«A luta de libertação nas colónias portuguesas»

Cota
0085.000.028
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Data
1966 (estimada)
Idioma
Conservação
Mau
*[manuscrito: 8.66/65?]

A LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL NAS COLONIAS PORTUGUESAS

I - Evolução histórica do movimento de libertação nacional

Dos tempos mais remotos, a história dos povos das colónias portuguesas esta vincada de actos de contestação e de factos de resistência a presença estrangeira estabelecida no seu solo.
Tomando as formas mais diversas (recusa passiva, protestos escritos, desobediência civil ou levantamentos armados) tais manifestações atestam a vocação universal dos oprimidos de reorientar eles mesmos o sentido do seu destino e assumir as responsabilidades das suas iniciativas.
O aparelho militar da dominação colonial portuguesa nunca conseguiu aniquilar a capacidade de resistência das camadas populares. Aquilo que os manuais da história colonial consideram o fim da ‘pacificação’ (vinte anos desse século) não é senão um episódio no curso dos acontecimentos nos nossos países.
E certo que a continuidade do espírito de resistência nacional foi frequentes vezes perturbada pelas incidências da situação exterior e nomeadamente pelas mutações políticas ocorridas em Portugal.
A nova tomada de consciência das realidades do facto colonial, a sua cristalização pelas formações políticas modernas e as modalidades de acção nacionalista são determinadas pelo contexto do após-guerra e do fascismo português.
As consequências últimas da segunda guerra mundial determinaram um novo equilíbrio de forças.
Recuo das fronteiras do imperialismo, paralelamente ao desenvolvimento das correntes democráticas e a emergência de uma consciência nacional em África e na Ásia. Se Portugal, estado não participante neste último conflito, resiste aos sobressaltos que acompanham a derrocada dos impérios coloniais, os povos sob a sua dependência, por seu turno, estão empenhados irreversivelmente no movimento geral da libertação africana.
Contudo o panorama político em cada um dos nossos países não parecia abrir perspectivas de acção imediata, tão pesado o fardo aos seus ombros, da dupla opressão colonial e fascista.
A descriminação racial e social entre indígenas e assimilados, revigorada pela legislação portuguesa, a concessão de largas parcelas de terras aos colonos, a intensificação da destribalização e a fascização da máquina administrativa - tal se apresentava o quadro objectiva em que se se exercia a ordem colonial.
O fogo do nacionalismo parecia extinguir-se nas associações que tinham sido fundadas, no interior da problemática posta pelo colonialismo Português.
Um período de transição vai abrir-se entre este tipo de organizações africanas e estruturação dos movimentos políticos actuais. O debate dentro da Liga Nacional Africana, em Angola e na Associação dos Negros em Moçambique, por exemplo, para lá dos aspectos aparentes dum conflito de gerações fez explodir a luz do dia as contradições sociais *[Rasurado: «enquadradas» e manuscrito por cima: «enganados»] pela situação colonial.
Os grupos da nova geração que podem aceder a inteligência e nas contradições amadurecem rapidamente. Visam a contestação fundamental de um dos aspectos mais tangíveis e imediatos da dominação colonial que no quadro do combate no seio das associações existentes, bloqueava o contacto com as massas: o acesso dos indígenas a vida civil.
Qualquer tentativa de integração desta categoria social nos agrupamentos locais e taxada de ilegalidade.
Nesses anos ardentes (48-50), a juventude dos nossos países experimenta as primeiras armas da clandestinidade, pela difusão dos panfletos denunciando as condições sócio-económicas; pela evocação histórica das figuras populares de resistência ou através de criação de literatura impregnada de nacionalismo.
Ao abandono definitivo da utilização da via legal, sucede a constituição de uma vanguarda *[rasurado: «ainda» e manuscrito por cima algo ilegível] das camadas sociais de funcionários, assalariados, intelectuais, estudantes. Eis o núcleo que estará na base a fundação das organizações políticas.
Primeiro nas cidades, depois no campo, o movimento da libertação nacional estruturado e individualizado a partir de 1956 segue o seu próprio caminho, adaptado as condições regionais.
A estratificação social em cada país, as incidências da situação geo-política, assim como a determinação subjectiva ao nível da direcção desta organizações condicionam a amplitude da sua audiência e o grau de mobilização das camadas populares.
As correntes organizadas da emigração desempenharam um papel importante na evolução do movimento de libertação nacional e na fisionomia da luta armada contra o colonialismo português.
Várias etnias de Guiné, de Angola e de Moçambique durante a era colonial e a seguir a partilha imperialista de África foram fixadas fora das fronteiras artificiais impostas a estes territórios.
Por outro lado, no curso da dominação portuguesa e particularmente nos períodos mais agudos do recrutamento da mão de obra e de utilização do trabalho forçado, o despovoamento das regiões fronteiriças da Guiné, de Angola e de Moçambique bem como o êxodo populacional das ilhas de Cabo Verde submetidas as crises cíclicas da fome tiveram por consequência estabelecimento de elementos diferenciados, vítimas do colonialismo português, no Senegal, na Guiné, no Congo, Tanzânia, Zâmbia, Rodésia do Sul, etc...
O clima social e político era aí, de uma maneira geral, mais favorável que nas colónias portuguesas. Assim, a tendência para o reagrupamento baseado na respectiva proveniência e por referência ao primeiro opressor, prevaleceu sobre a integração nas organizações políticas do novo país de residência. Esses elementos populacionais foram parcialmente recuperados e empenhados na luta conduzida pelo PAIGC, o MPLA e pela FRELIMO, principalmente após o acesso a independência da Guiné, dos países situados nas margens do Congo, do Tanganyika e da Rodésia do Norte. O caso particular da emigração do norte de Angola para o Congo Léopoldville coloca, entretanto, um problema mais complexo por causa da coesão e do dinamismo dos bakongos. A progressão do pensamento e as reacções anticolonialistas começa aqui pela formação de uniões ou alianças de base étnica: uma realidade que agira como freio a unificação do movimento angolano de libertação nacional.
a) Cabo Verde
Do tempo da escravatura ao presente, todas as manifestações de revolta ou de
descontentamento são reprimidas prontamente pela máquina colonial. O próprio sentimento de caboverdianidade, que iria traduzir-se numa literatura individualizada no contexto da língua do opressor e uma manifestação aceite apenas literariamente, o mesmo não se pode dizer daquela que mais autenticamente nacional e consciencializado se exprime em crioulo.
Os elementos africanos seus autores, são os que junto de outros vão integrar os quadros dirigentes do PAIGC no arquipélago, quando a via do protesto legal literário se conclui estéril.
No passado, as revoltas de camponeses em S. Tiago, Santo Antão e S. Nicolau como mais recentemente as greves dos trabalhadores urbanos no Mindelo e S. Vicente foram reprimidas com força.

