Declarações de Fernando Francisco Viegas Conceição

Cota
0098.000.037
Tipologia
Declaração
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel Comum
Autor
Fernando Francisco Viegas Conceição
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
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DECRALAÇÕES DE FERNANDO FRANCISCO VIEGAS CONCEIÇÃO

Natural da Fuzeta (OLHÃO), nascido a 4 de junho de 1944 (embora o Bilhete de identidade diga a 17 de julho de 1944), filho de Basílio da Conceição Viegas e de Cacilda da Conceição Viegas residentes em Olhão (Rua Dra. Paula Nogueira nº 44), casado com Maria Benedito (morada acima) pai de uma criança de três anos (Jorge Vicente Loulé Viegas Conceição, profissão adjunto de padeiro).
Fez a recruta em Elvas e foi para o Porto para o R.I.6. Em Luanda pertencia ao Agrupamento de Engenharia de Angola, como 1º cabo condutor.
Já tinha estado em França e na Alemanha há cerca de 3 anos (emigrado clandestino).
Como documentos possui: B.I. do Ministério do Exército; carta de condução militar, B.I. da tropa em Angola (em poder das autoridades congolesas); B.I. civil (em poder das autoridades congolesas). Carta de condução moto, ligeiros e pesados.

FUGA - Desde que chegou a Angola andava com intenções de fugir, pois já tinha fugido para França com intenção de não fazer a tropa, tudo por razões económicas. Na tropa recebia 2 300 Esc., incluindo 600$ que entregavam à esposa e 200$ ao filho.
Fugiu de Luanda. Por indisciplina numa formatura foi agredido pelo alferes a quem desafiou depois para a revanche, desde que tirasse as divisas. O alferes aceitou a revanche e VIEGAS partiu-lhe os queixos e um braço. Julgado foi condenado a 12 anos de prisão. Teria que cumprir 6 meses e depois seguir forçado para o mato. Estava na prisão do quartel de Engenharia à espera de ir para a Reclusão. Um dia aproveitando um guarda menos cuidadoso e usando um truc para o afastar, conseguiu esguiar-se pelos portões. (a prisão estava situada perto do portão. Conhecendo um capitão aviador da sua terra que fazia carreiras militares para Cabinda com um NORATLAS, albergou-se em casa dele, depois de ter passado por casa de uma cunhada que lhe guardava a roupa. Não revelou que estava fugido, protestando licença e pediu ao amigo que lhe desse uma boleia até Cabinda o que foi aceite na condição de ir fardado.
Em Cabinda desfardou-se e andou pelas ruas a estudar a situação. Entretanto num café apercebeu-se do Joaquim (o outro desertor) que estava a falar com os três alemães, o que lhe fez suspeitar que talvez estivesse também preparando uma fuga. Quando o pode contactar a sós, e depois de algumas horas de convivência, soube que realmente o Joaquim queria desertar. Confessou-lhe então que ele também era desertor e estudaram alguns planos de fuga (de barco – dos tais alemães que eram marítimos de um barco de transporte de tubos para os americanos do petróleo), num gasolina a dois motores, etc. As duas hipóteses acima falharam porque por um lado o barco só largaria no fim de dezembro, e o gasolina precisava de gasolina (200 litros) e não conseguiram arranjar um bidon para esse carburante todo.
Entretanto, tendo encontrado um camarada do Joaquim souberam que o capitão no quartel andava perguntando por ele e que praticamente o davam como desertor pois não aparecia havia algum tempo.
Decidiram então roubar um carro, para fugirem pelo Massabi, pois o Joaquim conhecia bem a estrada, por estar no quartel do Massabi e estar de licença médica em Cabinda.
Roubaram um LandRover depois do cinema e tendo conseguido arranjar gasoil puseram-se a caminho.
Na entrada do Massabi fica um quartel com uma sentinela a vigiar a estrada. Conseguiram passar a sentinela sem terem que usar o truc que tinham preparado que era o de dizer que tinham uma encomenda para o chefe do posto da PIDE. Meteram o carro num desvio para a esquerda. Abandonaram o carro e continuaram a pé a montanha do canhão. Chegaram ao Massabi por volta das quatro horas da manhã. Contornaram a estrada e entraram em território congolês, tendo encontrado um “cabinda” que lhes deu guarida mas que deve ter ido avisar na gendarmaria que apareceu pouco depois, apontando-lhe as armas. Eles entregaram-se a explicarem ao que vinham. Os gendarmes levaram-nos para Ponta Negra onde ficaram no posto da polícia, Fernando possuía 2.200$.
Em Ponta Negra não contactaram portugueses, embora o “Martins” tenha dado 5.500fCFA à polícia para alimentação deles e feito uma quête entre os portugueses para lhes arranjar mais dinheiro. O Joaquim é que ainda falou com o Saraiva, pois como tinha uma blenorragia, ia algumas vezes para o Hospital e o polícia que o acompanhava passava no Saraiva para beber uns copos.

