«Pontos nos iis» in Mulher Revolucionária

Cota
0084.000.047
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Impresso
Suporte
Papel Comum
Data
Mai 1966
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2

[Transcrição das duas primeiras páginas]

MULHER REVOLUCIONÁRIA

ORGÃO TRIMESTRAL DA ORGANIZAÇÃO DA MULHER DE ANGOLA, «OMA», PARA INFORMAÇÃO E FORMAÇÃO DA MULHER ANGOLANA E INCENTIVO DA SUA CONSCIÊNCIA MILITANTE.
B. P. 2400 – II - Nº 7  MAIO – JULHO DE 1966

EDITORIAL
    
    O ódio que dia a dia aumenta no povo angolano contra a opressão e exploração portuguesa é gerado pelo cinismo criminoso do próprio colonialista. Enquanto este apregoa respeito pelo colonizado, aniquila a nossa personalidade e inculca em nós um terrível complexo de inferioridade em relação ao homem branco e a sua cultura; enquanto prega amor cristão, o ocupante português desfaz o nosso lar através do contrato e explora ao máximo o esforço angolano pagando bagatela, o salário da fome, pelo nosso trabalho; enquanto clama comunidade de interesse o colonialista português faz de Angola uma simples fonte de matéria prima e um cliente seguro para exportação dos productos portugueses. E apesar das imensas possibilidades que o nosso País tem, Angola é industrialmente subdesenvolvida e os angolanos vivem na miséria mais aguda do continente.
    Os colonos que Salazar envia aos milhares para a nossa Terra não só roubam os empregos melhor remunerados, mas desceram até os mais humildes, por isso é que todo o visitante estranha que estando em plena África os barbeiros, motoristas de táxi, ardinas, engraxadores, criados de hotel e comerciantes sejam portugueses, europeus, e não angolanos.
    Nada pode mudar esta situação senão uma luta decidida por que enquanto os portugueses estiverem a dominar-nos o proveito do trabalho do povo angolano será apenas para ocupante. O povo angolano só pode ter uma vida melhor quando estiver completamente dependente ao jugo estrangeiro.
   Na sanzala e no bairro, organizemo-nos contra os colonialistas portugueses que nos impõem a pobreza, o desemprego a fome e a ignorância. Sem a libertação de Angola não pode haver uma verdadeira vida para os angolanos. E SEM LUTA NÃO PODE HAVER INDEPENDÊNCIA.
     