b) Guiné
A resistência do povo da Guiné desde os tempos da conquista a actualidade foi sempre de grande tenacidade. Segundo fontes não refutadas, entre 1870-1936, meio século de guerras, não se verificou praticamente um ano sem operações militares. De 1939 a 1959, já instalado o aparelho administrativo colonial, a repressão tomou um carácter surdo, tanto mais violento pela execução secreta de muitas vítimas. A partir de 1959, verifica-se o regresso a repressão aberta ao assassinato policiesco. Por isso mesmo, o desejo de libertar-se do jugo colonialista e da ocupação estrangeira constitui uma profunda aspiração do povo da Guiné ‘portuguesa’ que nuca deixou de manifestar o seu inconformismo, quer por reacções individuais quer por acções colectivas de recusa de pagamento de impostos, de emigração maciça. E a partir de 1953 que inicia a tentativa de organização colectiva.
De princípio, nas zonas urbanas, os elementos ditos assimilados ou civilizados, procuram estruturar-se. Em 1954, esse grupo de nacionalistas guineense e caboverdianos, considerando os obstáculos presentes, decidiu criar a Associação Desportiva e Recreativa, cujo objectivo secreto, bem entendido, era o de desenvolver a luta anti-colonialista. As autoridades administrativas opuseram-se a sua formação, alegando que os Estados inseriram uma clausula ilegal da Faculdade de admissão de Indígenas. Perante este novo obstáculo, aquele núcleo (empregados e comerciantes, funcionários, estudantes) formara o MING (Movimento para Independência da Guiné). que não possuindo a solidez necessária vira a dar lugar ao P.A.I.G.C. em Setembro de 1956, durante uma reunião, realizada em Bissau.
O P.A.I.G.C., tendo formado algumas dezenas de quadros sindicais estruturou na clandestinidade, no interior do país, a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné, ‘portuguesa’ - UNTG. Este desenvolve então a partir de 1959 um trabalho de mobilização e consciencialização política que permitirá ao P.A.I.G.C. uma nova reunião em Bissau (Setembro do mesmo ano) onde ficará decidida a criação de uma rede clandestina nos núcleos urbanos e a mobilização das massas camponesas, como reserva principal da revolução. Daqui se passará a acção directa. *[Manuscrito: «3 Agosto» (e algo ilegível)]

c) São Tomé e Príncipe
O povo de São Tomé e Príncipe conta na sua igualmente uma longa recusa da opressão portuguesa. O primeiro acto de violência dos angolares - escravos que se supões vindos de Angola teve lugar em 1574. De 1595 a 1596 chefiados por amador, chegaram a ter controlo económico da ilha. Durante séculos, assiste-se a várias revoltas de angolares, sufocadas com a repressão mais violenta. Quando o cacau atinge o seu grau de maior riqueza, os portugueses lutam contra a abolição da escravatura. Este facto reacende coesão da população que, batendo-se pela liberdade, elimina alguns colonos durante as repetidas batalhas que então foram travadas.
Nos últimos anos a contestação assumiu formas novas através de greves e levantamentos armados, como se verificou em Fevereiro de 1953 como resposta a medidas decretadas pela administração colonial de arrolar as populações autóctones o trabalho forçado. A repressão que seguiu nos dias três e quatro do mesmo mês custou a São Tomé 1032 pessoas vítimas.
Afim de interpretar de forma organizada e colectiva as reivindicações populares contra a onda de massacres e a exploração colonial, forma-se então no interior do país, em Setembro de 1960 C.L.S.T.P. - Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe. A contestação agudiza-se com o recurso a greves que culminam na de Agosto de 1963 a que aderiram cerca de 90% dos trabalhadores plantações agrícolas.

