Mensagem de Agostinho Neto ao Povo angolano

Cota
0089.000.001
Tipologia
Declaração
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel Comum
Autor
Agostinho Neto, Presidente do MPLA
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
1 janeiro 1967 - Mensagem ao Povo angolano

*[manuscrito por Ruth Lara: (original em português)]

Compatriotas,
Camaradas,
Ao voltarmos mais uma página do calendário, é nosso dever exprimir o orgulho e a satisfação pelo balanço positivo obtido no ano de 1966 pela organização de vanguarda do povo angolano, o Movimento Popular de Libertação de Angola.

Não fora a repressão violenta que nos últimos meses do ano se exerceu contra os nossos camaradas, militantes do MPLA, no território do Congo Kinshasa, poderíamos considerar encontrado o ritmo desejável na evolução da nossa luta de libertação. No entanto, encarcerados esses patriotas dedicados, novas dúvidas e novas limitações se levantam, em virtude da passividade do Governo de Kinshasa face às arbitrariedades, violências e ameaças sofridas pelos nossos militantes, cujo único crime é dedicarem as suas vidas à tarefa gloriosa da libertação da pátria. Entre esses militantes dedicados e honestos é justo salientar o nome do nosso companheiro de luta, o Comandante João Gonçalves Benedito, dirigente destacado do MPLA, combatente corajoso desde as primeiras horas da nossa revolução, encarcerado pelos reaccionários ao serviço do imperialismo.

A todos eles a nossa solidariedade completa e a certeza de que todos os inimigos serão vencidos pelo nosso povo, ainda hoje, em actos de desespero aparentem uma força que já não possuem. A liberdade por que combatemos será conquistada.

Se formos de excluir este facto grave que terá necessariamente as suas repercussões, o MPLA pode regozijar-se por ter dado durante 1966 passos decisivos na realização dos seus objectivos fundamentais. Graças à coragem e dedicação dos seus militantes, graças ao esforço de mobilização e de organização desde o cimo até à base do nosso movimento, alcançamos uma vitória extraordinária ao alargar a acção armada para o sul angolano. A abertura da frente leste alterou profundamente o panorama da luta em Angola, mostrando a via acertada a seguir pelo nosso povo naquela região e hoje pode dizer-se que o exemplo dado pelos militantes do MPLA, tal como em 4 de Fevereiro de 1961, começa a incendiar a savana.

Com efeito, excedendo a sua responsabilidade do plano nacional, o MPLA lança as bases reais para o advento de uma nação livre, unida, orientada para o progresso, ao unir no mesmo combate todos os elementos do nosso povo. O Movimento Popular de Libertação de Angola é a única organização nacionalista que neste momento funciona realmente no território angolano- é preciso reafirmá-lo, na confusão lançada pela multiplicidade de organismos pseudo-nacionalistas formados sobre bases tribais no exterior do país. O MPLA nasceu e existe dentro de Angola e é a única organização que dirige uma acção armada no interior do país com a participação larga das massas populares de todas as regiões e essa acção armada progrediu sensivelmente nas três frentes do MPLA - Cabinda, Cuanza-Norte e Moxico. 1966 marca assim o início da generalização da luta armada que será um facto em 1967. Porquanto o nosso povo está pronto para participar na luta armada.

O inimigo perturbou-se enormemente e foi de forma apressada que concentrou tropas na região por ele denominada «Zona de intervenção Leste», que tem o seu centro na cidade do Luso. Como tentativa de intimidação fez incursões em território zambiano, violando assim as regras do convívio internacional para perseguir e atacara os refugiados angolanos naquele território.
O resultado da alteração do equilíbrio que o inimigo conseguiu manter enquanto lutava apenas nas frentes norte, é evidenciado nas suas reacções e encontra expressões diferentes em certas manifestações do povo português e do imperialismo.
Aumentou a repressão policial e militar no Moxico. Repetindo o seu procedimento habitual, prende e assassina muitos dos nossos compatriotas, incendeia aldeias inteiras, deslocou populações para áreas estratégicas a fim de as vigiar e evitar a sua participação na luta; abate gado pertencente ao povo para retirar a este capacidade material de contribuir para a guerrilha. Todos estes crimes, que aumentam o ódio do povo contra os colonialistas, revelam a desorientação em que o inimigo se encontra, ante a possibilidade de generalização da luta.
Mas há ainda outros factos que ilustram esta desorientação causada pelo alargamento da luta armada sob a direcção do MPLA, cujos objectivos e conteúdo político são claros e bem definidos. Angola vive um clima de mobilização geral. Os colonos são armados e organizados em milícias como em 1961; o período de prestação do serviço militar é prolongado para 4 anos e o orçamento português inscreve 42 por cento do seu total para as despesas com a guerra colonial. Mais de 6 mil milhões de escudos!

