Carta de Lúcio Lara a Ernesto Lara Filho

15 de Junho de 1960

    Meu caro Ernesto

    É a duas cartas tuas de 11 e 25 de Abril que venho responder. O tempo passa depressa e não me foi possível escrever-te antes, pois o tempo não chega para nada. Creio que é a primeira vez que te escrevo depois de Casablanca e parece-me que ainda há dias deixei essa linda cidade e já lá vão dois meses. Antes de mais, como tens passado? Tens tido notícias dos teus? Tenho a impressão que os meus devem estar a embarcar para aí, se é que não embarcaram já. No passado dia 9 fez anos a Aldita e no dia 29 do mês passado o teu velhote. Peço que digas a ambos que não os esqueço e que lhes envio parabéns carinhosos. Pela primeira vez há muitos anos não escrevo ao teu Pai nesta altura. Diz-lhe que não leve a mal, pois é difícil fazê-lo na vida que levo.
    Quando estiveres, se estiveres com a minha Mãe e com a Zita tenta fazê-las compreender. É muito difícil conformarem-se com tudo isto, mas a vida é assim mesmo. Quem me dera abraçá-las nesta altura. Sobretudo gostava de estar com elas para que sentissem que não é o facto de tomarmos rumos diferentes que tem influência no amor que lhe dedico. Creio que ainda não compreendem isso, e sei que é difícil essa compreensão quando vivemos tão longe uns dos outros.
    Como vão os teus estudos? Que tal te sentes de novo em Coimbra? O Montanha ainda existe com o velho Arrobas?
    Recebi os livros que fizeste o favor de enviar. Idem jornais. Obrigado. Tenho interesse especial no Pancada e Morais (Aplicação de capitais). A Tia Queca costumava receber. É o de 1959 que interessa. Mas podes também mandar o de 1958.
    Quanto ao Rel. do Banco de Angola estás enganado. O que me mandaste foi o de 58; falta-me pois o de 1959 no qual tenho bastante interesse. Se puderes também enviar os relatórios trimestrais manda.
    O Anuário Estatístico de Angola 1958 e Anuário Estatístico do Ultramar 1959 ou 1958, podes arranjar no Instituto Nacional de Estatística perto do Técnico. Agora em Coimbra é-te difícil arranjar, mas vê lá isso. Faz-me muita falta.
    Os jornais continuam a ser benvindos. Se puderes de vez em quando enviar um ou outro recorte sobre questões coloniais saídos em jornais portugueses, seria bom.
    Junto aqui uma declaração enviada pelo MPLA ao Governo português. Não tenho à mão o original português. Vai mesmo assim. Como jornalista deve interessar-te. Por acaso enviamos a todos os jornais portugueses. Gostava de saber qual a reacção do governo ou da imprensa portuguesa. Talvez continuem a ignorar como até aqui, e entretanto vão mandando tropas pª Angola…
    Envio-te esta pª Coimbra como é tua vontade. Se estiver aí o meu primo Tonecas dá-lhe cumprimentos.
    Adeus, meu caro. Até à próxima. A Ruth envia-te muitas saudades bem como à Aldita. Quando escreveres a teus Pais recomenda-nos muito. O Paulchen adapta-se formidavelmente a este calor de matar. Pior, muito pior que Benguela, mas muito parecido no ambiente. Dá saudades nossas à tia Queca. Recomenda-me aos amigos-
    TENS MEDITADO NA TUA IDA A PARIS?
    Um apertado abraço do teu

    [manuscrito por Lúcio Lara: Se um dia fores ao Estrangeiro a m/ caixa postal é a nº 231. Toma nota.]