d) ANGOLA
Na longa história da resistência do povo angolano, a luta armada ocupou, desde as primeiras etapas da ocupação portuguesa, um lugar relevante. Formaram-se nos diferentes reinos do país corpos de exército, logo que no fim do século dezasseis se esboçaram as primeiras tentativas de conquista militar. Uma figura lendária como a de Nzinga Mbandi, rainha de N´gola e de Matamba, alimentada ainda pelo seu nobre exemplo, a memória colectiva de populações profundamente sacudidas há quatro séculos, por incessantes investidas do opressor estrangeiro.
Mais recentemente, a insubmissão das populações dos Dembos foi considerada pelos historiadores portugueses como uma «vergonha para a nação». Foram necessárias quinze expedições sucessivas para levar a cabo a «pacificação» duma região que, em 1916, contava 55.792 habitantes. Foi a partir de 1872, precisamente, que os povos dos Dembos retomaram o combate contra os abusos da administração colonial e a exploração dos pequenos comerciantes. Em 1872 e 1907, os portugueses não conseguiram estabelecer os postos militares que desejavam. Diversas colunas foram aniquiladas em 1907, 1909, 1913, e 1918, para só, enfim, em 1919 e com a utilização de Angolanos de outras regiões e de soldados Moçambicanos reportaram a vitória esporádica sobre essas populações. Revoltas em várias regiões se assinalam de 1924 a 1939, enquanto os angolanos ditos assimilados se organizavam nos centros urbanos, segundo outras vias de luta.
Já no fim do século passado, uma plêiade de jornalistas, escritores, historiadores, e intelectuais fixava os marcos da contestação escrita do facto colonial e suscitava o agrupamento das elites locais. Fundou-se nesse espírito a Liga Angolana, mais tarde denominada Liga Nacional Africana. Também surgiu o Grêmio Africano transformado posteriormente na Associação dos Naturais de Angola.
O desfecho da luta travada no seio destes núcleos associativos por um grupo da guarda avançada que exigia uma mutação radical nos princípios orientadores de acção prática contra o sistema colonial, traduziu-se pela adopção da via clandestinidade política. Assim nasceu o PLUA - Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola, que sob a pressão das reivindicações populares dá lugar, em 1956, com outras organizações, ao MPLA.
Entre outras correntes do nacionalismo angolano cuja primeira fase de crescimento se encontra nos meios da emigração angolana no Congo e principalmente entre a etnia bakongo, assinalam-se por um lado, a UPA - União das Populações de Angola e, por outro lado o movimento messiânico de Simão Toko.

e) Moçambique

Até as primeiras décadas do século XIX, a única região onde os portugueses se estabeleceram efectivamente foi a Zambézia tendo, de resto, circunscrito a sua presença a feitorias fortificadas da costa.
Assim, só no final do século passado, conseguiram explorar completamente em seu favor as contradições existentes entre os reis africanos. O termo da submissão do Império Vátua data de 1897, com a morte heróica de Magwigwane, chefe do exército que organizou a resistência popular depois da prisão do seu soberano Ngungunyana, em 1896. Mas durante cerca de 20 anos os portugueses prosseguiram ainda a ‘pacificação’ de Moçambique. Então, vários agrupamentos de africanos visam a independência política.
Surgiu deste modo a Associação Africana e Centro Associativo dos Negros de Moçambique que mais tarde seriam controlados pela administração colonial, através da intervenção flagrante na sua direcção. Porém, quando o despertar do nacionalismo pan-africano se começa a fazer sentir em Moçambique, nota-se o aparecimento de um outro tipo de organização que deixou traços na actividade política moçambicana: a Associação dos Negros de Moçambique inicialmente com TENDÊNCIAS para um nacionalismo autêntico, depois por intervenção directa da administração colonial, transformada em tentativa efémera de plataforma para um futuro Moçambique multi-racial.
Sucede um período transitório até 1959 quando se cria o MANU - União Nacional Africana de Moçambique, no Tanganhica, com trabalhadores moçambicanos aí emigrados, no Quénia e Uganda. Surge na mesma altura entre os emigrados na Rodésia do Sul, a UDENAMO - União Democrática de Moçambique. Estas duas organizações políticas a que se juntam algumas outras de interior formaram em Dar es Salaam a FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique.

II. BASES IDEOLÓGICAS
1. CARACTERISTICAS DAS SOCIEDADES SOB A DOMINAÇÃO, COLONIAL PORTUGUESA
Pela conjunção de três mecanismos de dominação, indissociáveis entre si, e exercendo-se no domínio económico, administrativo e missionário, todas as colonizações agiram sobre a fisionomia das sociedades africanas.
A colonização portuguesa pela sua antiguidade e pelo subdesenvolvimento das suas estruturas sócio-económicas tem-se revelado ao longo da sua história, como aquele que provocou a desestruturação mais total dos quadros sociais dos nossos países.
A progressão do expansionismo lusitano, desde o século 15 não foi fundada sobre uma política coerente em relação as populações dos territórios em vias de ocupação ou de conquista. As primeiras motivações de envangelização e comércio tiveram por prolongamento um esforço de integração das regiões africanas conjunto económico da coroa portuguesa.
Com a ocupação administrativa, e iniciada no princípio deste século, as comunidades sociais postas em presença do colonizador são submetidas as mais profundas formas de alteração.
Um facto é incontestável: apesar dos particularismos regionais da irrupção portuguesa nas ilhas do Atlântico e nas terras firmes do continente, resultaram sociedades colonizadas. O conflito é patente entre a tentativa de integração no sistema de dependência e contestação da soberania portuguesa.
Os principais factores de alteração que agem sobre as nossas sociedades:
A manutenção do trabalho forçado sucede do tráfico de escravos que em certos casos foi praticado durante mais de 3 séculos; despovoamento e tribalização; relações económicas baseadas no pacto colonial e consequência aniquilamento dos sectores de produção da população autóctone; utilização e integração forçada dos chefes tradicionais, no conjunto do sistema administrativo; acção missionária sobre a cultura tradicional e o [substractum psicológico dos povos].
Dos três mecanismos de dominação acima referidos, o que se exerce no plano económico espelha de forma mais brutal a situação das sociedades sob a dominação colonial portuguesa, faz aparecer as camadas populares mais atingidas pela exploração estrangeira e explica, em última análise a orientação programática do nosso movimento de libertação nacional.
a) O plano que presidiu ao povoamento das ilhas o atlântico (Cabo verde e S. Tomé) assentou em bases comuns: estabelecimento de moradores portugueses sob o regime de donatários; introdução do algodão no primeiro caso e da cana do açúcar no segundo; fixação imediata de escravos. As relações de produção vão girar em torno destas culturas lucrativas - o que determina as estruturas sociais de tipo esclavagista. Com a decadência do açúcar e do algodão, depois da segunda metade do século XVII, estas ilhas foram reduzidas ao simples papel de entrepostos de escravos. Uma ligação estreita se estabelece entre sua evolução económica, a formação do seu povo e a sua consequente estratificação social. A introdução de novas culturas ricas (café e cacau) em S. Tomé, no século XIX e a abolição de escravatura abre um período de competição cerrada pela posse de terra. Esta revolução ’agrária’ nas ilhas de S. Tomé e Príncipe definiu duas formas distintas de ocupação: uma, directamente ligada a exploração de plantas lucrativas e outras, na dependência quase total da agricultura de subsistência. Nesta época os grandes senhores da terra, (luso-descendentes), tendo perdido os seus privilégios numa luta desigual contra o ocupante português, entram em declínio com grupo dominante e sua sorte foi praticamente ligada aos dos ‘forros’ ou libertos.
Resulta, assim, dos conflitos económicos do começo do século XIX a estratificação social que permaneceu até aos nossos dias.