O inimigo procura ainda, noutro plano, desmobilizar pela corrupção e fazendo concessões em alguns aspectos das reivindicações do nosso Povo. Não há dúvida que a certos sectores da nossa população são concedidas melhores condições de vida, sem contudo se modificar a base material em que vive a grande maioria.

O povo português, apesar da educação colonialista e da coacção que sofre para fazer a guerra colonial em Angola, como em Moçambique e na Guiné, compreende o crime histórico que se pratica e, em certos casos, resiste a essa guerra. O povo português compreende que Angola não é portuguesa, compreende que é angolana, dos angolanos e para os angolanos.

Em Portugal, segundo verificação da Oposição Democrática Portuguesa, aumenta o movimento de deserção dos soldados. Inúmeros jovens preferem sair do país ou correr o risco da prisão para não participar neste crime que é a guerra colonial.

Houve recentemente um movimento de rebelião em Angola.

Mas o governo colonial-fascista português não compreende o interesse dos povos e persiste na sua política chamada de integração.

Como há pouco mais de um mês dizia um importante sector da oposição portuguesa em documento endereçado ao Presidente da República, o dito ‘governo’ (colonial-fascista) propõe como solução (ao chamado problema ultramarino) a igualização do homem negro numa prática comum.

A Oposição Democrática está avançando na compreensão do problema, mas nem sempre o aborda nos seus aspectos fundamentais, nem sempre se pronuncia claramente pelo reconhecimento do nosso direito à independência. Assim, nós não consideramos totalmente justa a posição do sector oposicionista citado, a propósito do problema colonial.

Porquanto, não basta «a convivência fraternal das raças, a criação da cultura, a promoção e o respeito das elites negras», não basta a «igualdade de direito e de facto de todas as populações que vivam no ultramar, na aguda responsabilidade civilizadora (sic) que não se compadece com sentimentos de propriedade ou de direitos adquiridos falsamente rotulados de patriotismo»!

Não basta isso, nem são esses os aspectos essenciais da reivindicação armada do povo angolano.

Nós combatemos e combateremos pela independência completa. Nós combatemos para que seja reconhecido o direito à soberania para o povo angolano. Isto é o objectivo essencial da nossa luta.

Dando um passo justo e animador, a oposição Democrática portuguesa necessita ultrapassar a estreiteza dos seus interesses nacionais para se universalizar, abarcar os interesses comuns e fazê-los coincidir, por processo revolucionário, com o direito inalienável do povo angolano.

No plano internacional, as reacções ao alargamento da nossa luta começam a atingir proporções sensacionais. As tentativas para levantar cadáveres políticos, a repor o problema da divisão do nacionalismo angolano, estão-se avolumando e elas apresentam os factos os mais audaciosos e enganadores.

Estes últimos dias foram férteis em acontecimentos espectaculares nas zonas situadas perto da linha da fronteira norte e nordeste do nosso país. Rendemos sincera homenagem aos patriotas honestos que se lançaram ao ataque contra os colonialistas portugueses, demonstrando mais uma vez que, mesmo a população refugiada no Congo está desejosa de lutar para conseguir a Independência e contra o ocupante colonialista. O MPLA curva-se perante esses heroicos e generosos combatentes, alguns dos quais imortalizados no sangue que derramaram no campo em que as balas inimigas lhes levaram a vidas.