FARDAMENTO - Fugiu com o fardamento camuflado completo.
Chegou a Luanda em 18 de janeiro de 1966 (entrou na tropa em 2/2/65)

OPERAÇÕES – Andou na operação KISSONDE que tinha o objectivo de destruir lavras e acampamentos no DANGE, BELA VISTA, UCUA, BOM JESUS, etc.
Conduziu um UNIMOG. Uma vez chegou-lhe a cair no carro uma granada que não explodiu por não terem tirado a espoleta. Andava com um auto-tanque para fornecer água ao agrupamento militar de BOM JESUS, MUTEMBA, que não tinham água no sítio.
A operação envolvia 8 batalhões (infantaria, fuzileiros, caçadores) transportados em UNIMOGS. Os fuzileiros no DANGE entravam com Barcos. Os fuzileiros estão instalados na ilha de Luanda, perto da Marinha, onde estão os barcos de guerra.
Cada secção (a ”secção” portuguesa corresponde + ou – ao ”grupo “de *[Ilegível] anda num UNIMOG. Levam sempre rádios (2 por pelotão – um grande e um pequeno).
A destruição das lavras faz-se com um CATERPILLAR e por processos químicos 5 (batalhões de contratados fardados para o efeito que levem às costas bombas de aspergir um líquido venenoso que torna improdutivo o terreno.

QUARTEIS MAIS IMPORTANTES DE QUE TEM CONHECIMENTO – UCUA (2 companhias), BOM JESUS (1 companhia) MABUBAS (uma companhia). As 4 companhias são do mesmo batalhão.
LUANDA – O quartel do Grafanil, onde desembarcaram as tropas frescas tem em geral um máximo de três Batalhões
A Polícia Militar (2 companhias e)
1 Batalhão de Comandos
Quartel de Engenharia (facilmente atacável). Nem todos os jeeps têm rádio.
As patrulhas fazem-se principalmente nos musseques (1 carro para cada bairro).
As patrulhas a pé andam com UZI, de carro com pistola automática.
Na companhia encontra-se 4 ou 5 G3 e 3 Breda ou MG.
A casa da guarda de engenharia possui 60 balas. Só os angolanos é que fazem a guarda, sendo o sargento da guarda ou o oficial em geral europeu. O sargento tem uma UZI e os guardas têm Mauser com 5 balas.
Companhia de Defesa Imediata (CDI) composta por africanos, com 10 ou 12 brancos. Armada de FM e de G3.

ARMAMENTO USADO – pistolas WALTER (?)
Espingarda automática G3(20 balas) e FN (20 balas)
P.M. – F.B.P. (port. E a UZI)
VIGNARON
MAUSER
ARMLIGHT (para paraquedistas – 28 balas – arma de cano grande)
Metralhadoras BREDA, MG, DREISER
Canhões – ignora o calibre, bem com dos morteiros.
Aviação- DC4, NORATLAS, ignora as outras marcas.
Há doze jactos em Luanda. A base aérea nº 9 ao lado do Cº aviação Crª. Lopes.

OPVD – ganham 3 contos e tal. Chega-se a sair do exército para passar a voluntário.
Têm farda verde-oliva e FN de cano reforçado. São comandados por oficiais e funcionam sobretudo no mato. Em Luanda há um quartel para eles.

PIDE – Em todos os batalhões vêm 15 agentes da PIDE + 1 oficial. Ficam dois ou três agentes em cada companhia e ninguém, nem mesmo o Comandante sabe quem são.

OUTRAS INFORMAÇÕES – Pertencia ao agrupamento de engenharia (AE). O AE tem secções
em Luanda (um quartel ao lado de 6 ou 7 quartéis, perto do hospital militar), e em Nova Lisboa. É lá que se acumulam os transportes.
A Artilharia é que tem os Panhard que fazem as colunas do ZALA (1
à frente outro atrás). Nestas colunas é o camião DIAMOND que leva as munições. A Companhia de transportes tem um distintivo “elefante azul ou amarelo”.
Não assistiu a Levantamentos ou revoltas. Mas há um destacamento com a comida.
Ouviam os programas do MPLA. Os oficiais não gostavam e mandavam apagar o rádio.
Não são sujeitos a prelecções, salvo na recruta, que falam sobre os terroristas.
Não ligam às divergências entre a UPA e o MPLA. Consta que o MPLA é o treinado pelos russos. Falam mais do MPLA que da UPA e pensam que a UPA acabou.
Em Portugal era contra o governo “como família”. Em 1958 foi ouvir o DELGADO.
Apoiou o ataque a Beja. Nunca teve ligação orgânica com Oposição embora 1 tenha distribuído panfletos.

MORAL DAS TROPAS – Á princípio tinham confiança e o moral era bom. Agora andam desmoralizados e cada vez há mais deserções. Há muitos que querem desertar.

SOBRE O SEU FUTURO – Não se importa de fazer uns tiros com os guerrilheiros do MPLA.
Não tem conhecidos cá fora. Quer trabalhar. Se fosse solteiro não se importava de trabalhar com a oposição. Tem um irmão em Marselha de quem conhece a Direcção.


16 de dezembro 1967
Declarações de Fernando Francisco Viegas Conceição (desertor do exército português)
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