Globalmente, uma sociedade crioula formada pelos «filhos da terra» tendo a sua volta tongas angolares e por outro lado os serviçais (Cabo-verdianos, Angolanos, Moçambicanos) trabalhadores empregados nas plantações agrícolas sob o regime de contrato.
A sociedade colonial única detentora das riquezas da ilha, e constituída exclusivamente por colonos portugueses.
A estrutura agrária que caracteriza a economia actual das ilhas de Cabo Verde decorre igualmente da época da abolição da escravatura. Mas a organização do espaço e os conflitos económicos produziram uma estratificação social que lhes é peculiar. Aí os descendentes dos senhores da terra acederam a posse das grandes propriedades, enquanto que os escravos ou seus descendentes foram reduzidos ao papel de rendeiros ou meeiros. Esta maioria de camponeses, dependentes unicamente do produto do seu trabalho, e a mais sujeita as consequências das crises agrícolas. A paisagem social do meio rural e completada por uma centena de grandes proprietários, caboverdianos, numerosos proprietários médios e pequenos grupos de proprietários.
A degradação do solo agrícola, em virtude da exploração e da pilhagem da terra, o agravamento das condições climáticas e sobretudo as crises provocadas pela fome causam nas ilhas uma verdadeira sangria demográfica que se traduz no volume populacional da emigração, a mais numerosa de todas as sociedades sob dominação colonial portuguesa.
Nos meios urbanos, forte concentração das camadas privilegiadas - os funcionários. A existência de comerciantes de importância considerável não permite situa-los como uma burguesia nacional. Funcionários médios, assalariados, pequenos comerciantes e profissionais, pelo seu comportamento, reagem como uma pequena burguesia local.

b) A actividade económica dos portugueses na Guiné foi quase totalmente comercial. A uma primeira fase do monopólio português de comércio, quase exclusivamente de escravos, reservado aos donatários europeus e caboverdianos, segue-se a da fixação de comerciantes portugueses perante a concorrência de outros países estrangeiros. Data desta época o aparecimento das companhias atlânticas esclavagistas que numa terceira fase vão desaparecer gradualmente a medida que se verifica o desenvolvimento dos produtos locais (Mancarra). Na quarta fase dar-se-á o retorno aos portugueses dos monopólios comerciais. A constante que caracteriza todas etas fases e um tipo de economia de resgate mono-mercantil. No passado, os escravos, no presente a mancarra.
O desenvolvimento da cultura da mancarra desde o começo do século, abriu o caminho a degradação dos solos, perturbou profundamente a vida das populações africanas, introduzindo o germe das consequências económicas, políticas e sociais que marcam a dominação portuguesa actual. A cultura da mancarra, tornada obrigatória para as populações africanas modificou radicalmente a organização do espaço na Guiné.
A uma sociedade tradicional baseada na agricultura a ocupação portuguesa substituiu uma colonia-feitora.
No campo existem as seguintes camadas sociais, herdeiras das primeiras hierarquias da tradição guineense: grandes chefes, uma aristocracia, cujo papel político e alterado pela administração colonial, comerciantes, empregados das actividades portuárias e domésticas. O êxodo rural e a destribalização introduzem nas cidades um elemento marginal - «lumpen-proletariado».

c) Dois países africanos comportam uma importante diversidade de riquezas agrícolas, minerais e energéticas, oferecendo simultaneamente a possibilidade de fixação nas mais férteis zonas climáticas: Angola e Moçambique.
Estava, pois, na lógica dos colonialistas portugueses, de prosseguir aí, o duplo objectivo de exploração e de povoamento, com as vagas sucessivas de elementos alógenos.