Contudo, a esses compatriotas recomenda o MPLA que não se deixem levar pelo aventurismo daqueles que não se importam de sacrificar vidas preciosas para obter alguns efeitos políticos. A guerra de libertação nacional que o MPLA iniciou e dirige com firmeza, exige organização, clareza de objectivos, política de acção e honestidade.

Não será com incitamentos ao tribalismo e à divisão, com apelos à superstição e aos instintos primários e sem claros objectivos políticos que a luta pode desenvolver-se. Deste modo, pode-se dar espectáculo à custa de muitas vidas, pode-se atacar cidades e quartéis mas não haverá resultados, não haverá consequências. O melhor exemplo disso: os tristes acontecimentos do início da nossa luta armada no Norte do País. Houve a falta de organização e de orientação política justa, conduziu a um fracasso que hoje, 6 anos depois, começa a ser remediado pelos guerrilheiros do MPLA.

No entanto, posso garantir-vos, camaradas e compatriotas, que a situação é hoje completamente diferente da de 1961. A nossa resposta às investidas do imperialismo está no interior do nosso país, onde os militantes do MPLA, de armas na mão, estão infligindo golpes sobre golpes aos colonialistas portugueses, onde eles estão organizados e politizando o povo.

1967 será o ano da generalização da luta e nem os colonialistas portugueses dentro de Angola ou os outros imperialistas fora do país poderão enfraquecer ou frenar a nossa acção. Em 1967, o MPLA afirmar-se-á como o único dirigente da luta e os portugueses colonialistas sentirão mais gravemente o peso da nossa acção.

Compatriotas,
Camaradas,
Há um só meio para atingirmos a independência completa do nosso país: alargar, generalizar a lua armada.

Para isso, o primeiro aspecto emocional a ser observado pelos militantes é o da politização. Esclarecer as consciências. Abrir perspectivas. Mostrar os objectivos. Dar coragem. É preciso que lá onde estiverem, no campo de batalha ou na prisão, na cidade ou no campo, cada quadro do MPLA dê a maior importância à politização das massas populares.

É preciso explicar, explicar e mais vezes explicar.

É sobre a base política que poderão assentar os sucessos da luta armada e é sobre ela que o progresso da luta se pode processar. Em seguida, todos os angolanos esclarecidos e honestos devem participar activamente na luta de libertação, com qualquer das duas formas de organização que hoje adoptamos, ou a organização clandestina ou o destacamento de guerrilha. Todos os patriotas sinceros têm o dever de participar nesta luta, organizadamente, disciplinadamente, para atenuar o sofrimento do nosso povo e atingirmos a nossa inevitável independência, dentro em breve.

Compatriotas,
Camaradas,
Em 1967, ano da generalização da luta armada pelo MPLA, concentremos a nossa atenção em dois pontos:
Primeiro: Politização intensa da nossa população;
Segundo: Participação efectiva na luta de todos os angolanos patriotas e honestos.
Politização - Participação na luta,

No plano africano continuamos a assistir a um recuo considerável na luta anticolonialista. Apesar da luta armada que se desenvolve na Guiné, em Moçambique e em Angola, a atitude africana é menos activa que no momento da criação da OUA. Por isso felicitamos o governo do Congo-Kinshasa que toma posição contra Portugal, embora ainda não sejam visíveis as intenções de ajudar o MPLA na solução dos seus problemas legítimos e mesmo, como dizíamos no início, não dê ainda a protecção devida aos nossos militantes no seu território, onde são alvo de perseguições de toda a ordem.

Resta-me desejar-vos os melhores sucessos nesta luta grandiosa que marca a fase da transformação qualitativa na história do nosso povo.

Feliz ano novo.

Com a esperança que em 1967 estaremos mais próximos da nossa independência.
1967 será o ano da generalização da luta!

Vitória ou Morte!
A Vitória é Certa!
Mensagem de Agostinho Neto ao Povo angolano (cópia do original em Vitória ou Morte de 4 de Fevereiro de 1967)
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