PONTOS NOS IIS

    O chamado «boletim das forças armadas» difundido pela rádio e imprensa colonialista portuguesa é um atestado da derrota que o povo angolano está a infligir aos ocupantes.
    Ninguém pode confirmá-lo melhor do que a esposa do oficial português que, em princípio, deve passar os fins de semana com a família na cidade de Cabinda. Num certo fim de semana o marido não vem, por questões de trabalho, dizem para acalmá-la. No fim de semana seguinte, o marido também não volta a Cabinda, desta vez por estar febril, dizem-lhe: coisa passageira senão viria para a cidade ou podia mesmo seguir para Luanda tratar- se. Na terceira semana a mulher é então oficialmente informada que o marido morreu “num acidente”, no quartel. E a imprensa apregoa que mais um soldado tombou em “missão de soberania”, para anestesiar a mentalidade do povo português.
    Por outro lado, as baixas que os portugueses sofrem em Angola são raramente difundidas ali para sê-lo na Guiné Bissau e em Moçambique. Esta táctica é usada para não desmoralizar os soldados portugueses e o povo que tem que continuar a sacrificar os filhos, enviando-os para servir de alvo nas emboscadas dos patriotas angolanos ou para tombar vítima da malária e dos miruins do Maiombe.
    É triste constatar que a mulher portuguesa contribui com todo o seu sadismo e crueldade na repressão do Povo angolano. Nas aldeias e nas vilas, muitos compatriotas pagam com a vida os caprichos da esposa do chefe de posto ou do comerciante português.
    As mulheres dos Estados Unidos também apoiavam a agressão criminosa do seu país ao Vietnam heroico. Hoje elas começam a despertar, a compreender a realidade: Todos os povos do mundo têm direito a liberdade e cedo ou tarde eles levantam- se, pegando em armas se necessário for, a fim de exercerem esse direito. Aliás, é o povo americano que envia os filhos a morte no Vietnam e custeia as despesas dessa guerra. Isto quer dizer que as mães americanas ainda pagam para a morte dos próprios filhos!
    As mulheres portuguesas continuam embaladas pelos pregões colonialistas como “missão de soberania”, “acção contra os bandoleiros”, “integridade nacional”, etc. Porém em 4 de Fevereiro de 1961 e nos dias seguintes, elas tiveram ocasião de constatar que esses mitos desfazem- se facilmente e que a ocupação portuguesa só pode manter- se na nossa Terra não com o apoio do Povo angolano mas a força de um exército colonial de quase 80.000 homens. Mais dia menos dia, o tal exército será vencido e, como todos os colonialistas, a mulher portuguesa que hoje colabora na repressão do Povo angolano, responderá pelos seus crimes.
    Mães portuguesas lembrai-vos das dores das mães angolanas cujos os filhos são mortos a pancada, a fome toda a espécie nazista de torturas da PIDE mil vezes maldita. O sentimento maternal não varia segundo o continente ou a cor da pele e a perda de um ente querido aflige a mãe portuguesa e uma mãe angolana. 
    O povo angolano nunca invadiu Portugal, nunca reclamou nada que pertencesse ao povo português. O povo angolano exige apenas o direito de sobreviver no país que lhe pertence, o direito de dispor da sua Terra da mesma maneira como o povo português lutou para livrar- se da dominação espanhola. Não pode haver causa mais justa, mais digna. Para os exploradores colonialistas não pode haver crime maior do que tentar fazer recuar o destino de um povo à custa de mitos trapaceiros de um exército facista.
    Não se pode implantar um império duradoiro à custa do chicote. Não se pode estabelecer uma sociedade multirracial à custa da PIDE e do exército.
    Mães portuguesas, levantai-vos contra a guerra injusta que os vossos governantes vos impõem. Não entregueis os vossos filhos a guerra colonial porque o povo angolano tem tanto direito a independência como o povo português.
    Em vez de oprimir o povo angolano, exige que Salazar e a sua clique desenvolvam o vosso país, Portugal, e garantam uma vida digna aos camponeses e operários de Portugal.
    Mães portuguesas chamai não a guerra colonial! 