***
Não podendo confinar-se as culturas de subsistência, as populações africanas só têm uma alternativa - a integração na economia de mercado. Com efeito, esta integração forçada, ao mais baixo nível, resulta dos métodos que sempre presidiram, historicamente, as relações entre a administração colonial e as populações autóctones. Assim no domínio agrícola, tratando-se de produtos comerciais, a coexistência de dois sectores de produção - um, africano e outro europeu - redunda necessariamente em vantagem para este último.
Enquanto o sector africano se vê adstrito a culturas obrigatórias, em parcela de terra que lhe é fixada. Tal é o caso do algodão em Angola, cuja exploração fez objecto de promulgação de lei estritas, abrogadas teoricamente, a partir de Maio de 1961. A verdade é que, durante mais de trinta anos, as estruturas das comunidades rurais, nomeadamente nas regiões de Catete, Muxima e Malange foi profundamente alterada pela execução do «programa da cultura do algodão». Como se sabe, as reacções locais este tipo de exploração estiveram na origem dos acontecimentos da ‘Baixa Cassange’.
Mesmo traço característico na cultura do algodão e do arroz em Moçambique (delta do Zambeze e distrito do Sul do Save).
Um factor importante de alteração do equilíbrio social nestas colónias - já assinalamos atrás - a larga utilização de contratados no mercado do trabalho. A longa prática deste sistema, para lá da ruína económica que engendrou, e a causa directa da taxa elevada de mortalidade do que se chamou anemia demográfica que atinge vastas regiões, nos conflitos fronteiriços de Angola e Moçambique.
A mão de obra africana serve de moeda de troca em Moçambique. O orçamento local regista que aproximadamente 1/5 das receitas em divisas provem do «Rendimento da mão de obra no estrangeiro», ou seja de um tráfico de homens, cuja média anual se (eleva) avaliou em 400.000 trabalhadores para a Rodésia e África do Sul. Actualmente, entre os mineiros da África do Sul, só 40% das reservas dessa «república»; 36,7% são originários de Moçambique, 13,2% de Basutolândia, 5% de Niassalândia, 3.5% de Bechuanalândia e 45% da Suazilândia.
No chamado Plano Intercar de Fomento lê-se que a configuração geográfica de Moçambique (...) cria uma especial vocação para uma economia baseada na prestação de serviços as económicas do interland vizinho.
Durante mais de 50 anos (período de 1902 a 1958), 81.166 trabalhadores, recrutados em Moçambique morreram nas minas do Rand.
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Em Angola, para uma população total de 4.840.719 habitantes, calcula-se em 2.748.000 (57%) o número de indivíduos em idade de se consagrarem a uma actividade produtora, na economia de mercado. Entre estes, cerca de 2.500.000 são africanos que formam o conjunto da sociedade colonizada. Se 32% deste sector constitui a mão de obra assalariada, empregue na agricultura bem como nas diversas empresas de transportes e de trabalhos públicos, mais de metade deste efectivo está ainda submetido ao regime de trabalho forçado.
Os assalariados do comércio, os trabalhadores das indústrias extrativas e de transformação, as camadas de funcionários de administração colonial constituem 10% da população activa, enquanto o restante vive me situação de destribalizados nas zonas urbanas, ou em fluxo migratório.
9% Da população activa total forma a sociedade colonial, únicos detentores das riquezas económicas e do poder loca.
Em Moçambique, para uma população global de 6.543.000 habitantes, a população activa africana calcula-se em 2.400.000. Mais de 50% e constituída por contratados - quer no interior da colónia, quer no exterior.
A quase totalidade do resto da sociedade colonizada distribui-se em assalariados da agricultura e das minas, sub-proletariado urbano e trabalhadores domésticos.
Camadas intermediárias figuram sob a categoria de assimilados funcionários públicos e operários mais ou menos qualificados de que 1% faz parte do patronado.
40% da minoria indiana e chinesa faz parte do patronado. O controlo económico e político é detido por uma sociedade colonial de que 51,5% faz parte do patronado.
*****
Evocamos a natureza e a amplidão dos factores de alteração que agem sobre a fisionomia das nossas sociedades. O mecanismo da dominação económica do colonialismo português de que evocamos igualmente os traços gerais, conduz a uma simplificação das relações das sociedades em conflito.
O impacto da implantação europeia não só paralisou o desenvolvimento normal das comunidades rurais, mas também sobrepôs novos antagonismos as sociedades tradicionais (particularmente na Guiné, Angola e Moçambique).
A integração na economia de mercado mergulhou finalmente as massas autóctones numa situação global d dependência.
De certo, estabeleceram-se diferenciações de exploração económica não são ressentidas por todas as camadas, com o mesmo grau de intensidade. Todavia, os privilégios que a administração colonial teve de consentir a algumas delas não foram ainda de molde a engendrar as classes possuidoras em luta aberta contra o movimento popular pela conquista da independência nacional. Por outro lado, a desagregação das estruturas políticas e sociais, ao nível de estão, em alguns casos, a submissão do poder enraizados na tradição e emanado do povo ao novo poder de administração colonial (e directa) completam o quadro de uma situação profundamente dependente.
Sabemos que, nas nossas sociedades, as massas camponesas constituem a maior reserva populacional e das mais atingidas pela exploração estrangeira. Sabemos também que mesmo lá onde a industrialização está em curso, a hierarquia racial no mercado de trabalho bloqueia a emergência de um prolectariado autóctone e esclarecido, susceptível de desempenhar o papel dirigente na luta libertadora.
Em consequência, o núcleo motor da contestação do facto colonial formou-se em torno das camadas que adquiriram as possibilidades de acesso a inteligência da situação colonial: assalariados, funcionários, intelectuais, estudantes. Elas forjarão os instrumentos ideológicos do combate para a independência nacional. Contudo, o movimento da libertação só tomará o seu elan decisivo partindo da reserva populacional dos campos, mobilizando e orientando o sub-proletariado das cidades. Esta ligação carnal entre os quadros e as massas dá, em definitivo, a característica popular das nossas organizações nacionalistas.
Visto que a luta de libertação nacional nas colónias portuguesas se fundamenta nas aspirações das camadas laboriosas, ela conjuga-se com a libertação social. Noutros termos, a expressão nacionalista orienta-se no sentido uma mutação radical das relações actuais de dominação política, social, económica e cultural.

