Carta de Ernesto Lara Filho a Lúcio Lara

Cota
0014.000.061
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Ernesto Lara Filho
Destinatário
Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Mau
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Ernesto Lara Filho [dactilografada] Ernesto Lara Filho Rua Antero do Quental 61 COIMBRA Coimbra, aos 17 de Agosto de 1960 MEU CARO LÚCIO São duas horas da manhã e no meu quarto que fica aqui na Rua Antero do Quental, em Coimbra, a cerca de 500 metros do teu antigo quarto onde dormi e que ficava situado na Praça da República, eis-me a tentar obter ligação con­tigo o que considero muito difícil em face de todas as transformações que a tua vida deve estar a sofrer. Sabes bem ao que me refiro. Nunca necessitei tanto como agora de ti, da tua palavra amiga, dos teus conselhos, do teu ampa­ro. Mas andas longe, pairas em tais esferas que sinto dificuldade em contac­tar contigo. Escrevo-te esta carta por indeclinável dever: morreu anteontem o tio Hernâni e é uma obrigação o comunicar-to até porque era muito teu amigo e me perguntou por ti dias antes de morrer, quando eu o visi­tei em Lisboa já na casa de saúde. Tua Mãe [Clementina Lara] acompanhou-o até ao fim. A Zita e o Vi­riato [V. Santos] estiveram presentes. Só eu e a Alda [A. Lara], ambos em Coimbra, não pudémos enterrar o último da família. Li na Imprensa de Lisboa que estiveram em Moscovo Joseph Turpin, Lu­ciano Nadao e Bernardo Cruz, conferenciando com o Encarregado de Assuntos Africanos da Rússia sobre a Independência das Colónias Africanas. Deduzi que fossem o Vi­riato [V. da Cruz], o Mário [M. de Andrade] e tu. Aliás, com esses nomes outros dois surgiram: Eduardo Santos e Amílcar Cabral. Claro, a Imprensa lisboeta bateu forte e feio. É a única coisa que sabe fazer: Bater em fantasmas... Claro que não tendo con­tactado contigo há tanto tempo, não posso de maneira nenhuma saber de ti, saber de vós, saber algo. Tenho aqui o Anuário para te mandar. Mas como nunca mais acusaste recepção dos relatórios do Banco de Angola e do Pancada e Morais, fiquei na dúvida se terias recebido essas coisas. E, como pode ter havido alguma interferência, suspendo o correio para ti. Esta carta será a última se não me disseres que tens recebido jornais e a minha corres­pondên­cia, além do relatório do Banco e do Pancada e Morais. Arranjei por­tanto tudo o que tu pedias. Com algum trabalho é certo, mas com a melhor das boas vontades como podes verificar. Quanto à tua família cá está em Lisboa. Chegou a tua Mãe, Irmã, cunhado e sobrinho. No dia seguinte à chegada morreu a tia Marta. Anteontem o tio Hernâni. Mas não há nada de novo sobre a ter­ra. A vida continua... Quanto aos acontecimentos do Congo já sabes o que se passa melhor do que eu. O que é de lamentar é que os "velhotes" não se apercebam que o mundo caminhou e que coisas daquelas são naturais. E não entendem que a Indepen­dência de Angola está à porta que é questão de minutos, de meses, de dias... Uma coisa mais do que lamentável... Precisava de saber de ti, de receber cartas tuas. Estou agora aqui na Rua Antero do Quental e podes escrever para aqui. Cá vou estudando em Coimbra e como te disse já e tu já deves saber por carta anterior, tirei 12 a Literatura do sétimo e vou tentar este ano Latim, Filo­sofia, Alemão e História. Aguardo carta tua. Basta uma indicação, um bilhete, dizendo que recebeste os meus recortes, as minhas cartas. Vão mais uns recortes que reuní. Aguardo carta tua. Preciso de carta tua! Ou então "cavo" para o Brasil, antes que me aconteça algo de desagradável. Percebes? Um grande e dedicado abraço do primo muito e muito amigo. Ernesto Lara Filho [Acrescentado à mão: P.S. Seguem recortes do julgamento de Luanda!!! São do ABC!]

Carta de Ernesto Lara Filho (Coimbra) a Lúcio Lara

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