas de Africanos, que se opunham a um regime novo que os submetia ao trabalho forçado foram assassinados depois de torturas selvagens. Nesse mesmo ano, a uma reivindicação salarial por parte dos trabalhadores das docas de Bissau (Guiné dita portuguesa) as autoridades ripostaram à metralhadora, matando 51 Guineenses e ferindo e prendendo muitos outros. Tudo isto ocorreu sem que nada tenha transpirado oficialmente. Nas Organizações internacionais, os Portugueses escondem a verdadeira situação das suas colónias e recusam a menor fiscalização pedida pelos Países Afro-Asiáticos e outros países anti-colonialistas. Receiam que esta fiscalização ponha a nu a mais execrável das políticas coloniais. Na Organização Internacional do Trabalho são os colonos quem representa os interesses dos trabalhadores africanos das colónias portuguesas... Na Assembleia Nacional Portuguesa é também uma meia dúzia de colonos quem, como deputados das «províncias» do ultramar, «defendem» os interesses de mais de 10 milhões de Africanos. Na realidade, eles preocupam-se apenas com os interesses imediatos dos colonos, com um desprezo descarado pelo dos Africanos, quer indígenas quer «assimilados». Os nossos estudantes, obrigados a assimilar a cultura portuguesa, são compelidos a fazer os seus estudos universitários na Metrópole. Aliás, nos raros liceus existentes nas colónias, somente uma pequena minoria de Africanos pode prosseguir os seus estudos. O ensino primário especial ministrado aos indígenas está totalmente entregue às missões católicas que colaboram com as autoridades na ignóbil tarefa de destruir os fundamentos da cultura tradicional em proveito da aprendizagem da língua portuguesa e da obediência às autoridades portuguesas. As organizações que procuram defender os interesses dos intelectuais africanos ou o desabrochar das culturas africanas são absolutamente proibidas. Sendo o regime político português ditatorial, não existem, nem na Metrópole nem nas colónias, outras organizações políticas legais para além da União Nacional (o partido governamental), sendo também tolerada uma minoria monárquica. É por essa razão que, nas colónias, os partidos políticos que lutam pela independência são obrigados a fazê-lo na clandestinidade, o que lhes acarreta extremas dificuldades. O carácter especial do colonialismo português acarreta ainda um outro grave prejuízo para as lutas pela independência: conseguiu isolar os Africanos das suas colónias dos contactos com os povos irmãos que, na maioria dos casos, desconhecem as nossas condições de vida e as nossas condições de luta. Apesar de tudo isso a nossa luta continua e desenvolve-se, com o exclusivo esforço dos nossos povos. Em Angola, desde há 5 anos, que pelo menos duas organizações políticas (a União das Populações de Angola e o Movimento Popular de Libertação de Angola) mobilizam a maioria da parte activa da população para uma luta sem tréguas contra a ocupação portuguesa. Na Guiné dita portuguesa, o Partido Africano da Independência esforça-se também por liquidar este colonialismo ultrapassado. Em Cabo Verde, nas Ilhas de S. Tomé e Príncipe e em Moçambique, os Africanos preparam-se também para pôr termo aos crimes dos Portugueses e tomar em mãos os seus próprios destinos. O Movimento Anti-Colonialista, que agrupa Africanos de todas as colónias portuguesas de África, ao mesmo tempo que reivindica a independência imediata para as colónias que representa, comporta no seu programa a tarefa de trazer para o plano internacional os problemas relacionados com as lutas dos nossos povos. O isolamento que Portugal deseja ferozmente manter já foi quebrado pelo M.A.C., ao denunciar à O.N.U. e às organizações anti-colonialistas internacionais as atrocidades sistemáticas cometidas pelos Portugueses contra os nativos das suas colónias. Neste preciso momento, os colonialistas portugueses procuram, num processo arbitrário, condenar duramente dezenas de patriotas angolanos e alguns Portugueses progressistas, sob a acusação de «atentado à segurança externa do Estado». Este processo, que está sendo preparado desde Março deste ano, foi revelado apenas esta semana pelas autoridades portuguesas, que já não podiam esconder por mais tempo um facto que o Movimento Anti-Colonialista tinha denunciado ao Secretário Geral da O.N.U., à Conferência dos Povos Africanos, ao Comité de Solidariedade Afro-asiático, à imprensa internacional e a tantas outras organizações. 2 – O Movimento Anti-Colonialista encontra muitas dificuldades para executar as tarefas internacionais do seu programa. Clandestino no território português, apenas os elementos que se encontram no exterior podem, nos limites concedidos pelos Países onde se encontram acidentalmente, procurar estabelecer os contactos indispensáveis ao tipo de luta previsto. Infelizmente, ainda não tivemos a possibilidade de ter uma sede no exterior que possa eliminar as enormes dificuldades criadas pelas distâncias. A falta dessa sede não nos permite assim relações regulares com o nosso povo, os nossos camaradas de luta que querem abandonar o território português e com as organizações que lutam para atingir o mesmo objectivo que nós. 3 – Nestas condições temos necessidade urgente de uma sede fixa, de um bureau de informação e de trabalho, que nos facilite uma orientação conveniente dos assuntos de que estamos encarregados; um bureau onde possamos receber e transmitir eficazmente toda a espécie de informações respeitantes ao nosso combate e receber os camaradas que vierem para nos ajudar. Este bureau contribuiria eficazmente para o desenvolvimento da luta dos povos sob dominação portuguesa, oferecendo-lhes a mobilidade e a liberdade de expressão, direito fundamental que o ocupante português sempre lhes negou. Esta questão coloca contudo um problema delicado: o do apoio económico ao bureau. Os nossos irmãos sempre deram o melhor do seu esforço para não nos faltarem com o seu apoio financeiro. Contudo, a atenção crescente das autoridades portuguesas dificulta o envio regular de fundos. Aos indígenas é interdita qualquer operação bancária e os chamados «assimilados» estão submetidos a uma vigilância rigorosa no que diz respeito a todos os aspectos da sua vida. Deste modo acontece ficarmos meses sem qualquer ajuda e somos obrigados a procurar nós mesmos meios para a nossa sobrevivência pessoal e para cobrir algumas despesas relativas à nossa actividade política. Nestas condições, apelamos à vossa solidariedade para uma ajuda no estabelecimento de um modesto bureau. Estamos prontos a trabalhar na medida das nossas capacidades profissionais para vos compensar, na medida do possível, as despesas efectuadas. Pode ser que, caso nos seja permitida a instalação de um bureau, alguns camaradas se juntem a nós para dar a sua contribuição ao desenvolvimento das nossas tarefas políticas. Estas compreendem no essencial: a) Orientação da luta política nos nossos Países, tendo em consideração a política internacional; b) Resolução dos problemas colocados pelos nossos irmãos que lutam nos nossos Países; c) Relações estreitas com os partidos dos Países africanos independentes, os Países que ainda lutam pela sua independência e as organizações anti-colonialistas do mundo inteiro que possam contribuir para a liquidação do colonialismo português; d) Difusão internacional dos nossos problemas, com vista a desmascarar o carácter específico do colonialismo português; e) Publicação de toda a espécie de documentos destinados aos nossos Países e ao estrangeiro. Comprometemo-nos a respeitar as vossas leis e conveniências. Estamos certos que os nossos irmãos tunisinos, que desde os primeiros contactos nos deram provas do seu espírito de solidariedade, saberão considerar com compreensão a nossa situação. Com as melhores saudações fraternais Lúcio Lara (Das Relações Exteriores do M.A.C.)

Memorandum ao Neo-Destour, assinado por Lúcio Lara (Túnis)

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Nomes referenciados