[Página nova]

B. Elaboração do pensamento político do movimento de libertação nacional
Simultaneamente a fundação das primeiras associações, uma impressa pletórica, dirigida por autóctones, principalmente em Angola e em Moçambique, constituía, no fim do século passado e nas primeiras décadas do presente, o veículo das reivindicações locais, combatia o racismo da sociedade colonial e materializava assim uma corrente nativista, a dos «filhos da terra», que era na época a expressão usada para significar o movimento de libertação Nacional. A obra política e cultural desses escritores, historiadores, filólogos, ensaístas, jornalistas e publicistas (cujo recenseamento esta longe da sua completa realização) foi uma fonte de meditação e uma das componentes do despertar nacionalista da nossa geração.
Não restam dúvidas de que a circulação dos temas debatidos nessa imprensa se fazia escala das colónias portuguesas. Mas é exactamente no centro da capital do império, que grupos de intelectuais africanos, acendendo a inteligência global do colonialismo português conseguiram dar um carácter orgânico às ligações estabelecidas entre os colonizados. O agrupamento que tomou nome de Liga Africana, inscreve-se incontestavelmente no vasto movimento de emancipação do continente pois ela acolheu em Lisboa a 2ª sessão da 3ª Conferência Pan-africana, em 1923.
Vinte anos mais tarde, a retomada da iniciativa neste domínio vai chocar-se com o bloqueio centralizador do podre colonial. A Casa d’África não oferece sequer o quadro de uma discussão aberta dos problemas que afectam directamente as sociedades colonizadas não obstante a luta intensa que aí foi travada nesse sentido, entre 1948 a 1950.
Em contrapartida, O Centro de Estudos Africanos, criado em Lisboa em 1951, relacionado a inteligência dos países de dominação portuguesa e reunindo as reflexões de vários dos seus representantes, procede, numa primeira fase, a uma apreciação dos fundamentos culturais do movimento de libertação nacional.
Através da reabilitação cultural, do exame colectivo do fundo autêntico dos nossos povos, tratar-se-á duma luta contra a despersonalização, traduzida em português em termos de assimilação espiritual. Assim se conduz o combate contra este aspecto da situação colonial e se unifica, em consequência, um pensamento anticolonialista. A empresa por si só ousada, no meio dos perigos da repressão fascista. Mas esse ‘Centro’ era igualmente objecto de desconfiança e até de condenação dos meios democratas portugueses que agitavam o espantalho do «racismo negro». Eles assistiam, sem discernir, a um momento de autonomia de organização dos colonizados. O amadurecimento das reivindicações populares e a eclosão das formações nacionalistas farão integrar o Centro de Estudos Africanos no seu verdadeiro contento e no seu quadro estrutural - o movimento político.
Um grupo de nacionalistas, uns, então estudantes residentes na Europa, agrupados num movimento de libertação democrático e outros, mandatados pelas suas respectivas organizações políticas da Guiné e da Angola, procedeu ao primeiro balanço global das forças vivas nos nossos países, no decurso da «Reunião de Consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português» que se realizou em Paris, em Dezembro de 1957.
Certos princípios adoptados mantêm ainda a sua validade para a orientação da nossa acção militante em favor da unidade: «...a exigência básica e mínima da luta patriótica dos povos das colónias portuguesas e a de identificarem-se todos os patriotas com as massas populares; assimilarem e tomarem na máxima consideração as necessidades, a existência e a sabedoria das massas, lutarem ao lado delas até a vitória final (princípio 6)».