A NOSSA DETERMINAÇÃO
     Em 4 de Fevereiro nós, militantes da OMA, decidimos aumentar o trabalho em prol da libertação do nosso País, como indivíduos e como organização. Nós fizemos de 1966 o Ano decisivo para o desenvolvimento da luta armada contra a ocupação portuguesa. Através das nossas tarefas diárias, nós queremos aumentar em 1966 a nossa solidariedade para com as frentes patrióticas nas colónias portuguesas da Guiné Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, no Vietnam, em Cuba e noutras trincheiras.
    Neste ano decisivo, aumentamos a participação no comité de acção do MPLA e na secção da OMA na nossa localidade. Os nossos parentes, vizinhos e amigos devem ser encaminhados para a Organização de vanguarda do Povo angolano, o MPLA. Porque sem organização, sem ordem, não há progresso. Muita gente desorganizada não pode lutar como é necessário.
    Na maior parte do território nacional os comités de acção e secções têm de ser ainda clandestinos, quer dizer que as autoridades colonialistas não podem saber nada do que se está a fazer entre nós. Nestas condições, a nossa tarefa principal é mobilizar todos os angolanos para a luta juntar todas as forças, todas as opiniões patrióticas para enfrentar e vencermos os ocupantes portugueses, pois só a nossa acção pode mudar a situação colonial de Angola. A solidariedade internacional é encorajada, mas ela não liberta Angola.
    Formadas as células clandestinas, é necessário entrar em acção, criar o clima de insegurança para os portugueses: cortar o fornecimento de electricidade e de água as cidades, sabotar as pontes nas vilas, fazer buracos nas estradas, raptar os comerciantes e chefes de posto, surpreender os depósitos de armas do inimigo para usá-las contra os próprios colonialistas.
    Por mais força que aparentem, nenhum exército no mundo pode vencer um povo determinado a conquistar a sua liberdade. Onde cai um patriota, dezenas de combatentes angolanos levantam- se e continuam a luta para que triunfe a Causa nacional. Quando ocuparam agressivamente o Vietnam heroico, os yankees diziam que iam vencer em menos de 6 meses por causa do seu equipamento moderno de guerra. O mesmo diziam os colonialistas portugueses em 1961, mas a luta do nosso povo continua e centenas de soldados portugueses perdem a vida na frente do combate.
    O importante é organizar-nos e vencer as dificuldades que aparecem em todas as lutas. Com todo o seu arsenal de guerra, os imperialistas americanos estão a ser diariamente derrotados e desmitificados pelo formidável povo vietnamita. Nós, os angolanos, podemos dar a mesma lição aos portugueses. As armas deles não podem vencer a luta pela independência de Angola. Os 4 milhões de angolanos podem e vão vencer o colonialismo português porque é o povo não as armas quem tem a palavra final na luta.
    O exército português não é invencível. Ele não pode resistir ao levantamento organizado do Povo angolano!
Uma só certeza: vitória 
EM ACÇÃO
    O Seminário da OMA indicou as militantes o caminho a seguir. Agora esta é a etapa da pática das Resoluções e aumento diário das tarefas revolucionárias, principalmente a mobilização e o auto-abastecimento. E muitas militantes continuam a provar através das suas tarefas diárias a sua decisão de dar tudo para a Revolução. A par das lavras e hortas, continua o trabalho da alfabetização, a colaboração no Hospital do MPLA em Matsendé e os refeitórios.
    Mulher revolucionária sente- se orgulhosa de apontar como estudante exemplar deste ano decisivo de 1966, a militante Teresa Gomes de Carvalho.
    Esta camarada que na Europa continua os seus estudos, mobilizou mais dois compatriotas para a campanha da ajuda aos guerrilheiros do MPLA. Assim ela envia regularmente cigarros, livros para as bibliotecas da OMA, jogos de mesa e outros objectos úteis na frente de combate como agulhas, linhas, etc. A camarada Teresa é mais uma militante que põe tudo a serviço da revolução. 
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    No momento da sua fundação em 31 de Julho de 1962 a Conferência de Mulheres Africanas (OMA) contava então 18 países membros. Hoje 24 países participam nas actividades da OMA cuja sede está em Bomako, capital do Mali. A OMA representa a mulher angolana na OMA, cujo o 3º congresso bianual vai realizar- se no Uganda de 25 a 31 do mês que vem.
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    A Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM) que agrupa milhões de mulheres e de mães de todas as raças em vários países de todos os continentes, está indignada com a miséria, ignorância e abandono em que vivem muitas crianças no mundo moderno de tanto progresso. Por isso, a FDIM resolveu convocar em Outubro deste ano, na Suécia, uma conferência mundial da criança onde médicos, educadores, sociólogos e mães de família vão unir os seus esforços para remediar esta dolorosa situação da criança no mundo de hoje.
    A OMA foi convidada a fazer parte do Comité de Honra da Conferência. 
    Um só caminho: trabalho unido!
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    O rio de correnteza forte leva capim e cabaças, o rio de água lodosa que é viveiro de mosquitos, corre corre sem parar. E a água do rio não olha para trás.
    Mulher angolana, tu és um rio na luta para a libertação de Angola. A repressão dos colonialistas – cadeia, pancada – a exploração causadora da fome, doença e ignorância no teu lar, tu vás vencer porque decidiste avançar como a água do rio.
    E hoje estás com os outros patriotas na resistência contra os ocupantes portugueses. Na sanzala, na mata, na cidade, continua a dar um esforço maior para o avanço da luta para a libertação de Angola e para uma vida melhor.
    Tu és um rio. Com o teu esforço a luta avança porque a água do rio nunca olha para trás.
    UNIDAS VENCEREMOS!

Artigo «Pontos nos iis» in Mulher Revolucionária (Órgão trimestral da OMA), nº 7 (Maio-Julho 1966).

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