«...a unidade de todos os povos das colónias portuguesas da África e indispensável na luta contra o colonialismo português»
«...a unidade de todos os povos africanos é indispensável na luta pela libertação de África do jogo colonial e imperialista e para a consolidação e liberdade das nações africanas. Os povos das colónias portuguesas de África devem realizar a sua libertação na unidade com os restantes povos africanos e visando a completa aniquilação do jugo imperialista (princípio 18)».
Em virtude do grau insuficiente de mobilização das massas populares atingindo na época, nos nossos países respectivos, em virtude de uma carência na análise das forças vivas e em virtude ainda do ascendente do mimetismo ideológico, formulação de certos princípios não resistiu à prova das realidades. Por exemplo as classes trabalhadoras das colónias portuguesas de África são as mais revolucionárias. Cabe ao proletariado o papel de mobilização e de organização das massas e de direcção da luta contra o colonialismo.
O MAC (Movimento anticolonialista), saído da reunião de consulta e de estudo, precisa no seu manifesto, o pensamento político do movimento de libertação nacional. Já não se trata unicamente duma crítica negativa do colonialismo: recusa dos seus argumentos falazes ou denuncia dos seus crimes. O manifesto do MAC, ao mesmo tempo que esclarece as posições do movimento nacionalista sobre os problemas fundamentais, indica as vias a seguir e os meios a empregar na luta contra o colonialismo português. A acção principal era «suscitar, desenvolver e coordenar a unidade dos africanos na luta contra o colonialismo português»; o objectivo a atingir: «conquista imediata da independência nacional e liquidação total do colonialismo português». O manifesto refuta a tese então em voga, mesmo no seio das organizações progressistas portuguesas, da «imaturidade para a autodeterminação», afirmando que «a opressão não é, nem pode ser uma escola de virtudes e aptidões a qualquer povo». Todos os povos têm o direito de dispor deles mesmos; única base na qual os nossos povos estão dispostos a colaborar com o povo português. Não sendo o ‘salazarismo’ o inimigo principal, a libertação e o progresso dos nossos países não depende do triunfo da revolução política social em Portugal. A reciprocidade das perspectivas abertas pela dinâmica da luta contra o colonialismo e contra o fascismo e, no entanto, e conhecida: «porque enquanto perdurar a estrutura colonial portuguesa e certo que o povo português correrá o risco de ser vítima de ditaduras fascistas». Referindo-se a constatação histórica de que as guerras colónias deixará de ser conduzidas do domínio absoluto da frente imperialista mundial, o manifesto afirma o seu favorecimento de uma liquidação pacífica do colonialismo português denunciando e responsabilizando, entretanto, o governo português pelas guerras que este preparava e viesse a desencadear.
Noutros termos, o governo português é responsabilizado pelo conflito de vira ensanguentar Angola, Guiné e Moçambique, porquanto, desde essa época, o regime de Salazar se emprenha numa guerra preventiva contra os nossos povos. Finalmente, o manifesto expões um panorama bastante amplo dos aspectos, formas e dos meios da luta libertadora. A luta deverá negar profundamente e destruir o colonialismo português ao mesmo tempo que trará consigo a força de criar as condições futuras de liberdade. Em caso de recurso a violência, para destruir a estrutura e as forças do colonialismo português que fazer? A resposta a esta questão fundamental e esboçada: acções de sabotagem, paralisia e destruição, em síntese, desencadeamento, nas formas mais adequadas da luta armada contra o colonialismo português, numa guerra justa de libertação nacional. O objectivo definido na Carta do FRAIN não poderia ser mais claro: «conquista imediata da independência nacional dos países africanos sob dominação colonial portuguesa e liquidação total do colonialismo português me África. Para conquistar a independência nacional e realizar a libertação dos povos das colónias portuguesas, a FRAIN usara meios pacíficos, a não violência, desobediência CVIL, mas fará recurso a represálias contra a violência, se a isso for pelo colonialismo português». No fim deste «ano de África, a evolução da situação impões a nova linguagem que foi utilizada na conferência de Londres, de 6 de Dezembro de 1960: «Portugal, porque se recusa obstinadamente a reconhecer as nossas aspirações nacionais, não nos deixa senão uma alternativa. Pela repressão selvagem aqui recorre e seus preparativos para a guerra colonial, força-nos a acção directa. Há muito tempo as nossas populações nos impelem para o método da acção directa. Mas as organizações nacionalistas procuram ainda uma solução pacífica. Por vezes as populações reagiram contra a brutalidade portuguesa e foram massacradas. Eles exigem agora com a maior urgência que seja organizado «um plano de auto-defesa activa». A alternativa a esta posição contém a essencial das preliminares sem as quais não é possível uma solução pacífica do conflito que nos opõe ao colonialismo português: Aceitação solene do direito a autodeterminação dos povos das colonias portuguesas: libertação incondicional […]neiros políticos; restabelecimento das liberdades cívicas, nomeadamente a de fundar partidos, retirada de todas as forças armadas portuguesas e dos agentes da PIDE. Verifica-se ainda pela primeira vez, o estabelecimento da ligação das nossas organizações com as diversas congéneres de Goa.
A CONCP aparece finalmente como o resultado dessas diferentes etapas e das contribuições das organizações nacionalistas individualizadas, a definição comum dos problemas que afectam a nossa luta de libertação nacional.
A conferência constituinte realizada apenas dois meses após os ataques as prisões de Luanda, consagra politicamente o recurso de passagem a acção directa.
No seio da CONCP, enquanto que expressão da união das forças pela liquidação total do colonialismo português, elabora-se a concepção unitária do combate libertador.
Na base dos obectivos claramente definidos pelas organizações membros, na sequência dos efeitos realizados em precedência pelo MAC e o FRAIN a tarefa do esclarecimento ideológico conduzida pela CONCP incide sobre dois planos - o interno e o externo.
No plano interno: doutrina da frente comum a escala nacional e das organizações das colónias portuguesas, semelhança *[manuscrito: idêntica] programática dos movimentos, identidade da significação última dada a liquidação total do colonialismo (a saber, as implicações sociais, para além do acesso a independência nacional). No plano externo: unidade africana e não-alinhamento, harmonização da diplomacia militante das forças do progresso em África e no mundo.

C. CONTRIBUIÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES PARALELAS

O carácter radical da dominação colonial portuguesa, reduzindo a uma condição idêntica as camadas populares adstritas e produção, o obscurantismo reinante no domínio da educação e a repressão política a expressão das liberdades eis os principais factos que impuseram aos movimentos nacionalistas das colónias portuguesas a necessidade primordial de mobilizar todas as forças vivas em torno do combate político na marcha para a independência. Assim as primeiras manifestações do movimento de libertação nacional, na sua forma moderna, procuraram integrar, na organização política, o conjunto das forças populares.
Não se assiste entre nós, como foi o caso de vários países d’África, que sofreram o domínio colonial francês ou inglês a anterioridade do facto sindical.
Libertar as iniciativas criadoras de trabalhadores, dos jovens, das mulheres, e dos estudantes - foi exactamente o motor da criação das organizações paralelas. Para materializar as aspirações destes sectores das nossas populações, contribuir para a solução adequada dos seus problemas específicos, as formações políticas a partir da experiência adquirida na luta de libertação constituem em teoria e geralmente na prática o ponto de ligação dos sindicatos, das reuniões de mulheres, de jovens ou de estudantes. Mas o caminho já percorrido neste domínio concreto foi e continua multiforme.
Assim a UNTG, organização dos trabalhadores da Guiné ‘portuguesa’ constituída na sua maioria por camponeses e assalariados dos centros urbanos reconhece explicitamente o papel de vanguarda que pertence, na luta de libertação nacional ao PAIGC. Isto fazendo a UNTG é responsável diante do partido das tarefas concretas que comporta o seu programa elevação do nível político, cultural e profissional dos trabalhadores, participação na produção agrícola das regiões libertadas. Esta concepção dinâmica do papel do sindicato, como agrupamento do «mundo do trabalho», inserido na luta de libertação nacional a atribuição do papel modelador das massas, a preparação a longo alcance para as tarefas de gestão económica do Estado, em síntese, o reconhecimento do lado íntimo entre o social e o político e igualmente partilhado pela UNTA. Mas os efeitos do dualismo no movimento de libertação nacional em Angola, privam o MPLA de todos os benefícios mobilizadores desta força sindical que mantém a sua autonomia, em relação as organizações políticas.
*[manuscrito: Estudo de Rabat. Enviaram a mais.]
Quer nos territórios nacionais, quer em Portugal, os estudantes (dos liceus e das universidades), assumindo por vezes responsabilidades a escala da direcção dos movimentos de libertação tem contribuído provisoriamente para a elaboração do pensamento político unitário. Da experiência adquirida nos vários agrupamentos a que estiveram ligados (associações regionais, Casa dos estudantes do Império, corporações universitárias), tendo em conta as exigências da luta geral contra a pressão colonial, criou-se a UGEAN, em 1960. *[Manuscrito: «… 1961»]
A UGEAN distingue-se pelas suas posições de princípio, contra o colonialismo, e neo-colonialismo e o imperialismo. No entanto, a afirmação até aqui categórica de uma independência absoluta relativa a qualquer afiliação a uma organização política é origem de equívocos e de mal-entendidos, pela avaliação incompleta e por vezes incorrecta das realidades próprias das organizações nacionalistas. Que os estudantes, na sua qualidade de trabalhadores intelectuais, sejam solicitados pelos problemas de esclarecimento ideológico do movimento de libertação, eis o que é louvável. No plano de desmistificação do colonialismo português nos meios estudantis internacionais não há que dizer: a UGEAN deu as suas provas. Mas o trabalho de elaboração das bases ideológicas e a intervenção no conjunto dos problemas africanos internacionais, deveria proceder de uma acção concertada com o organismo político de ligação dos movimentos das colónias portuguesas.
*[Manuscrito no canto inferior direito: UGEAN Bolseiros]

III. Conclusões gerais.

1. As etapas do movimento de libertação nacional que se inspira directa e profundamente no espírito de resistência dos nossos povos seguiram linhas paralelas.
A formação das associações legais vem numa primeira fase desempenhar um papel que não satisfará as massas populares quando o fascismo ascende ao poder. Caberá aos elementos de vanguarda dessas associações interpretar a vontade e as aspirações dessas massas populares passando inicialmente a luta clandestina e ao trabalho de organização das forças políticas.
Quando o fascismo se tornará pouco depois mais agressor, e ainda a vontade popular que irá exigir dessa vanguarda a passagem a acção directa, assim começando a etapa actual da luta de libertação nacional.
2. A apressão das realidades objectivas dos nossos países particularmente dos mecanismos de dominação económica das nossas sociedades fundamenta a orientação programática do movimento de libertação nacional.
3. A reflexão e as actividades no campo cultural tem um papel relevante nos primeiros ensaios de elaboração do nosso pensamento político unitário.
Pelo estudo e exaltação do património espiritual da tradição africana, património desnaturado pela irrupção da presença estrangeira, havia da afirmação cultural cimenta a formação da consciência nacional.
4. O combate político mobiliza, finalmente, todas as forças vivas e põe em movimento todas as camadas sociais em torno do objectivo imediato a independência nacional.
5. O terreno da solução da contradição fundamental entre o colonialismo português e as aspirações dos nossos povos a independência nacional coloca-se em termos de luta armada.
6. A guerra da libertação nacional da aos povos a consciência de um novo tipo de resistência com possibilidades de vitória sobre o inimigo directo; a sua dinâmica interna cria as condições para a solução dos antagonismos de ordem étnica e de diferenciação social; acelera o processo de formação das nações, pela sua vocação de levar a todo o território a destruição das estruturas coloniais; provoca a emergência das forças revolucionárias que imprimiram as conquistas da fase nacionalista um carácter irreversível.
7. Colocando-se na perspectiva de desenvolvimento nacional e tomando como ponto de partida os interesses das camadas sociais mais atingidas pela dominação colonial português as bases ideológicas do movimento de libertação nacional assentam essencialmente:
a. No conceito de unidade da nação;
b. No carácter imediato atribuído a conquista da independência nacional;
c. No carácter da liquidação total da estrutura colonial;
d. Na natureza do poder político e do regime social, atingido o termo da fase nacionalista.

A LUTA ARMADA NOSSA MEDIAÇÃO A INDEPENDÊNCIA NACIONAL E A LIBERDADE.

Texto sobre «A luta de libertação nas colónias portuguesas. 1- Evolução histórica do movimento de libertação nacional».

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